Resposta à Consulta nº 18215 DE 30/10/2018

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 30 nov 2018

ICMS – Prestação de serviço de transporte – Remessa de partes e peças para estabelecimento da transportadora – Retirada posterior – Estadia. I. A permanência da carga no estabelecimento transportador para que possa ser separada, acondicionada e consolidada, faz parte da atividade da empresa transportadora, não existindo, na legislação paulista relativa ao imposto estadual, limite de tempo para essa estadia. II. O destinatário jurídico das mercadorias e o destino físico final (local de entrega final, distinto da transportadora) devem estar previamente definidos e indicados em documento fiscal. III. A estadia não pode ser utilizada para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. As razões da estadia devem estar umbilicalmente relacionadas à atividade do serviço de transporte. Portanto, a estadia deve se dar por tempo razoável e, sobretudo, ser inerente à prestação do serviço de transporte. IV. A permanência de carga no estabelecimento da transportadora com funções de entreposto não pode ser considerada como estadia, se revestindo nas características de depósito e armazenagem, independentemente de não se cobrar valor adicional pela atividade.

Ementa

ICMS – Prestação de serviço de transporte – Remessa de partes e peças para estabelecimento da transportadora – Retirada posterior – Estadia.

I. A permanência da carga no estabelecimento transportador para que possa ser separada, acondicionada e consolidada, faz parte da atividade da empresa transportadora, não existindo, na legislação paulista relativa ao imposto estadual, limite de tempo para essa estadia.

II. O destinatário jurídico das mercadorias e o destino físico final (local de entrega final, distinto da transportadora) devem estar previamente definidos e indicados em documento fiscal.

III. A estadia não pode ser utilizada para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. As razões da estadia devem estar umbilicalmente relacionadas à atividade do serviço de transporte. Portanto, a estadia deve se dar por tempo razoável e, sobretudo, ser inerente à prestação do serviço de transporte.

IV. A permanência de carga no estabelecimento da transportadora com funções de entreposto não pode ser considerada como estadia, se revestindo nas características de depósito e armazenagem, independentemente de não se cobrar valor adicional pela atividade.

Relato

1. A Consulente, por sua CNAE (28.22-4/02), fabricante de máquinas, equipamentos e aparelhos para transporte e elevação de cargas, peças e acessórios, ingressa com consulta questionando, em síntese, a possibilidade de entrega de partes e peças em estabelecimento de transportadora sem que isso se configure atividade de armazenagem.

2. Nesse contexto, a Consulente informa que dentre suas atividades secundárias promove o aluguel de máquinas e equipamentos comerciais e industriais. Ocorre que, além do aluguel, a Consulente relata que é a única responsável pelo conserto e manutenção do ativo enquanto locado, sendo que a manutenção pode ser tanto de natureza preventiva como corretiva. Adicionalmente, informa que não são cobrados valores adicionais de peças/serviços, uma vez que o custo previsto já se encontra integrado na mensalidade de locação.

3. Diante disso, a Consulente expõe que atualmente remete peças e partes já conhecidas previamente (ou seja, já se sabe o que irá ser trocado) aos estabelecimentos dos próprios clientes onde se encontram os bens locados, inclusive àqueles localizados em estados da federação diversos do seu.

4. Entende, assim, que, à semelhança da Resposta à Consulta nº 2877M1/2015, sua operação se caracteriza como autoconsumo.

5. Portanto, entende que os materiais remetidos possuem natureza equivalente à remessa de substituição de frota, cujo CFOP é 5.949, tendo em vista que as novas peças substituirão as desgastadas por força do uso cotidiano. Dessa maneira, integram o ativo locado e aumentam ou mantêm a vida útil do bem em benefício do locador.

6. No entanto, informa que, nos casos de as peças e partes não servirem para as funções que foram designadas, essas retornam ao seu estoque, sob o CFOP 1.949, correspondente à descrição de retorno de material remetido para frota.

7. Além disso, relata que o transporte dos materiais de reparação é feito por meio de transportadora terceirizada, não havendo cobrança a título de remuneração aos locatários.

8. Isso posto, expõe que, para evitar que as peças e partes remetidas se percam no estabelecimento dos clientes, sendo que o destino físico é conhecido e determinado anteriormente, a Consulente deseja que estas peças e partes, ao invés de serem entregues diretamente no estabelecimento dos clientes, sejam retiradas, por seus técnicos, na sede da transportadora por ela contratada.

9. Não obstante, afirma que a função da transportadora seria a de somente prestar serviço de transporte e não de armazenamento.

10. No entanto, eventualmente, a Consulente desejaria, inclusive, que a mercadoria permanecesse na posse da transportadora até que o técnico do local de destino a retirasse. Estima-se que a retirada se dê em 1 (um) dia, contudo, é possível que a estadia das partes e peças no estabelecimento da transportadora seja estendida em até, no máximo, 3 (três) dias. Todavia, mesmo nesses casos, não seria cobrado qualquer adicional pelo período que os materiais permanecerem na sede da transportadora, não sendo realizadas, portanto, funções de armazenagem nem de depósito de mercadoria de terceiro.

11. Ademais, uma vez retiradas as peças, seria o próprio técnico da Consulente quem as transportaria, em veículo próprio, até o cliente, seu destino final. Cabe salientar que a sede da transportadora estará localizada na mesma cidade do cliente.   

12. Nesse contexto, a Consulente informa que, em caso similar, esta Consultoria Tributária já se pronunciou acerca da possibilidade de o remetente entregar a mercadoria no local da transportadora contratada pelo cliente, conforme Resposta à Consulta nº 694/2010. Contudo, diferentemente do caso exposto, o transporte feito pelo seu próprio técnico não ocorreria no início da operação, mas sim ao final desta.

13. Ante o exposto, a Consulente concluiu não haver legislação que regulamente especificamente as operações que deseja realizar. Nesse sentido, afirma, ainda, que a legislação paulista existente não permite a entrega de mercadoria a terceiro, diverso daquele mencionado no documento fiscal. Assim, a Consulente teme que a operação por ela realizada possa ser interpretada como entrega a destinatário diverso do documento fiscal, correndo o risco de ser-lhe aplicada a penalidade prevista no artigo 527, inciso III, alínea “b” do RICMS/SP.

14. Portanto, ante as considerações expostas, questiona:

14.1. Há a possibilidade da operação de retirada das partes e peças de reparo e manutenção dos seus ativos locados, por um de seus técnicos, na sede da transportadora por ela contratada? Se sim, há a possibilidade do transporte dessa mercadoria (via veículo próprio do técnico) até o destino final (estabelecimento dos clientes)?

14.2. Se houver a possibilidade da retirada das partes e peças no estabelecimento da transportadora, há possibilidade de a mercadoria permanecer na posse da transportadora até que o técnico de lá a retire?

14.3. É necessário realizar observações na Nota Fiscal para que, ao ser surpreendida por eventual fiscalização, não seja objeto de imputação de conduta que se traduza em ilícito pela legislação do ICMS do Estado de São Paulo?

14.4. Não sendo esse o procedimento correto, qual seria a forma de que o transporte, conforme mencionado, seja realizado em conformidade com a legislação do ICMS do Estado de São Paulo?

Interpretação

15. Preliminarmente, antes de se adentrar no modelo de operação pretendida pela Consulente, há de se ressaltar que o atual modelo operacional praticado pela Consulente causa estranheza a esta Consultoria, senão, veja-se:

15.1. Primeiramente, a Consulente relata que não há quaisquer cobranças adicionais pelo serviço de manutenção, ainda que haja troca de partes e peças, e que essa manutenção pode ser tanto preventiva como corretiva, sendo o custo dessa já integrado na mensalidade da locação. No entanto, causa bastante estranheza que quaisquer serviços de manutenção com substituição de partes e peças já estejam previamente inclusos no custo da locação. Oportuno, assim, registrar que a locação não pode ser desvirtuada para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. Inclusive, a praxe do mercado é de cobrar pela manutenção/substituição de partes e peças nos casos corretivos, sobretudo aqueles devido a mau uso, seja por imprudência, negligência e imperícia. Tais situações assemelham-se, portanto, à operação de venda e devem ser tributadas.

15.2. Além disso, a Consulente informa que as partes e peças a serem remetidas substituirão as desgastadas por força do uso cotidiano e que, assim, integram o ativo locado, aumentando a vida útil do bem em benefício do locador. No entanto, não basta que as partes e peças novas sejam utilizadas para substituir as desgastadas em função do uso corriqueiro. Elas devem ser revertidas em função da manutenção da coisa em si, em benefício substancial ao locador. Ademais, essas partes e peças devem integrar o ativo locado e, posteriormente, retornar ao estabelecimento do locador, ainda que integradas ao ativo imobilizado, portanto, à semelhança do artigo 7º, IX, do RICMS/SP. Nesse sentido, se as partes e peças não retornarem fisicamente em condições de uso ao estabelecimento do locador (mesmo que integradas ao ativo imobilizado), então, não só o requisito da não incidência do artigo 7º, IX, do RICMS/SP, estará afastado, como o benefício econômico dessas partes e peças, ainda que aumentem ou mantenham a vida útil do bem locado, terá sido revertido substancialmente em favor do locatário (tanto que essas se desgastaram em sua posse) e, assim, ele, locatário, arcará com tais custos – ainda que esses custos estejam inclusos no valor mensal de um contrato que as partes qualificaram como locação (mas que, ao fim, no que tange às partes e peças, enquadra-se muito mais a compra e venda envolto em um contrato de locação com manutenção). Diante disso, nessas situações, não há que se falar em autoconsumo em ativo locado, tratando-se de efetiva operação de circulação de mercadoria sujeita às regras gerais do ICMS. Portanto, para que o autoconsumo em ativo locado se configure é essencial que as partes e peças retornem em condições de uso ao estabelecimento locador, ainda que integradas ao ativo locado, e que o benefício econômico dessas partes e peças seja revertido substancialmente em favor do locador. No entanto, é de se estranhar, dado o volume de remessas a ponto de a Consulente querer praticar o modelo operacional pretendido, que as partes e peças remetidas retornem ao estabelecimento da Consulente em condições de uso e que, assim, o benefício econômico seja substancialmente revertido em seu favor.

15.3. Ademais, a Consulente afirma que já conhece previamente o destino das partes e peças, isso é, que já sabe de antemão quais exatas partes e peças serão substituídas e em quais clientes serão utilizadas, fato é que, posteriormente, a própria Consulente informa que há casos de peças e partes retornarem ao seu estoque por não servirem para as funções previamente designadas. Ainda, a Consulente não informa como realiza a operação de remessa e retorno das partes e peças, limitando-se a expor que se dão sob os CFOPs 5.949 e 1.949, sem informar se estas remessas e retorno estão sendo tributadas. Nesse sentindo, recorda-se que a própria Resposta à Consulta nº 2877M1/2015 determinou, na situação ali especificada, a utilização dos procedimentos disciplinados pela Portaria CAT-127/2015, com as devidas adaptações. Ainda, aquela Resposta à Consulta foi taxativa ao afirmar que o autoconsumo ocorre no momento em que as partes e peças são integradas ao ativo imobilizado locado (hipótese de não-incidência do imposto), momento posterior às saídas das partes e peças, motivo pelo qual a saída é regularmente tributada.

16. Isso posto, e não obstante os alertas mencionados acima, ante a falta de informações específicas a respeito da operação de remessa e retorno das partes e peças utilizadas no serviço de manutenção do ativo próprio locado, a presente resposta não se manifestará sobre essas operações, tampouco as ratificará. Do oposto, alerta-se fortemente para as observações feitas acima e, caso a Consulente esteja agindo em desacordo, recomenda-se que se dirija ao Posto Fiscal a que suas atividades estão vinculadas para sanar eventuais irregularidades fiscais, podendo ainda se valer do procedimento de denúncia espontânea disciplinado no artigo 529 do RICMS/SP.

16.1. Ainda, caso queira, a Consulente poderá ingressar com nova consulta sobre o tema, oportunidade em que, para atender ao disposto nos artigos 510 e seguintes do RICMS/SP, informará de forma detalhada e pormenorizada toda integralidade da operação praticada. Adicionalmente, a Consulente poderá juntar cópias dos contratos celebrados.

17. Sendo assim, a presente resposta se concentrará no cerne do questionamento apresentado, qual seja, se, ao entregar as partes e peças remetidas no estabelecimento da transportadora para que então, após um a três dias, sejam retiradas por seus técnicos e levadas ao estabelecimento dos clientes para a manutenção dos referidos ativos próprios locados, a transportadora estaria ou não exercendo a função de armazenagem ou depósito de terceiros, ainda que não haja cobrança adicional.

18. Nesse prisma, inicialmente, cumpre esclarecer que esta Consultoria Tributária já se manifestou em outras oportunidades (a exemplo da Resposta à Consulta nº 17275/2018) que, em princípio, não há limite temporal prévio acerca de estadia. No entanto, não se permite que a estadia seja utilizada para encobrir negócios de outra natureza. Assim, a estadia deve ser inerente ao serviço de transporte, estando umbilicalmente a ele ligado. Ademais, o destinatário jurídico (adquirente) e o destino físico final das mercadorias (local de entrega final distinto da transportadora) devem estar previamente definidos e indicados em documento fiscal.

19. Portanto, a estadia deve se dar em função de questões operacionais da própria atividade de transporte, tais como separação, acondicionamento, otimização de mercadorias, etc.. No entanto, não é o que ocorre no presente caso, independentemente de a transportadora cobrar ou não valor adicional por essa atividade.

20. Com efeito, o que se depreende do exposto é que a Consulente pretende estabelecer um entreposto e armazenar essas mercadorias para que, posteriormente (ainda que por tempo razoavelmente curto), seus técnicos as retirem do local. Aliás, a própria Consulente assume que o motivo pelo qual pretende operar nesses novos moldes se dá em razão de evitar perdas das partes e peças no estabelecimento dos seus clientes. Logo, verifica-se que a permanência das partes e peças no estabelecimento da transportadora não é atividade essencial ao serviço de transporte. Ademais, o próprio serviço de transporte contratado se encerraria no momento da entrega das mercadorias no estabelecimento da transportadora. Tanto que, após essa etapa, quem irá retirar as partes e peças são os próprios técnicos funcionários prepostos da Consulente.

21. Sendo assim, a atividade que a transportadora contratada pela Consulente pretende realizar, além do transporte das peças e partes até seu estabelecimento, não pode ser configurada como estadia, consistindo, na prática, como atividade de armazenagem ou depósito de terceiros.

22. Portanto, logicamente, os técnicos prepostos podem retirar as partes e peças para reparo e manutenção dos seus ativos próprios locados no estabelecimento da transportadora, mas desde que esta realize as atividades de armazenagem ou depósito de terceiros e, assim, seja dado o tratamento tributário próprio para as remessas a armazém geral ou a depósito de terceiros. Recorda-se, nos termos do item 15.3 precedente, que o autoconsumo ocorre em momento posterior.

23. Isso posto, salienta-se que o caso fático examinado na Resposta à Consulta nº 694/2010 é diferente do exposto nesta Resposta. Não só, naquele caso, se tratava de entrega da mercadoria no local da transportadora, como bem assinalado pela Consulente, como também, a estadia se deu em função da própria atividade de transporte.

24. Não obstante, dada a singularidade e complexidade do modelo negocial pretendido, a Consulente poderá pleitear regime especial, nos termos do artigo 479-A e seguintes do RICMS/2000, combinado com a Portaria CAT 43/2007. Recorda-se que a solicitação de regime especial deve ser feita junto ao Posto Fiscal de vinculação do contribuinte e dirigida à Diretoria Executiva da Administração Tributária – DEAT, competente para analisar, conforme critérios de conveniência e oportunidade, a viabilidade da adoção, pelos contribuintes, de procedimentos especiais relativos às obrigações acessórias (artigo 38 do Decreto nº 60.812/2014).

25. Por fim, frise-se que, em razão do princípio da territorialidade, o entendimento aqui exposto, bem como eventual regime especial concedido, somente prevalece dentro do território paulista. Para operações envolvendo outros Estados, recomenda-se à Consulente, por cautela e resguardo, que verifique o entendimento dos demais Estados envolvidos e, se for o caso, também solicite eventual regime especial junto a eles.

26. Com isso, dá-se por respondidos os questionamentos apresentados.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.