Parecer GEOT nº 47 DE 30/04/2021

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 30 abr 2021

Consulta quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária.  Incidência de ICMS na prestação de serviços de extração e beneficiamento de resíduos de minério (ouro ativo financeiro) por encomenda, para pessoa física titular de Permissão de Lavra Garimpeira.

I – RELATÓRIO:

(...) formula a presente consulta para dirimir dúvida quanto à incidência de ICMS na prestação de serviços de extração e beneficiamento de resíduos de minério (ouro ativo financeiro) por encomenda, para pessoa física titular de Permissão de Lavra Garimpeira.

Relata que a senhora (...), detém a “Permissão de Lavra Garimpeira” (“PLG”) nº 09/2015, prevista no Processo DNPM nº 861.542/2013, visando o aproveitamento de barragens de rejeito de minério de ouro, separados por processo produtivo e não aproveitados economicamente, em imóvel situado em Crixás, onde realiza a operação de extração e beneficiamento dos rejeitos de minério para a extração do ouro por intermédio de empresa contratada (Consulente) especializada para a prestação destes serviços.

Informa que os serviços prestados consistem na britagem, peneiramento, moagem e classificação dos rejeitos localizados no imóvel dentro da poligonal da PLG, e que ouro extraído de tal processo é vendido como ativo financeiro, por (...) proprietária dos rejeitos, para uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), instituição financeira que atua sob a supervisão do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários.

Aduz que a operação deve ser tributada pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e destaca as disposições do artigo 1º e subitem 7.21 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Por fim, formula os seguintes questionamentos:

1. Sobre a operação de “Prestação de serviços de extração e beneficiamento de resíduos de minério (ouro ativo financeiro) por encomenda”, prestados pela Ourotech para a titular da Lavra Garimpeira, (...), incide ICMS?

2. Se não houver a incidência de ICMS, remanescerá a obrigação acessória de emissão de nota fiscal estadual para acobertar a operação descrita acima?

II – DA FUNDAMENTAÇÃO:

A solução dos questionamentos formulados passa pela definição da espécie tributária (ICMS ou ISSQN) incidente sobre as operações praticadas pela Consulente, que consiste na prestação de serviços de extração e beneficiamento dos rejeitos de minério, dos quais será extraído o ouro, por encomenda de terceiros.

Deve-se considerar que o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de que a atividade exercida sobre mercadoria em etapa da cadeia de circulação constitui hipótese de incidência de ICMS. O beneficiamento realizado sobre determinada mercadoria, ainda que sob encomenda, na cadeia de industrialização ou comercialização, encontra-se incluído no campo de incidência do ICMS, conforme determinação constitucional de repartição de competência tributária. Caso o encomendante do beneficiamento seja consumidor ou usuário final ficará caracterizada a prestação de serviço tributável pelo ISSQN, se houver previsão na Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116/03.

Deste modo, o que as empresas de beneficiamento fazem nada mais é do que preencher uma etapa no ciclo de comercialização da mercadoria. A transformação que essas empresas promovem no bem fornecido pelo encomendante é para posterior industrialização e/ou comercialização, circunstância que descaracteriza do ponto de vista substancial a prestação de serviços para fins de tributação pelo ISSQN.

Porém, o processo de beneficiamento de minerais, entendido como atividades complementares à extração, é aquele realizado por fragmentação, pulverização, classificação, concentração, separação magnética, flotação, homogeneização, aglomeração ou aglutinação, briquetagem, nodulação, sinterização, pelotização, ativação, coqueificação, calcinação, desaguamento, inclusive secagem, desidratação, filtragem, levigação, bem como qualquer outro processo, ainda que exija adição ou retirada de outras substâncias, desde que não resulte na descaracterização mineralógica das substâncias minerais processadas ou que não impliquem na sua inclusão no campo de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), nos termos do artigo 14 do Decreto Federal nº 01/91. Portanto, tais processos não se confundem com o beneficiamento considerado como modalidade de industrialização de que trata o artigo 4º do Regulamento do IPI (Decreto nº 7.212/2010).

Entretanto, o caso em tela não se amolda às hipóteses de incidência do ICMS, vez que o produto dessa operação (ouro) é utilizado como ativo financeiro ou instrumento cambial e não como mercadoria ou produto industrializado. Nessas situações, o ouro passa a valer como se título fosse, sendo tributado exclusivamente pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), na primeira aquisição da instituição financeira.

Conforme a Constituição Federal (CF/1988), temos que para fins tributários o ouro pode ser dividido em 2 (dois) tipos, a saber:

a) "ouro mercadoria" ou;

b) "ouro ativo financeiro ou instrumento cambial".

É a classificação em um ou noutro tipo que ditará qual imposto incidirá na operação, ou seja, se o ICMS ou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Ensinou Sacha Calmon Navarro Coêlho (Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, pág. 240) que “o disposto no artigo 155, X, c, não traduz, como parece, regra de imunidade, mas de repartição de competências, com base na qualificação de um mesmo fato gerador de dois impostos pertencentes a pessoas políticas diversas. Predicamos ali lei complementar para o trato da matéria, com esforço no artigo 146, I e III, "a", da Constituição. [...] O ouro quando servir de instrumento cambial ou for utilizado para operações financeiras, sujeita-se ao IOF da União Federal. Se mercadoria, isto é, quando circular para fins industriais e comerciais, sujeita-se ao ICMS dos Estados."

Assim, o ouro como mercadoria é aquele em estado natural ou industrializado o qual está sujeito ao ICMS. Por outro lado, o "ouro ativo financeiro ou instrumento cambial" é aquele adquirido para especulação e/ou reserva, submetendo-se exclusivamente à incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) devido apenas na operação de origem, conforme dispõe o artigo 153, V, § 5º da CF/1988:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

[...]

§ 5º O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos:

I - trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem;

II - setenta por cento para o Município de origem.

Não poderia ser diferente o que dispõe a Lei nº 11.651/91 (CTE), em seu artigo 37, in verbis:

Art. 37. O imposto não incide sobre:

I - operações:

[...]

c) com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;

E ainda o artigo 79 do Decreto nº 4.852/97 (RCTE), in verbis:

Art. 79. O imposto não incide sobre (Lei nº 11.651/91, art. 37):

I - a operação:

[...]

c) com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;

[...]

§ 4º O ouro é considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial, desde a sua extração, inclusive, em qualquer estado de pureza, em bruto ou refinado, quando destinado ao mercado financeiro ou, à execução da política cambial do País, em operação realizada com interveniência de instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condição autorizada pelo Banco Central do Brasil (Lei Federal nº 7.766/89, art. 1º);

Resta evidente que a caracterização do ouro como ativo financeiro decorre da sua destinação ao mercado financeiro ou à execução da política cambial, conforme definido no artigo 1º da Lei Federal nº 7.766/1989:

Art. 1º O ouro em qualquer estado de pureza, em bruto ou refinado, quando destinado ao mercado financeiro ou à execução da política cambial do País, em operações realizadas com a interveniência de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, será desde a extração, inclusive, considerado ativo financeiro ou instrumento cambial.

§ 1º Enquadra-se na definição deste artigo:

I - o ouro envolvido em operações de tratamento, refino, transporte, depósito ou custódia, desde que formalizado compromisso de destiná-lo ao Banco Central do Brasil ou à instituição por ele autorizada.

II - as operações praticadas nas regiões de garimpo onde o ouro é extraído, desde que o ouro na saída do Município tenha o mesmo destino a que se refere o inciso I deste parágrafo.

§ 2º As negociações com o ouro, ativo financeiro, de que trata este artigo, efetuada nos pregões das bolsas de valores, de mercadorias, de futuros ou assemelhadas, ou no mercado de balcão com a interveniência de instituição financeira autorizada, serão consideradas operações financeiras.

Além disso, prescrevem os artigos 4º e 8º da Lei Federal nº 7.766/1989:

Art. 4º O ouro destinado ao mercado financeiro sujeita-se, desde sua extração inclusive, exclusivamente, à incidência do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários.

Parágrafo único. A alíquota desse imposto será de 1% (um por cento), assegurada a transferência do montante arrecadado, nos termos do artigo 153, § 5º, incisos I e II, da Constituição Federal.

[...]

Art. 8º O fato gerador do imposto é a primeira aquisição do ouro, ativo financeiro, efetuada por instituição autorizada, integrante do Sistema Financeiro Nacional.

Parágrafo único. Tratando-se de ouro físico oriundo do exterior, ingressado no País, o fato gerador é o seu desembaraço aduaneiro.

Desta forma, em conformidade com os termos da Lei nº Federal nº 7.766/1989, o ouro, depois de extraído nos garimpos pode ser convertido em ativo financeiro efetuando-se o pagamento do IOF no momento em que houver a sua primeira aquisição por instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN), autorizada pelo Banco Central do Brasil (Bacen) a praticar tais operações. O ouro circulará desde então como ativo financeiro, desde que comercializado no mercado financeiro, em operações realizadas com a interveniência de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condições autorizadas pelo Bacen.

III – CONCLUSÃO

Feitas as considerações acima, respondemos à Consulente que:

1- Não há incidência de ICMS na operação de prestação de serviços de extração e beneficiamento de resíduos de minério (ouro ativo financeiro), prestados pela (...), por encomenda titular da Lavra Garimpeira, (...), por não ser o produto considerado uma mercadoria, mas sim um ativo financeiro. Dessa forma, relativamente a estas operações, a encomendante do beneficiamento não se equipara a contribuinte do ICMS, mas sim como consumidora ou usuária final, ficando caracterizada a referida prestação de serviço tributável pelo ISSQN.

2- Neste caso não há que se falar em obrigação acessória de emissão de nota fiscal estadual, visto que a referida operação está fora da esfera de competência da legislação tributária estadual, ressaltando, inclusive, que o artigo 65 do Código Tributário Estadual (Lei n.º 11.651/91) veda a emissão e utilização de documento fiscal que não corresponda a uma efetiva operação.

É o parecer.

Gabinete do gerente da GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA do (a) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 30 dias do mês de abril de 2021.

Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 11/05/2021, às 18:57, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por JOAO LEONARDO CARVALHO RODRIGUES, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 11/05/2021, às 21:38, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.