Parecer GEOT nº 33 DE 10/03/2020

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 10 mar 2020

Incidência do ICMS sobre demanda contratada de potência elétrica e acréscimo de bandeira tarifária.

I – RELATÓRIO:

A União, por intermédio do Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Estado de Goiás, com endereço na Avenida Olinda, Conjunto G e H, Lote 02, Setor Park Lozandes, Município de Goiânia - GO, inscrita no CNPJ sob o nº 26.989.715/0014-27, informa que é consumidora de energia elétrica e de demanda de potência em suas unidades administrativas (Goiânia, Anápolis, Rio Verde e Luziânia) e solicita esclarecimentos sobre a cobrança do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada de energia elétrica e bandeiras tarifárias.

Expõe que a Súmula 391/STJ definiu que o ICMS incide sobre o valor da tarifa de demanda efetivamente utilizada e que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, nos seus julgados, vem afastando a incidência do ICMS sobre este encargo.

Relata que a Resolução Normativa ANEEL nº 547/2013 estabeleceu ao consumidor de energia elétrica a aplicação do sistema de bandeiras tarifárias e transcreve excertos da Resolução ANEEL nº 414/2010 em que esclarece os conceitos de termos afeitos ao tema.

Por fim, questiona:

1. A base de cálculo do ICMS é calculada sobre a demanda contratada ou sobre a demanda efetivamente consumida? Quais são os normativos que regulam a matéria, no âmbito do Estado?

2. O acréscimo referente à aplicação de bandeiras tarifárias integra a base de cálculo do ICMS? Em caso positivo, qual é o fundamento legal?

II – DA FUNDAMENTAÇÃO:

Para responder às questões apresentadas, é necessário, primeiramente, esclarecer sobre os conceitos dos termos utilizados relativos à energia elétrica, pois, observa-se que, apesar desse assunto ter sido objeto de diversos processos administrativos e judiciais, os significados de conceitos técnicos dessa área ainda parecem não terem sido suficientemente esclarecidos, gerando interpretações divergentes nas diversas esferas em que foram discutidos.

Os termos consumo de energia elétrica e demanda de potência elétrica representam grandezas distintas, medidas em unidades distintas, e que não podem, em momento algum, serem confundidas ou comparadas entre si.

O consumo de energia elétrica é a quantidade de energia absorvida por uma instalação. É obtido pela potência do equipamento multiplicada pelo tempo de funcionamento do mesmo, e pode ser medido por quilowatt-hora (kWh).

Já a demanda de potência elétrica representa a quantidade de energia elétrica transformada em trabalho, medida em quilowatt (kW). É a média das potências elétricas solicitadas ao sistema elétrico durante um determinado intervalo de tempo. Quando se contrata uma demanda, na verdade se está pactuando com a concessionária a garantia que seu sistema elétrico vai fornecer a quantidade de energia elétrica contratada, mesmo que por um pequeno intervalo de tempo.

Em um estudo sobre demanda de potência, disponível  em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8879 , FONSECA, C. A. S. et al. utilizam a seguinte situação hipotética para facilitar a percepção desses termos:

“Uma casa de praia (Casa 1) tem apenas uma lâmpada de 100 Watts, ou seja, de 0,1 kW, ligada 24 horas por dia, ininterruptamente. A casa vizinha (casa 2) tem apenas um chuveiro elétrico de 4,8 kW que é ligado por apenas trinta minutos, a cada dia.

No final de um mês, os medidores de energia de cada casa terão registrado exatamente o mesmo consumo, ou seja, 72 kWh, mas não a mesma demanda. Se as casas fossem dotadas de medidores de demanda, a primeira casa teria registrado a demanda de 0,1kW no mês, enquanto que a casa vizinha teria registrado a demanda de 4,8 kW.

Casa 1: Lâmpada de 0,1 kW (100 Watts) x 24 horas = 2,4 kWh

             Consumo mensal: 30 x 2,4 kWh = 72 kWh

             Demanda = 0,1 kW

Casa 2: Chuveiro de 4,8 kW x 1/2 h (30 minutos) = 2,4 kWh

             Consumo mensal: 30 x 2,4 kWh = 72 kWh

             Demanda = 4,8 kW

Os sistemas elétricos são dimensionados pela demanda e não pelo consumo de energia. A espessura do cabo elétrico da rede da concessionária que atende às duas casas, neste caso hipotético, deveria ser calculada para suportar 4,9 kW, que é o resultado da soma de 0,1 kW (primeira casa) com 4,8 kW (casa vizinha). Pode-se observar que a segunda casa exige da concessionária um dimensionamento maior de rede (cabos de maior diâmetro). Isto decorre da forma irregular (concentrada, abrupta e com picos) com que ela consome energia. O chuveiro é ligado por apenas 30 minutos. Durante todo o resto do dia o consumo é zero. É justo que as duas casas paguem o mesmo preço pela energia consumida?”

As regras gerais de fornecimento de energia elétrica a consumidores de grande e pequeno porte estão estabelecidas na Resolução nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. São definidas ali duas formas de tarifação: a monômia que mede apenas o consumo de energia e a binômia que abrange consumo e demanda.

Para os pequenos consumidores, como os residenciais e pequenos comércios (Grupo B), a demanda de potência é reduzida, de sorte que não há necessidade de contratação à parte de uma infra-estrutura de transmissão especial. É medido somente o consumo de energia e o custo da transmissão vem diluído no preço da energia elétrica, dando lugar à chamada tarifa monômia de energia elétrica (composta de uma só parcela).

Na cobrança da tarifa monômia de energia já estão embutidos os custos com a demanda e sobre eles também é cobrado o ICMS, conforme publicação da ANEEL (Cadernos temáticos, 4, p. 14: ANEEL, 2005): "As tarifas do "grupo B" são estabelecidas somente para o componente de consumo de energia, em reais por megawatt-hora, considerando que o custo da demanda de potência está incorporado ao custo do fornecimento de energia em megawatt-hora."

Já para a tarifa binômia, obrigatória para todos os consumidores de grande porte (aqueles ligados em alta tensão – Grupo A), a exemplo das grandes indústrias, é realizada também a medida de demanda. A medição da demanda permite identificar o grau de irregularidade com que a energia é consumida (picos de consumo), o que torna a tarifa binômia mais justa, imputando àquele que exige um maior dimensionamento do sistema elétrico, um preço maior pela energia, pois, quanto maior a necessidade, maior é o investimento realizado no sistema.

No fornecimento de energia aos grandes consumidores (Grupo A), a tarifa binômia contempla dois componentes: o custo com o consumo (em megawatt/hora) e o custo com a demanda (em quilowatt). Por determinação da ANEEL, esses consumidores são obrigados a firmar contratos de fornecimento com as concessionárias, no qual deve estar estabelecida a demanda necessária ao consumidor. Com essas informações, a concessionária pode dimensionar o sistema elétrico, de forma a atender às necessidades daquele consumidor. Nesses casos, a tarifa deve conter, separadamente, os componentes referentes ao consumo de energia e à demanda de potência.

A Resolução ANEEL nº 414/2010, estabelece o conceito de demanda de potência contratada e determina que esta deve ser integralmente paga, independente de sua utilização no período:

Resolução ANEEL nº 414/2010:

Art. 2º Para os fins e efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

...

XXI – demanda contratada: demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela distribuidora, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados em contrato, e que deve ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW);

...

Art. 104. O faturamento de unidade consumidora do grupo A, observadas as respectivas modalidades, deve ser realizado observando-se o disposto neste artigo, exceto nos casos de opção de faturamento de que trata o art. 100.

§1º Para a demanda faturável um único valor, correspondente ao maior valor dentre os definidos a seguir:

a) demanda contratada ou demanda medida, exceto para unidade consumidora da classe rural ou reconhecida como sazonal;

b) demanda medida no ciclo de faturamento ou 10% (dez por cento) da maior demanda medida em qualquer dos 11 (onze) ciclos de faturamento anteriores, no caso de unidade consumidora da classe rural ou reconhecida como sazonal.

Nos contratos de demanda de potência, a concessionária fica continuamente obrigada a disponibilizar demanda no ponto de entrega (sistema elétrico do consumidor). O consumidor por sua vez fica obrigado a pagar pela demanda disponibilizada, mesmo que não a utilize. E ainda, caso a demanda medida seja maior do que a contratada (demanda de ultrapassagem), será cobrado pela demanda utilizada (demanda faturável), conforme definido no artigo 104 da citada Resolução nº 414/2010 – ANEEL.

O artigo 155, inciso I, “b” da Constituição Federal estatui que o ICMS incidirá “sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. Ainda em seu inciso XII, define que caberá à Lei Complementar fixar a base de cálculo para fins de cobrança do ICMS sobre mercadorias e serviços.

Por sua vez, a Lei Complementar 87/96 estabelece que a base de cálculo do ICMS nas operações relativas à circulação de mercadoria em geral, inclusive da energia elétrica, é constituída do valor da mercadoria adicionado de demais valores imputados aos adquirentes (art. 13) e, especificamente à energia elétrica, o art. 9º consigna que o ICMS devido nas operações com energia elétrica deve ser calculado sobre o preço praticado na operação final. Tais dispositivos foram incorporados pela legislação tributária estadual, nos artigos 52 da Lei nº 11.651/91 (CTE) e artigo 30 do Anexo VIII do Decreto nº 4.852/97 (RCTE):

Lei Complementar 87/96:

Art. 9º. ...

§ 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída:

...

II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.

...

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;

...

§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:

...

II - o valor correspondente a:

a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;

Lei nº 11.651/91 (CTE):

Art. 52. A empresa distribuidora de energia elétrica fica nomeada substituta tributária relativamente à obrigação de pagar o imposto devido nas operações anteriores e subseqüentes, desde a produção ou importação até o consumo.

§ 1º O imposto a que se refere o caput deste artigo será pago na ocasião da saída do produto do estabelecimento da distribuidora e calculado sobre o preço então praticado na operação final.

...

Decreto nº 4.852/97 (RCTE), Anexo VIII:

Art. 30. É substituta tributária, assumindo a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido na operação anterior e subseqüente, desde a produção ou importação até o consumo, a empresa distribuidora de energia elétrica (Lei nº 11.651/91, art. 52).

§ 1º O imposto a que se refere o caput deste artigo deve ser pago na ocasião do fornecimento de energia elétrica e calculado sobre o preço então praticado na operação final.

...

Assim, resta claro que o custo da demanda de potência contratada se incluiria no valor da operação de fornecimento da energia (e consequentemente, na base de cálculo do ICMS), visto que este não se faz sem recurso aos equipamentos por aquela custeados. Não há como dissociar a demanda da própria energia. Não se contrata uma sem a outra.

Isto se casa à perfeição com as disposições da Lei Complementar 87/96, relativas à inclusão na base de cálculo do ICMS (valor da operação), de todas as demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas. No fornecimento de energia elétrica, o "valor da operação" deve corresponder ao valor da nota fiscal/fatura cobrado pela concessionária, não se limitando, então, ao valor da quantidade de energia elétrica consumida, um dos componentes da tarifa de energia. Deve incluir também o valor integral do outro componente, a demanda contratada, pois, se assim não fosse, a base de cálculo do imposto não traduziria o valor real da operação. A inclusão do valor desse componente tarifário na base de cálculo do ICMS deve-se dar, então, na exata medida com que, como parcela do preço, concorre para a determinação do valor da fatura de energia elétrica.

Da mesma forma, os acréscimos relativos às bandeiras tarifárias (que constituem, na verdade, um ajuste no preço da energia devido à elevação do custo de geração), incidentes nas faturas dos consumidores cativos das concessionárias de energia elétrica, também integram a base de cálculo do ICMS, posto que fazem parte do preço praticado na operação final.

Com relação a esse assunto e às disposições contidas na Súmula 391 do STJ citada pela consulente, essa Gerência já se manifestou, por meio do Parecer nº 184/2018 – GEOT, nos seguintes termos: “a demanda de potência representa uma parcela obrigatória nos contratos de fornecimento de energia elétrica aos consumidores de grande porte e seus custos compõem o preço final dessa mercadoria. Paga-se por sua disponibilização, mesmo que não utilizada em sua totalidade. A legislação tributária estadual ainda não consolidou as disposições da súmula nº 391/2009 do Superior Tribunal de Justiça – STJ.”

O mesmo Parecer nº 184/2018 – GEOT, transcreve ainda o seguinte excerto do Parecer nº 158/2017-GEOT:

“No mérito, as empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, responsáveis pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, devem calcular o ICMS incidente na operação com energia elétrica sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação. Logo, a Taxa de Uso de Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST), a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD), encargos setoriais, reserva de demanda contratada não consumida, bandeira tarifária e encargos financeiros devem continuar compondo a base de cálculo do ICMS da energia elétrica consumida pelo consumidor livre ou cativo.”

III – CONCLUSÃO:

Diante de todo o exposto, respondemos aos questionamentos da consulente, informando que:

1.  A base de cálculo do ICMS na venda de energia elétrica é o preço da compra pelo consumidor, já que esse é o valor consignado na fatura emitida pela concessionária, agregando todos os custos desde a geração até a entrega da mercadoria ao usuário final. Assim, o valor pago pela demanda contratada de potência e os acréscimos referentes às bandeiras tarifárias fazem parte do preço cobrado pela concessionária e integram a base de cálculo do ICMS. No âmbito estadual, está normatizado no artigo 52 da Lei nº 11.651/91 – CTE e artigos 30 do Anexo VIII do Decreto nº 4.852/97 – RCTE, em correspondência à Lei Complementar 87/96.

2.  Respondida no item anterior.

É o parecer.

GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA do (a) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 10 dias do mês de março de 2020.

Documento assinado eletronicamente por FERNANDA GRANER SCHUWARTZ TANNUS FERNANDES, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 10/03/2020, às 14:52, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por ELIZABETH DA SILVA FERNANDES FARIAS, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 12/03/2020, às 10:22, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.