Parecer ECONOMIA/GEOT nº 83 DE 08/05/2024
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 08 mai 2024
ICMS. Imunidade. Templos de qualquer culto. Distribuição/venda de roupas sacras e outros artigos religiosos aos seus membros. Art. 150, VI, “b” da Constituição Federal de 1988.
I - RELATÓRIO
ASSOCIAÇÃO (...), organização religiosa, inscrita no CNPJ/MF sob o nº (...), com atividade principal “94.91-0-00 - Atividades de organizações religiosas ou filosóficas” e secundária “85.99-6-99 - Outras atividades de ensino não especificadas anteriormente”, com sede na Avenida (...), São Paulo – SP, representada por seu Procurador, (...), busca esclarecer se há incidência do ICMS nas operações de distribuição/venda de roupas sacras e artigos religiosos aos seus membros ou se é aplicável, na situação, a imunidade tributária de que trata o art. 150, VI, “b” da Constituição Federal de 1988.
Relata que, objetivando seu crescimento como entidade religiosa, de acordo com as práticas de pregar o evangelho e obter mais adeptos, adquiriu imóveis com o fito de construir capelas em todo o Brasil.
Aduz que a Organização não visa lucros, mas tão somente a pregação do evangelho de Jesus Cristo, incentivando todos os seus membros a viverem conforme os preceitos cristãos e que faz parte da vida cristã a realização de ritos e ordenanças sagradas, tais como o batismo, o sacramento, o casamento eterno e a realização de cerimônias sagradas nos seus templos, assim como o estudo das escrituras sagradas.
Esclarece que, para tanto, fabrica e distribui livros sagrados, roupas religiosas, como o “garment” e outras roupas sacerdotais, bem como outros artigos religiosos, tais como materiais de áudio e vídeo, entre outros, disponibilizados aos membros da Igreja em lojas de distribuição espalhadas por todo o Brasil a preço de custo.
Informa que a confecção das roupas e de muitos dos artigos religiosos somente pode ser feita pela Consulente, não existindo concorrência no mercado quanto a isso.
Assegura que, assim, a Consulente de fato não faz circular mercadorias, mas confecciona e atua sobre seu próprio patrimônio para proporcionar que os seus membros tenham acesso a tais roupas e artigos religiosos. E mais, como uma organização religiosa, ela não tem lucro com a venda desses itens e todo o dinheiro angariado é utilizado na persecução de suas finalidades essenciais.
Aponta que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 150, VI, “b”, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto e que o Código Tributário Nacional – CTN, que regulamenta algumas imunidades constitucionais, somente traz requisitos (art. 14) para concessão de imunidade a outros entes jurídicos, mas não aos templos religiosos.
Enfatiza que existe presunção a favor da entidade religiosa de que seu patrimônio sempre esteve relacionado às suas finalidades essenciais, conforme prevê o §4º do artigo 150 da Constituição Federal:
“§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”
Defende que, até prova em contrário, todas as atividades e todos os recursos adquiridos pela entidade religiosa estão relacionados às suas finalidades essenciais, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. ENTIDADE RELIGIOSA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART.333, II, DO CPC. ÔNUS DA PROVA. 1. Sendo a recorrida entidade religiosa, há presunção relativa de que o terreno adquirido para construção do templo gerador do débito é revertido para suas finalidades essenciais. Assim é que caberia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 333, inciso II, do CPC, apresentar prova de que o terreno em comento estaria desvinculado da destinação institucional. 2. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 417.964/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 15/04/2014)”
Assevera que mesmo quando as entidades religiosas praticam atividade econômica, elas continuam imunes.
Prossegue dizendo que o intuito do Poder Constituinte fora conceder de forma ampla e irrestrita a imunidade às entidades religiosas, sempre analisando tão somente a finalidade de suas práticas realizadas.
Acrescenta que o Regulamento Estadual do ICMS não deixa claro como a Consulente deve proceder para fins de ver reconhecido o seu direito à imunidade, restando-lhe dúvida quanto ao procedimento necessário para fins de reconhecimento da imunidade do ICMS pertinente à distribuição de roupas e artigos religiosos para os seus membros por meio da sua loja de distribuição.
Por último, faz os seguintes questionamentos:
1) Sobre as operações de distribuição/venda de roupas sacras e artigos religiosos pela Consulente aos seus membros há incidência do ICMS ou se aplica a norma constitucional de imunidade tributária, consubstanciada no artigo 150, VI, b, da Constituição Federal, visto que as roupas sacras somente podem ser vendidas pela Entidade Religiosa aos seus membros dignos, não cabendo aqui falar em ofensa ao princípio da livre concorrência?
2) A referida imunidade tributária abrangeria os teclados, gravuras religiosas e outros artigos que são distribuídos/vendidos pela Consulente aos seus membros para culto familiar desses?
3) Caso as respostas anteriores sejam a aplicação da norma de imunidade tributária, há obrigatoriedade de emissão de nota/cupom fiscal? Se sim, em qual campo da nota/cupom fiscal deverá se especificar que se trata de operação imune?
II – FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, vejam-se as seguintes disposições da Constituição Federal de 1988 a respeito da imunidade tributária:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(…)
b) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes;
(…)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
(…)
§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”
A imunidade tributária conferida pela Constituição Federal aos templos de qualquer culto, nos termos acima, diz respeito tão somente aos impostos que incidem sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais de tais entidades.
O entendimento consolidado nesta Gerência sobre o alcance da imunidade tributária ainda se mantém restrito ao texto literal da Carta Magna.
Conforme exposto em diversos Pareceres emitidos por esta Gerência, no âmbito estadual a referida imunidade constitucional é tratada como não incidência dos impostos sobre o patrimônio, quais sejam, o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCD e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Consigna o Parecer nº 277/2016-GTRE/CS:
“Na Legislação Tributária Estadual, a imunidade tributária objeto desta consulta (artigo 150, VI, “b”) é tratada como não incidência dos impostos sobre o patrimônio, vejamos:
1 - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD), cuja previsão legal de não incidência está previsto nos artigos 80, inciso I, alínea “b” e inciso II, da Lei nº 11.651/91 (Código Tributário Estadual);
2 - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cuja previsão legal de não incidência está nos artigos 95, inciso III, alínea “b”, da Lei 11.651/97 (Código Tributário Estadual).
No que se refere ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre as Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e de Comunicação (ICMS), a Legislação Tributária Estadual não trata da citada imunidade tributária.
Entendemos que os templos de qualquer culto, por isonomia (pois não são mencionados no dispositivo), ao praticarem a atividade de comércio (venda de produtos), estão se equiparando à iniciativa privada, praticando atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, conforme o disposto no § 3º, do artigo 150, da Constituição Federal, estando, portanto, sujeitas à incidência do ICMS.
Estão incluídas na imunidade, apenas, a venda de livros, revistas, bíblias e CD´s, conforme art. 150, inciso VI, alíneas ‘d’ e ‘e’ da Constituição Federal, inserido como não incidência na legislação tributária estadual no art. 79, inciso I, alínea ‘d’, do Decreto nº 4.852/97, Regulamento do Código Tributário Estadual – RCTE.
Assim, para comercializar mercadorias é necessário ter inscrição junto à SEFAZ/GO, além do cumprimento de todas as obrigações acessórias previstas na legislação tributária estadual.
Sobre a comercialização de mercadorias há a incidência do ICMS, com exceção de livros, revistas, bíblias e CD´s.”
Ao vender produtos, ainda que sem o intuito de lucro, a consulente está praticando uma operação de circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS, tributo não amparado pela imunidade de que trata a alínea “b” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, que alberga somente os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços.
O Código Tributário Nacional – CTN, ao dispor sobre os impostos no Título III, deixa clara a distinção entre aqueles que incidem sobre o patrimônio e a renda (Capítulo III) e aqueles que incidem sobre a produção e a circulação (Capítulo IV – IPI e ICMS).
A propósito, registre-se que se encontra em tramitação Proposta de Emenda à Constituição – PEC 5/2023, objetivando incluir, na vedação expressa na alínea “b” do inciso VI do art. 150 da CF/88, a aquisição dos bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços, em alinhamento às manifestações do STF, o que denota a inexistência de tal previsão no texto atual.
Desse modo, a distribuição/venda de produtos religiosos pela Consulente, à exceção de itens discriminados nas alíneas “d” e “e” do inciso VI do art. 150 da CF/88, está sujeita às regras normais de tributação previstas para cada produto, inclusive o cumprimento das obrigações acessórias previstas no art. 88 do RCTE-GO, tais como a inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás – CCE-GO e a emissão de documento fiscal.
II – CONCLUSÃO
Com base no exposto, pode-se concluir:
1) A distribuição/venda de roupas sacras e artigos religiosos pela Consulente aos seus membros, à exceção de itens discriminados nas alíneas “d” e “e” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal de 1988, configura operação de circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS, tributo não amparado pela imunidade de que trata a alínea “b” do mesmo inciso, que alberga somente os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas.
2) São imunes, conforme o art. 150, VI, “d” e “e” da CF/88, a venda de livros, revistas, bíblias, hinários, brochuras, gravuras religiosas em papel, outros produtos impressos em papel que possam ser classificados como livros ou periódicos e fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Os teclados não estão contemplados pela imunidade tributária.
3) A venda de produtos religiosos aos membros da igreja sujeita a Consulente ao cumprimento das obrigações acessórias previstas no art. 88 do RCTE-GO, tais como a inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado de Goiás – CCE-GO e a emissão de documento fiscal.
É o parecer.
GOIANIA, 08 de maio de 2024.
OLGA MACHADO REZENDE
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