Parecer ECONOMIA/GEOT nº 38 DE 29/02/2024
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 29 fev 2024
Consulta sobre possível exigência do ICMS desonerado no caso de descumprimento da norma que veda o fracionamento de nota fiscal na venda de veículo automotor novo com isenção do ICMS a pessoa portadora de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autista.
I – RELATÓRIO
(...), expõe para ao final consultar o seguinte:
“Considerando que a análise, concessão e homologação da isenção de ICMS na aquisição de veículos novos para PCDs é uma atribuição da GIPVA.
Considerando que a alínea "i" do Anexo IX, Art. 7º, XIV determina a apresentação dos documentos fiscais para esta Gerência após a compra.
Considerando a recente mudança no conjunto de regras do Anexo IX, Art. 7º, XIV promovida pelo DECRETO Nº 10.366, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2023, com vigência a partir de 01/01/2024.
o) a isenção de que trata este inciso alcança o veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), desde que esse preço não ultrapasse R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), incluídos os tributos incidentes, com a aplicação da isenção parcial do ICMS limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), vedado o fracionamento da nota fiscal. (grifo nosso)
Este Decreto alterou o limite de valor de compra do veículo e incluiu a vedação de fracionamento de nota fiscal, prática reiterada em algumas montadoras.
No entanto já recebemos dois processos 202300004095393 e 202300004101128, cujas notas foram emitidas na sistemática do ano anterior: uma nota normal/principal e uma ou mais notas complementares.
Como é o caso do faturamento realizado pela GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA para BENEDITO ALVES DE ALMEIDA conforme notas anexas:
ANEXO NFE 01 SCZ5A31 - Processo 202300004095393 (56649576) - Nota Normal com a isenção parcial do ICMS;
ANEXO NFE 02 SCZ5A31 - Processo 202300004095393 (56649558) - Nota Complementar Tributada pelo ICMS;
ANEXO NFE 03 SCZ5A31 - Processo 202300004095393 (56649578)- Nota Complementar Tributada pelo ICMS.
Ante o exposto indagamos a Gerência de Orientação Tributária o item abaixo para promover a correta aplicação da norma:
O ICMS desonerado deve ser ressarcido ao erário tendo em vista a transgressão da norma que veda o fracionamento da nota fiscal”?
II - FUNDAMENTAÇÃO
A consulta formulada (...) deve ser solucionada à vista do disposto no art. 7º, inciso XIV, alíneas “i”, item 1, e “o” do Anexo IX do Decreto nº 4.852/97 – RCTE, a seguir transcrito:
“Art. 7º São isentos de ICMS, observado o § 1º quanto ao término de vigência do benefício:
(...)
XIV - a saída de veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), destinado a pessoa portadora de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com a manutenção do crédito e observado o seguinte (Convênio ICMS nº 38, de 30 de março de 2012):
NOTA: Benefício concedido até 30.04.24.
(...)
i) o adquirente deve apresentar à repartição fiscal junto à qual foi reconhecida a isenção, nos prazos a seguir relacionados, contados da data da aquisição do veículo constante na nota fiscal: (Redação conferida pelo Decreto nº 7.817 - vigência: 01.01.13)
1. até o 15º (décimo quinto) dia útil, cópia autenticada da nota fiscal que documentou a aquisição do veículo;
(...)
o) a isenção de que trata este inciso alcança o veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), desde que esse preço não ultrapasse R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), incluídos os tributos incidentes, com a aplicação da isenção parcial do ICMS limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), vedado o fracionamento da nota fiscal”. (grifamos)
Depreende-se da leitura do dispositivo regulamentar retrotranscrito que a pessoa portadora de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autista pode adquirir veículo automotor novo com isenção do imposto estadual, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, condicionado a que o preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluído o ICMS e demais tributos incidentes, seja de no máximo R$ 70.000,00 (setenta mil reais), ou, caso supere este valor, se limite ao teto de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), incluídos todos os tributos, situação última em que a isenção do ICMS será parcial e limitada à parcela da operação no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Ao mesmo tempo em que concedeu a isenção do ICMS, nos termos do art. 7º, inciso XIV, do Anexo IX do RCTE, constata-se que o legislador estabeleceu uma obrigação acessória adicional ao final do dispositivo regulamentar, vedando o fracionamento da nota fiscal.
Com isso, a Gerência de IPVA indaga se o não atendimento dessa obrigação acessória implica na inaplicabilidade do benefício fiscal, com a consequente cobrança do ICMS desonerado.
Na interpretação da legislação tributária do Estado de Goiás é elementar a observação de que quando o legislador pretende conferir carácter condicional de cumprimento de obrigações tributárias como requisito para a fruição de benefícios fiscais, o faz expressamente, a exemplo dos seguintes dispositivos regulamentares:
ANEXO IX DO RCTE
Art. 1º (...)
§ 1º A utilização dos benefícios fiscais previstos neste anexo, cuja concessão tenha sido autorizada por lei estadual, fica condicionada a que o sujeito passivo: (Redação acrescida pelo Decreto nº 6.769 - vigência: 01.08.08)
I - esteja adimplente com o ICMS relativo à obrigação tributária cujo pagamento deva ocorrer no mês correspondente à referida utilização; (Redação acrescida pelo Decreto nº 6.769 - vigência: 01.08.08)
II - não possua crédito tributário inscrito em dívida ativa.
(...)
§ 3º A utilização dos benefícios fiscais contidos nos seguintes dispositivos deste Anexo é condicionada a que o contribuinte contribua para o Fundo de Proteção Social do Estado de Goiás - PROTEGE GOIÁS, no valor correspondente ao percentual aplicado sobre o montante da diferença entre o valor do imposto calculado com aplicação da tributação integral e o calculado com utilização de benefício fiscal (Lei nº 14.469/03, art. 9º, II e § 4º):
(...)
Art. 6º
(...)
LXXVIII - a saída interna, de produção própria do estabelecimento do produtor com destino à industrialização, de amendoim em grão, arroz, aveia, cacau, café em coco e em grão, cana-de-açúcar, canola, cogumelo comestível, cominho, gergelim, girassol, leite em estado natural, mamona, milho, sisal, soja e trigo, observado o seguinte
(...)
e) fica condicionada ao pagamento pelo destinatário da contribuição ao Fundo Estadual de Infraestrutura - FUNDEINFRA, instituído pela Lei nº 21.670, de 6 de dezembro de 2022, sobre as operações com cana-de-açúcar, milho e soja (Lei nº 13.453, de 16 de abril de 1999, art. 2º, § 5º
(...)
XCI - operação e prestação internas, relativas à aquisição de bem, mercadoria e serviço por órgãos da Administração Pública Estadual Direta e suas fundações e autarquias, ficando mantido o crédito, observado o seguinte (Convênio ICMS 26/03):
a) a aplicação da isenção do ICMS é condicionada à:
1. transferência do valor correspondente à isenção do ICMS ao adquirente mediante a redução do preço do bem, mercadoria e serviço, devendo a redução ser demonstrada no documento fiscal;
(...)
CVI - a saída de produto farmacêutico e de fralda geriátrica da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ - com destino à farmácia que faça parte do Programa Farmácia Popular do Brasil, instituído pela Lei nº 10.858, de 13 de abril de 2004, bem como, a saída interna promovida por aquela farmácia com destino a pessoa natural, consumidor final do produto farmacêutico e da fralda geriátrica, observado o seguinte: (Convênio ICMS 81/08):
a) a fruição do benefício é condicionada a que:
1. a entrega do produto ao consumidor final seja feita pelo valor do ressarcimento à FIOCRUZ, correspondente ao custo de produção ou aquisição, distribuição e dispensação;
Consoante se evidencia, é praxe o legislador goiano consignar expressamente as hipóteses em que o benefício fiscal se sujeita ao atendimento de determinadas condições, o que significa que o descumprimento da condição estabelelecida resulta na impossibilidade de fruição do benefício fiscal da isenção, redução da base de cálculo ou crédito outorgado, impondo, consequentemente, ao auditor-fiscal da receita estadual, o lançamento do crédito tributário com a exigência do imposto omitido bem como da penalidade respectiva.
No caso em apreço, denota-se que o legislador não condicionou a fruição do referido benefício fiscal ao atendimento da obrigação acessória concernente ao não fracionamento da nota fiscal, de modo que sua inobservância não resulta em óbice à desoneração do ICMS.
Inobstante, trata-se de uma obrigação tributária acessória, para a qual devemos nos atentar ao que dispõe o art. 113, §§ 2º e 3º da Lei nº 5.172/66 – CTN, que transcrevo abaixo para clareza da orientação:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.
Observa-se que a obrigação tributária, quanto ao seu objeto, classifica-se em “principal” (dar dinheiro) ou “acessória” (fazer ou não fazer o que a legislação impõe), segundo o explicitado nos parágrafos do art. 113 do CTN.
Cediço, outrossim, que o desatendimento da obrigação acessória sujeita o infrator a uma multa, cristalizando uma obrigação principal (dar dinheiro ao sujeito ativo), que é o que estamos tratando na presente situação.
Ou seja, o descumprimento da obrigação tributária acessória de não fracionar a nota fiscal, prevista no dispositivo da isenção sob análise, importa no dever de o Fisco impor uma penalidade pecuniária ao sujeito passivo obrigado ao seu cumprimento, não autorizando que a autoridade fiscal proceda ao lançamento do ICMS desonerado.
Em síntese, o contribuinte ou a pessoa favorecida com o benefício fiscal não perde o direito à fruição do mesmo quando o emitente da nota fiscal fraciona a nota fiscal. Entretanto, o contribuinte está sujeito à penalidade respectiva constante do art. 71 da Lei nº 11.651/91 – CTE pelo descumprimento da aludida obrigação acessória.
III – CONCLUSÃO
Posto isso, concluímos respondendo à Gerência do IPVA que o ICMS desonerado em decorrência da fruição do benefício fiscal da isenção previsto no art. 7º, inciso XIV, do Anexo IX do Decreto nº 4.852/97 – RCTE não deve ser ressarcido ao erário em virtude da transgressão da norma que veda o fracionamento da nota fiscal, estabelecida ao final da alínea “o” do referido dispositivo regulamentar, visto que tal obrigação tributária acessória não caracteriza uma condição imposta à fruição do benefício fiscal em tela.
Inobstante, o contribuinte está sujeito à imposição de penalidade pecuniária, prevista no art. 71 da Lei nº 11.651/91 – CTE, pelo descumprimento da aludida obrigação acessória.
É o parecer.
GOIANIA, 29 de fevereiro de 2024.
DAVID FERNANDES DE CARVALHO
Auditor-Fiscal da Receita Estadual