Parecer ECONOMIA/GEOT nº 88 DE 13/05/2024

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 13 mai 2024

Consulta sobre a exigência de estorno de créditos de ICMS quando da saída de soja de estabelecimento de produtor rural com substituição tributária pela operação anterior.

I – RELATÓRIO

(...), expõe que determinado produtor rural realiza operação interna de saída de soja, de sua produção, com destino a empresa com termo de credenciamento, sendo aplicada a substituição tributária pela operação anterior, e solicitou via processo SEI transferência de crédito tributário acumulado em aquisição de máquina agrícola.

Acrescenta que o produtor rural mantém/acumula crédito tributário, sendo a maior parte referente entrada de óleo diesel.

Esclarece que a empresa destinatária, da soja, contabiliza as suas operações de forma englobada e possui termo de credenciamento.

Afirma que o Anexo VIII, art. 6°, § 2-A do RCTE veda o destaque no documento fiscal e o correspondente registro a crédito no caso de apuração englobada.

Entende que na legislação goiana a manutenção de crédito, geralmente, está relacionada aos benefícios fiscais e as exportações.

Assim, formula os seguintes questionamentos:

- se o produtor rural tem direito a manter o crédito das operações anteriores referentes a saídas internas com substituição tributária pelas operações anteriores com soja;

- não tendo direito à manutenção do crédito, quando apurará e o momento para o estorno em futuras operações.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O ICMS, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, é caracterizado pelo princípio da não-cumulatividade e, ao mesmo momento, pelo princípio do devido estorno de créditos no caso de saída de mercadoria com isenção ou não incidência.
Eis os dispositivos constitucionais pertinentes ao tema:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

(...)

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

A Lei Complementar nº 87/96 – chamada de Lei Kandir, que estabelece regras gerais para as unidades federativas relativamente ao ICMS, estabelece a vedação aos créditos de ICMS na entrada do estabelecimento, no caso de se saber antecipadamente, que as mercadorias vão sair do estabelecimento com isenção ou não incidência.

E, logo a seguir, estabelece a exigência de estorno de créditos, no caso de saída de mercadoria com isenção ou não incidência, no caso de ser imprevisível saber, na data da entrada, se a saída da mercadoria do estabelecimento dar-se-á com isenção ou não incidência. Veja-se:

Lei Complementar nº 87/96 – Lei Kandir

Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

(...)

Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

I - for objeto de saída ou prestação de serviço não tributada ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço;

Portanto, a legislação federal, que traz os fundamentos e normas gerais relativamente ao ICMS, fixa as regras de que o estorno ocorre quando as mercadorias saírem do estabelecimento com isenção ou não incidência, sendo essa situação imprevisível quando da entrada das mercadorias no estabelecimento.

Essa disciplina federal relativamente ao princípio da não cumulatividade do ICMS e relativamente à exigência de estorno, está contemplada na legislação do Estado de Goiás.

A legislação estadual contempla, ainda, além da isenção e da não incidência na saída do estabelecimento, para fins de estorno dos créditos relativamente às entradas, o benefício fiscal da redução da base de cálculo, que o Supremo Tribunal Federal – STF já firmou entendimento de se tratar de uma “isenção parcial”. Portanto, se a redução da base de cálculo é uma isenção parcial, aplica-se à redução da base de cálculo a mesma exigência de estorno que a legislação federal trata relativamente à isenção.

Assim, o Decreto nº 4.852/97 – RCTE, dispõe o seguinte:

Art. 45. Crédito é o valor representado pelo ICMS cobrado nas operações ou prestações anteriores, por este ou por outro Estado, relativo à aquisição de mercadoria ou à utilização de serviço de transporte ou de comunicação.

(...)

Art. 58. O sujeito passivo deve efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado, sempre que o serviço tomado, a mercadoria ou bem que entraram no estabelecimento, quando (Lei nº 11.651/91, art. 61):

(...)

c) for integrada ou consumida em processo de produção ou industrialização, quando:

1. a saída da mercadoria resultante for isenta ou não-tributada;

2. houver saída isenta ou não tributada e sendo impossível determinar a qual delas corresponde a mercadoria, na proporção em que estas saídas representarem do total das saídas no mesmo período;

3. a saída da mercadoria resultante for contemplada com redução de base de cálculo, hipótese em que o estorno é proporcional a essa redução;

(...)

e) for utilizada no consumo do próprio estabelecimento, relativa e proporcionalmente à parcela das operações ou prestações isentas ou não-tributadas, considerando-se as saídas e as prestações com destino ao exterior como sendo tributadas;

Então, somente se a saída da soja do estabelecimento do produtor agropecuário ocorrer com isenção, não incidência ou redução da base de cálculo, e sem previsão no dispositivo respectivo de outro benefício fiscal, qual seja, a “manutenção do crédito”, é que se impõe a necessidade de estorno.

Oportuno esclarecer que a não incidência e benefício fiscal são institutos cujos conceitos estão bem definidos no Decreto nº 4.852/97 – RCTE, art. 78 e art. 81, que transcrevemos abaixo para clareza da solução à consulta:

Art. 78. Não-incidência é a situação que não está contemplada no campo de incidência do imposto ou aquela que a lei elegeu como não sujeita à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

(...)

Art. 81. Benefício fiscal é o subsídio concedido pelo Estado, na forma de renúncia total ou parcial de sua receita decorrente do imposto, relacionado com incentivo em futuras operações ou prestações nas atividades por ele estimuladas (Lei nº 11.651/91, art. 39);

Nota-se que em ambos os casos, não incidência ou benefício fiscal, o ente federativo renuncia à sua receita decorrente do imposto ou simplesmente não ocorre o fato gerador do imposto, seja porque está fora do campo de incidência (não incidência propriamente dita) ou porque a Constituição Federal exclui a situação da ocorrência do fato gerador (imunidade).

Nesse ponto, surge a indagação: se a soja que o produtor agropecuário comercializa está saindo de seu estabelecimento com substituição tributária pela operação anterior, isso configura caso de estorno seus créditos pelas entradas? A substituição tributária pela operação anterior é caso de isenção, não incidência ou redução da base de cálculo?

A resposta é simples: não, não é.

De fato, quando nos debruçamos sobre o conceito de substituição tributária pela operação anterior, vamos aos poucos percebendo que nessa situação ocorre o fato gerador e, concomitantemente, exsurge clarividente que não ocorre a renúncia ao imposto.

Com efeito, o que se dá é a transferência da responsabilidade pelo pagamento do imposto. Ou seja, o contribuinte que é o produtor agropecuário, deixa de ter responsabilidade pelo pagamento do imposto. Ato contínuo o destinatário, que é o responsável, passa a ter a obrigação de pagar o imposto que anteriormente seria devido pelo produtor da soja.

Para esclarecimentos, vejamos os seguintes dispositivos da Lei nº 5.172/66 – CTN, que clareiam nosso entendimento. Vejam-se:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

(...)

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a êste em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Nesse mesmo sentido, os artigos 41 e 43 do RCTE, a seguir transcritos, pontuam as espécies de substituição tributária:

Art. 41. Substituição tributária é a transferência da responsabilidade pelo pagamento do imposto de um contribuinte vinculado ao fato gerador da obrigação tributária para outra pessoa.

(...)

Art. 43. A substituição tributária é aplicada:

I - às operações ou prestações antecedentes, concomitantes ou subseqüentes;

Portanto, está-se diante do instituto da transferência da responsabilidade tributária na modalidade de substituição tributária pelas operações anteriores, modalidade na qual o imposto com responsabilidade pelo pagamento transferido deve ser recolhido pelo substituto tributário.

Por oportuno, anotamos que a soja está sujeita à substituição tributária pelas operações anteriores, nos termos do art. 2º, inciso I, alíneas “i” e “l”, e art. 3º, ambos do ANEXO VIII RCTE, a seguir transcrito:

Art. 2º São substitutos tributários, assumindo a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido na operação interna anterior, os estabelecimentos:

I - industrial, na aquisição dos seguintes produtos, efetuada diretamente ao estabelecimento produtor, ou extrator, inclusive de suas cooperativas, para utilização como matéria-prima em processo industrial:

(...)

i) cereais;

(...)

l) fruto oleaginoso, inclusive caroço, semente e amêndoa;

(...)

Art. 3º O estabelecimento comercial adquirente de produto agropecuário pode assumir a condição de substituto tributário mediante Termo de Credenciamento, conforme dispuser ato do Subsecretário da Receita Estadual.

Depreende-se da leitura dos textos regulamentares acima transcritos, que o industrial é o substituto tributário original, independentemente de qualquer exigência. Já o estabelecimento comercial é o substituto tributário secundário, ou seja, para o qual se exige o termo de credenciamento.

Entretanto, há situações em que a saída de soja é contemplada com a isenção. Isto ocorre na saída de soja do estabelecimento produtor para o estabelecimento industrial, conforme art. 6º, inciso LXXVIII, do Anexo IX do RCTE, a seguir transcrito:

Art. 6º São isentos do ICMS:

(...)

LXXVIII - a saída interna, de produção própria do estabelecimento do produtor com destino à industrialização, de amendoim em grão, arroz, aveia, cacau, café em coco e em grão, cana-de-açúcar, canola, cogumelo comestível, cominho, gergelim, girassol, leite em estado natural, mamona, milho, sisal, soja e trigo, observado o seguinte (Lei nº 13.453/99, art. 2º, lI, "f"):

Quando a soja saí diretamente do estabelecimento produtor agropecuário para o estabelecimento industrial, ocorre a isenção do ICMS, ou seja, o Estado de Goiás renuncia ao imposto, e, ao mesmo tempo, o dispositivo isencional não prevê a manutenção dos créditos pelas entradas, situação em que, consequentemente, impõe-se o estorno do crédito escritural pelas entradas na forma prevista no art. 58 do RCTE.

Assim, extreme de dúvidas, quando a soja saí com destino ao estabelecimento industrial não há que se falar em substituição tributária pelas operações anteriores, posto que não há imposto a ser pago por transferência pelo destinatário, devendo ocorrer o estorno dos créditos escriturais pelas entradas.

Entretanto, observe-se que quando a soja sai do estabelecimento do produtor agropecuário com destino a estabelecimento comercial não ocorre a isenção do ICMS, por falta de previsão legal, mas sim a tributação por substituição tributária pelas operações anteriores, que é o caso ora analisado, visto que a consulente afirma que o destinatário possui termo de credenciamento para ser substituto tributário. Assim, insubsiste necessidade de estorno dos créditos escriturais na forma do art. 58 do RCTE.

O pagamento englobado do ICMS na saída da soja do estabelecimento comercial, mediante pagamento do FUNDEINFRA, é faculdade conferida pela legislação tributária do Estado de Goiás ao substituto tributário, e não significa que o ICMS devido na operação anterior foi dispensado. Assim, não é o caso de se exigir estorno dos créditos escriturais do produtor de soja pela operação em apreço.

III – CONCLUSÃO

Posto isso, concluímos respondendo aos questionamentos da consulente na forma a seguir:

QUESTIONAMENTO 1) se o produtor rural tem direito a manter o crédito das operações anteriores referentes a saídas internas com substituição tributária pelas operações anteriores com soja.

RESPOSTA: Sim, entendimento correto. Na saída de soja do estabelecimento do produtor rural com substituição tributária pela operação anterior não há que falar em estorno dos créditos escriturais pelas entradas, porque não é caso de benefício fiscal (isenção ou redução da base de cálculo) tampouco de não incidência, mas sim de transferência da responsabilidade pelo recolhimento do tributo do produtor ao destinatário substituto tributário.

QUESTIONAMENTO 2) não tendo direito à manutenção do crédito, quando apurar e o momento para o estorno em futuras operações.

RESPOSTA: prejudicado.

É o parecer.

 GOIANIA, 13 de maio de 2024.

DAVID FERNANDES DE CARVALHO

Auditor-Fiscal da Receita Estadual