Parecer GEOT/ECONOMIA nº 209 DE 02/06/2022
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 02 jun 2022
Dúvidas quanto à interpretação e aplicabilidade da Lei Nº 21410/2022.
I. RELATÓRIO:
A Superintendência de Recuperação de Créditos da Secretaria de Estado da Economia do Estado de Goiás, por meio do Despacho nº 1873/2022, solicita análise e orientação desta Gerência quanto à correta interpretação e ao alcance da Lei nº 21.410/2022, recentemente publicada pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.
Trata-se de lei com conteúdo já conhecido desta pasta, posto que se refere a conteúdo similar ao já revogado art. 8º da lei nº 20.732/2020. A lei em análise estabelece remissão de créditos tributários referentes a fatos geradores decorrentes do transporte de gado desacompanhado de nota fiscal.
Atualmente, o RCTE/GO estabelece isenção nas saídas internas de gado destinados a cria, recria ou engorda, mas impõe como condições para o benefício a emissão de nota fiscal e a guia de trânsito animal. Muitos contribuintes foram autuados em ações fiscais que constataram a ausência da emissão de nota fiscal, o que motivou a edição da lei perdoando os créditos lançados.
A Superintendência de Recuperação de Créditos formula os seguintes questionamentos:
a) Se deve dar imediato cumprimento à lei nº 21.410/2022, ainda que tal norma esteja eivada de fortes indícios de inconstitucionalidade.
b) Se devem ser extintos os créditos tributários decorrentes exclusivamente de ações de fiscalização em trânsito, que detectam o transporte de gado bovino acompanhado somente de GTA, ou se deve extinguir também os créditos originados de auditoria fiscal em que se faz o cotejamento entre GTAs e notas fiscais, em que se detecta omissão de saída de gado (emissão de GTA sem a emissão de nota fiscal).
c) Se deve ser elaborada norma nos moldes da Instrução de Serviço nº 1/11-GSF, que orientou o cumprimento da lei 17.298/2011.
II. FUNDAMENTAÇÃO: - DO CONTEXTO DO BENEFÍCIO FISCAL:
O Convênio do Confaz nº 139/1992 autorizou o Estado de Goiás a conceder isenção de ICMS nas saídas internas de gado.
Convênio 139/1992
Cláusula primeira
Ficam os Estados de Goiás, Rondônia e Tocantins autorizados a conceder isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS nas saídas internas de gado destinado a cria ou recria entre produtores agropecuários, nas condições que estabelecer a legislação estadual.
Parágrafo único. Nas operações de que trata este Convênio fica autorizada a dispensa da anulação do crédito determinada pelo inciso I do artigo 32 do Anexo único do Convênio ICM 66/88 , de 14 de dezembro de 1988.
Cláusula segunda
Este Convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional.
Brasília, DF, 15 de dezembro de 1992.
A autorização foi incorporada à legislação interna de Goiás por meio do Decreto nº 4.852/97, que acrescentou ao art. 6º do Anexo IX o inciso XLIII com a seguinte redação:
Art. 6º São isentos do ICMS:
XLIII - a saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, eqüino, muar e ovino, realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito (Convênio ICMS 139/92).
Posteriormente a redação foi alterada pelo Decreto nº 5.935/2004 para incluir na isenção a saída de suínos:
XLIII - a saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, eqüino, muar, ovino e suíno realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito (Convênio ICMS 139/92);
Em 2015 o Decreto nº 8.778 alterou novamente o dispositivo, incluindo o verbo “engorda”:
XLIII - a saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, equino, muar, ovino e suíno destinado a criar, recriar ou engorda, realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito, observado o seguinte (Convênio ICMS 139/92):
Como se nota, o tema objeto de análise há muito desperta a atenção dos Poderes Executivo e Legislativo do Estado de Goiás, principalmente pelo fato de Goiás ser hoje o segundo maior produtor de gado bovino no Brasil.
Insta observar que, apesar de terem sua redação levemente alterada, o dispositivo estudado manteve sua essência, condicionando a isenção das saídas internas de gado à emissão da Guia de Trânsito Animal e das notas fiscais.
Em 2018 foi editada a lei nº 20.063/2018 com a seguinte redação:
Art. 3º Ficam remidos os créditos tributários e não-tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária -AGRODEFESA-, inscritos ou não-inscritos, ajuizados ou não-ajuizados, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de publicação desta Lei, independentemente do valor, e que estejam relacionados à aplicação de penalidade pelo transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado de Guia de Trânsito de Animal - GTA.
O artigo foi vetado pelo Governador, mas o veto foi derrubado pela ALEGO em 10/07/2018.
De manifesta inconstitucionalidade, a lei 20.063/2018 foi objeto de representação com pedido de medida cautelar oferecida pelo MP de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás (autos nº 201800047001271/312). O processo foi arquivado sem julgamento de mérito pelo fato de a própria ALEGO, em 30 de agosto de 2018, publicar a lei nº 20.255 revogando o art. 3º da lei 20.063/2018.
Irresignados, os deputados estaduais aprovaram em 17/01/2020 a lei nº 20.732, cujo art. 8º assim dispunha:
Art. 8º Ficam remidos os créditos tributários e não tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária -AGRODEFESA-, inscritos ou não inscritos, ajuizados ou não ajuizados, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de publicação desta Lei, independentemente do valor, e que estejam relacionados à aplicação de penalidade pelo transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado de Guia de Trânsito de Animal - GTA.
Novamente vetado pelo governador, os deputados derrubaram o veto e publicaram a norma em 15/05/2020.
Questionado em juízo, o art. 8º foi declarado inconstitucional pelo TJGO. Foi editado em 24/06/2020 o Decreto nº 9.680/2020 determinando aos órgãos e às entidades da Administração Pública do Estado de Goiás que negassem aplicação ao art. 8º da Lei 20.732/2020.
Nesse cenário conturbado, surge agora a lei nº 21.410/2022, publicada em 18/05/2022, após derrubada de veto do Governador, trazendo redação essencialmente idêntica à já declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário.
Em seu art. 1º prescreve a norma:
Art. 1° Ficam remidos os créditos tributários e não tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária - AGRODEFESA, inscritos ou não inscritos, ajuizados ou não ajuizados, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de publicação desta Lei, independentemente do valor, decorridos do transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado de Guia de Trânsito de Animal - GTA.
DO ALCANCE DA LEI Nº 21.410/2022:
A Guia de Trânsito Animal – GTA – é o documento zoossanitário para a movimentação de animais.
Já o Termo de Transferência Animal – TTA –, segundo a Instrução Normativa nº 11/2018 da AGRODEFESA, é o documento zoossanitário utilizado para mudança de titularidade entre produtores rurais em uma mesma unidade epidemiológica, quando não houver movimentação de animais.
O TTA é utilizado, por exemplo, quando ocorre transferência do saldo de animais, com ou sem mudança na titularidade. É o caso das compra e venda, herança, separação conjugal, venda da propriedade com os animais (porteira fechada), doação, transferência de saldo de animais entre produtores com exploração pecuária em uma mesma propriedade rural e transferência de saldo de animais de pessoa física para pessoa física ou de pessoa física para pessoa jurídica e vice-versa.
Nota-se pelas próprias definições que a GTA e o TTA são documentos emitidos em circunstâncias distintas, que não podem ser confundidos.
A lei 21.410/2022 ora analisada se refere à remissão de créditos tributários decorrentes de transporte de gado com GTA sem nota fiscal. Não tratou o legislador sobre remissão de créditos gerados nas transferências sem que tenha havido transporte.
Como se sabe, o princípio da legalidade ganha contornos especiais no Direito Tributário. Em regra, o patrimônio público é indisponível. A concessão de benefícios fiscais ou a autorização para a prática de atos que geram impactos sobre o crédito tributário ou sobre sua exigibilidade somente pode ser feita por lei (CF, art. 150, §6º). Ao intérprete não cabe estender o benefício para casos análogos.
Embora o art. 111 do Código Tributário Nacional determine a interpretação literal dos dispositivos que disponham sobre exclusão ou suspensão do crédito tributário, a melhor doutrina defende que também a extinção do crédito deve ser interpretada literalmente. Entendendo dessa forma, a remissão tratada pela lei 21.410/2022 não pode ser aplicada aos casos de contribuintes autuados por realizarem transferências de animais sem a emissão de nota fiscal.
O art. 97 do vetusto CTN expõe a importância do princípio da legalidade no Direito Tributário Brasileiro. De acordo com o código, somente a lei pode estabelecer as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. Não pode um ato normativo inferior estabelecer casos de extinção de crédito tributário não tratado pela lei.
Logo, se a lei expressamente se referiu a créditos tributários referentes a transporte de gado acompanhados de guia de trânsito animal, não é possível aplicar o benefício a outros créditos tributários referentes a transferências de animais, sem que tenha havido o transporte.
DA NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA E DE CONVÊNIO DO CONFAZ:
A lei nº 21.410/2022 concedeu remissão aos créditos tributários cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de sua publicação (18/05/2022). Sendo a remissão perdão de um crédito tributário regularmente formalizado, é evidente que a lei que a concede só pode ter aplicação em relação a obrigações tributárias ocorridas antes de sua publicação, pois, caso contrário, estar-se-ia diante de uma regra de isenção, e não de remissão.
A respeito, assevera com precisão Eduardo Marcial Ferreira Jardim:
Remissão: o vocábulo compõe-se de re-para trás e missio-deixar-se levar, donde remissio-onis, que significa a ação de mandar para trás; por extensão, o termo assumiu na sua plenitude semântica o sentido de abrandamento, suavidade, indulgência e perdão, que, aliás, é a acepção colhida pelo Direito.
A remissão revela fórmula extintiva de relação jurídica consistente na libertação graciosa de uma dívida pelo credor.
Em igual sentido, eis a lição de Paulo de Barros Carvalho, in verbis:
Remissão, do verbo remitir, é perdão, indulgência, indulto, diferente de remição, do verbo remir, e que significa resgate. No direito tributário brasileiro é forma extintiva da obrigação se, e somente se, houver lei autorizadora. Está aqui, novamente, o primado da indisponibilidade dos bens públicos, que permeia intensamente todo o plexo das disposições tributárias.
Roque Antônio Carraza ressalta que "(...) a remissão é o perdão legal do débito tributário. É, na terminologia do Código Tributário Nacional, uma causa extintiva do crédito tributário (art. 156, IV). Faz desaparecer o tributo já nascido e só pode ser concedida por lei da pessoa política tributante". E acrescenta que "a isenção impede que o tributo nasça e a remissão faz desaparecer o tributo já nascido".
E conclui que "a lei isentiva é lógica e cronologicamente anterior ao nascimento do tributo (quando nasce), ao passo que a lei remissiva é lógica e cronologicamente posterior ao nascimento deste mesmo tributo".
A anistia, pois, perdoa, total ou parcialmente, a sanção tributária, isto é, a multa decorrente do ato ilícito tributário. Incide sobre a infração tributária, desconstituindo sua antijuridicidade, como observa Paulo de Barros Carvalho. Por evidente, aparta-se do tributo, que não compreende a sanção de ato ilícito.
Por óbvio, as remissões e as anistias só poderão ser concedidas por meio de lei editada pela pessoa política tributante. Só quem tributou – tendo competência constitucional para fazê-lo – pode remitir ou anistiar.
Assim, sobejamente demonstrado está que, consoante o texto constitucional, sem lei específica não pode a autoridade fazendária dispensar o pagamento de juros, correção monetária, multas, nem parcial ou integralmente o crédito tributário, sob pena de desrespeitar o preceituado no artigo 150, § 6º, da Constituição Federal.
Ocorre que, além desses, o ICMS desafia outros regramentos acerca da necessidade de convênio acordado no âmbito do Confaz para a concessão da remissão. Vale dizer, para remissão de créditos tributários referentes ao ICMS não basta uma lei específica, mas também um Convênio autorizando o favor fiscal.
O ICMS é imposto de competência dos Estados e do DF, mas, devido a seu potencial lesivo ao pacto federativo, a Constituição determinou que cabe ao legislador complementar estabelecer a forma como são concedidos e revogados benefícios fiscais a ele relacionados, a fim de impedir a guerra fiscal. O legislador complementar, por sua vez, previu a obrigatoriedade de autorização do CONFAZ, mediante convênio, como pressuposto de validade da lei estadual de desoneração. Qualquer tipo de favor fiscal concedido ao arrepio do Confaz é maculado pela inconstitucionalidade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal vem rotineiramente afastando do mundo jurídico normas que afrontam o texto constitucional. No RE 851.421, julgado em 18/12/2021, o Tribunal Pleno reforçou a necessidade de que a remissão de créditos de ICMS seja previamente autorizada em convênios do CONFAZ.
Analisando detidamente a remissão concedida pela lei 21.410/2022, temos que o benefício concedido extrapolou o disciplinado pelo Confaz no seu convênio nº 139/1992. O Convênio condicionou a isenção nas saídas internas de gado a que os produtores agropecuários observassem a legislação estadual. Esta, por sua vez, exige a emissão de nota fiscal, ainda que a saída interna da mercadoria não fosse onerada com o ICMS. Além disso, o Convênio trata de isenção, modalidade de exclusão do crédito tributário. A exclusão impede a ocorrência da obrigação. De outro lado, a remissão é modalidade de extinção do crédito e da própria obrigação. Isenção e remissão são conceitos que não podem ser confundidos pelo aplicador do direito. Como dito, o convênio trata de isenção, não de remissão.
A lei complementar nº 24/75 é clara ao exigir Convênio para "quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiros-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus" (art. 1º, Parágrafo único, IV). E mais, o inciso II do art. 8º determina que a inobservância da lei acarreta a ineficácia da lei ou do ato que concede a remissão do débito correspondente.
Em síntese, a lei que concede perdão de obrigações tributárias sem a prévia autorização em Convênio do Confaz é, data máxima vênia, inválida.
DA IMPOSSIBILIDADE REPETIÇÃO DOS VALORES JÁ PAGOS:
O Crédito Tributário se extingue nas hipóteses elencadas pelo art. 156 do Código Tributário Nacional. Dentre as modalidades de extinção temos a remissão, isto é, o perdão por parte do credor. Com a extinção do crédito tributário a obrigação tributária também desaparece (§1º do art. 113 do CTN).
A remissão concedida pela recente lei aprovada pela ALEGO não declara a inexistência da obrigação tributária já verificada, mas simplesmente a desconstitui. Por outras palavras, a obrigação desaparece.
A forma típica de extinção da obrigação tributária é o pagamento do crédito tributário (art. 156, I do CTN). Se alguém paga um crédito que já fora extinto (paga um crédito já extinto pela decadência, por exemplo), paga indevidamente uma obrigação que não existe, havendo direito à repetição do valor. A rigor, a obrigação de restituir sequer é tributária, possuindo fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa. Nesse caso, é pacífico o entendimento que assegura ao sujeito passivo o direito à restituição, pois ele adimpliu a uma obrigação inexistente.
A lei nº 21.410/2022 prevê a extinção de certos créditos tributários cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de sua publicação, ou seja, a lei perdoa específicas obrigações tributárias existentes na data de 18/05/2022. Isso significa que as obrigações existentes na data apontada desaparecerão. Caso a obrigação já tenha por outro motivo (pagamento) desaparecido, não há que se falar na aplicação da lei.
DA IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE APLICAÇÃO DA LEI:
O entendimento tradicional sempre foi o de que, apesar de a lei gozar de presunção de legitimidade, essa presunção não prevaleceria diante de manifesta evidência de inconstitucionalidade, a qual deveria ser demonstrada pelo Chefe do Executivo ao recusar aplicação à lei, como pressuposto de validade do ato e exigência de segurança jurídica. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “... Não se há de negar ao Chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo infraconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso (decreto, portaria, despacho, etc.) declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste”.
Aparentemente, esse posicionamento está em vias de ser completamente superado pelo STF. Recentemente, no julgamento conjunto de Mandados de Segurança contra atos do Tribunal de Contas da União (TCU), a Suprema Corte por maioria de votos consignou que o TCU não poderia afastar a aplicação de dispositivos de lei por considerá-los inconstitucional, não aplicando o verbete sumular nº 347.
A súmula 347/STF, editada em 1963, diz:
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.
Analogamente, não há que se admitir que o Poder Executivo recuse a aplicação da lei por reputá-la inconstitucional. Haveria, nas palavras do Min. Gilmar Mendes, um múltiplo desrespeito à Constituição: atentado contra o Poder Legislativo (que edita as leis); contra o Poder Judiciário (que detém as competências jurisdicionais); e contra o STF/TJ (que possui a missão de declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos).
Ainda que se tratasse de uma inconstitucionalidade “enlouquecida” ou “desvairada” (palavras do ex-Ministro Ayres Britto), a lei regularmente aprovada, publicada e vigente deve ser aplicada aos casos por ela abrangidos.
Ademais, o Poder Executivo possui outras ferramentas para extirpar do mundo jurídico uma lei atentatória aos preceitos constitucionais.
A legitimação conferida aos Chefes dos Executivos para o ajuizamento de ação direta perante o Supremo Tribunal ou da representação de inconstitucionalidade, junto aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, inclusive com pedido de medida cautelar de suspensão da eficácia da lei, tem tornado raríssimos os casos de recusa à aplicação de lei no regime da Carta vigente. Se a defesa efetiva e eficaz da Lei Maior ou das Constituições estaduais pode ser assegurada por via dos instrumentos processuais constitucionais destinados precisamente a esse fim, nenhuma razão de ordem prática ou de interesse público estaria a justificar o exercício do poder de rejeição de lei pela autoridade superior do Executivo.
DA EXTENSÃO DO JULGADO NO CONTROLE CONCENTRADO A LEIS DE IDÊNTICO TEOR:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a reclamação contra atos e decisões do Executivo e do Judiciário relativos à aplicação de lei de teor idêntico àquela que já foi objeto de controle concentrado de constitucionalidade pelo próprio Tribunal. Na decisão que deferiu o pedido de liminar na Reclamação nº 4987-MC/PE, explicitou o Relator, Ministro Gilmar Mendes: “(...) em relação à lei de teor idêntico àquela que já foi objeto do controle de constitucionalidade do STF, poder-se-á, por meio de reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo-se a declaração incidental de inconstitucionalidade, ou de sua constitucionalidade, conforme o caso”.
Essa orientação fundamenta-se na destinação constitucional da reclamação, no tocante à garantia de autoridade das decisões do Supremo Tribunal (CF/88, art. 102, letra l) e, ainda, no caráter vinculativo das decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, que produzem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública.
O alcance do efeito vinculante foi definido inicialmente a propósito da ação declaratória de constitucionalidade, introduzida pela EC nº 3/93.
Embora diversos julgados em ação do controle concentrado não vinculassem diretamente o Legislativo, parece certo que, segundo orientação hoje prevalecente no STF, o art. 102, § 2º, da Constituição, mesmo no regime da EC nº 3/93, podia ser validamente interpretado no sentido de que comportaria o cabimento da reclamação, para impugnar atos do Poder Executivo ou decisões judiciais que aplicassem ou recusassem aplicação a lei de conteúdo idêntico à lei objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal declaratória de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
DA REAÇÃO LEGISLATIVA:
O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado ao decidido pelos órgãos do Poder Judiciário. Assim, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu.
Não existe uma vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação legislativa à decisão da Corte Constitucional / Tribunais de Justiça com o objetivo de reversão jurisprudencial.
No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF/TJ nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima. Assim, para ser considerada válida, o órgão legiferante deverá comprovar que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF/TJ no passado não mais subsistem. O Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa (STF. Plenário. ADI 5105/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º/10/2015 - Info 801).
III - CONCLUSÃO:
Diante dos argumentos elencados acima, podemos concluir respondendo à consulta que:
a) A lei estadual nº 21.410/2022 deve ser imediatamente cumprida, sob pena de ofensa aos princípios da independência e divisão funcional dos poderes, da legalidade e da juridicidade, não cabendo à Fazenda Estadual realizar o controle de constitucionalidade;
b) Devem ser extintos os créditos tributários lançados em virtude de ações fiscais que constataram o transporte de gado sem nota fiscal. Portanto, seja em autuações no trânsito, seja em auditorias fiscais, os autos lançados decorrentes da não emissão de nota fiscal para transporte de gado nas saídas internas deverão ser extintos. É importante deixar registrado que os créditos lançados em virtude da omissão de nota fiscal nos casos em que é exigido o Termo de Transferência Animal (TTA) não foram extintos pela lei recém-aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás.
c) A Instrução de Serviço nº 1/11-GSF, de 22 de junho de 2011, disciplina a forma como a Secretaria da Economia deveria operacionalizar a extinção dos créditos tributários extintos pela lei nº 17.298/2010. A norma, com inegável clareza, definiu os setores competentes para operacionalizar a extinção tratada.
Considerando as diversas implicações que a nova lei nº 21.410/2022 acarreta nos trabalhos desta Pasta, sobrecarregando alguns setores em específico, havendo inclusive dúvidas sobre qual seria o órgão interno responsável pela eliminação de créditos objeto de julgamento no CAT – Conselho Administrativo Tributário -, créditos já ajuizados, créditos pendentes de pagamento, é altamente recomendável que seja elaborada uma instrução de serviço explicitando as atribuições para operacionalizar a extinção dos créditos tributários tratados pela lei.
É o parecer.
GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA da SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 02 dias do mês de junho de 2022.
Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 12/07/2022, às 18:36, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.
Documento assinado eletronicamente por HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR, Auditor (a) Fiscal da Receita Estadual, em 19/07/2022, às 15:23, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.