Parecer CJ nº 2.955 de 17/01/2003

Norma Federal - Publicado no DO em 22 jan 2003

Referência: Consulta do Serviço de Análise e Recursos do INSS da Gerência Executiva de Fortaleza.

Assunto: Instituição de Regime Próprio de Previdência pelos Municípios.

Ementa: O direito a regime próprio de previdência social para os servidores municipais não comissionados é de índole constitucional. São auto-aplicáveis os dispositivos da Lei Orgânica do Município que instituir regime próprio de previdência para seus servidores, quando já traçado o perfil de seu plano de benefícios. Previsão de aposentadorias e pensões como requisito mínimo à época para existência do regime próprio de Previdência do Município.

Trata-se de consulta formulada pelo Serviço de Análise de Defesas e Recursos do INSS - Gerência Executiva de Fortaleza - CE, a respeito de instituição de regime próprio de previdência social para servidores dos Municípios.

2. Afirma encontrar-se o órgão local em estado de dúvidas a respeito de qual o regime é aplicado aos servidores municipais, se o regime geral ou o regime próprio de previdência.

3. A dúvida adquire aspectos mais profundos quando o Município edita uma nova legislação visando à adequação do regime aos preceitos da Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998.

4. Entende a fiscalização do INSS que somente com a edição de lei ordinária é que se institui o sistema próprio de previdência dos entes municipais, sendo devidas as contribuições para o Regime Geral de Previdência Social quanto ao período pretérito.

5. Tal entendimento dialeticamente provoca a imediata reação do Município, que reclama a transferência para o INSS do ônus pelos benefícios já concedidos com base em sua Lei Orgânica.

Esta é a questão a ser dirimida.

6. O arcabouço do ordenamento jurídico nacional consta da Carta Política de 1988. Todas as demais normas sobrevivem da seiva constitucional e sem ela morrem fulminadas do mal da inconstitucionalidade.

7. Mas a Constituição não é somente um panorama de idéias ou de programas a serem desenvolvidos pelo Estado. Ao contrário, dentro dela encontramos as cognominadas normas auto-aplicáveis.

8. As normas que organizam do Estado brasileiro, que discriminam as funções precípuas dos três Poderes, que instituem, por exemplo, os direitos e garantias individuais, valem de pronto, desde o primeiro dia da Constituição.

9. Se a lei ordinária ampliar os direitos individuais, ou regulamentar alguma atribuição já prevista na Constituição, esta lei apenas está a confirmar a norma Supra-legal.

10. Note-se que esta nunca deixa de existir ou de manter seu grau de norma predominante.

11. Apenas por uma razão de evitar o cunho próxilo do texto constitucional, já tão farpeado por esse achaque, é que as minúcias e os amiúdes cabem à legislação complementar (ou seja: lei ordinária, lei complementar, lei delegada).

12. Nos casos em que a constituição do Município já estipula claramente um regime próprio de previdência para seus servidores titulares de cargo efetivo, estáveis e não efetivos e não estáveis e não efetivos, a norma constante de sua Lei Orgânica é de caráter auto-aplicável, sendo despicienda edição de legislação infraconstitucional para a validade desse sistema.

13. E como para configuração de regime próprio de previdência é bastante à época a previsão de aposentadoria e pensão por morte, não há óbice jurídico algum que inviabilize esta assertiva.

14. Se tais parâmetros mínimos já estavam cabalmente traçados, independe que seja o regime próprio instituído pela Lei Orgânica do Município ou por uma lei que lhe seja inferior. E é ressabido que havendo um plano básico de benefícios, assegurador de aposentadoria e pensão, criado estava o regime, e, por conseguinte, afastada a incidência do RGPS.

15. Dessarte, na esteira da tradição regulamentar (Decreto nº 83.081, de 24 de janeiro de 1979, alterado pelo Decreto nº 90.817, de 17 de janeiro de 1985), o Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, definiu o que seja regime próprio de previdência:

"Art. 10 (...)

§ 3º Entende-se por regime próprio de previdência social o que assegura pelo menos as aposentadorias e pensões por morte previstas no art. 40 da Constituição Federal."

16. A míngua de fundo de custeio não poderia impedir a criação do regime previdenciário.

17. A adoção de mecanismos de financiamento e controle, à época, estava a cargo do Município, que tinha autonomia política para responder pelas suas omissões. E, pelo menos antes da Emenda nº 20 e da Lei Complementar nº 101, não poderia a União se imiscuir na questão da ausência de fundo para custeio do sistema municipal, até porque a Lei nº 9.717, de 1998, limitou-se a facultar a sua implantação pelos diversos entes federativos.

18. Ora, ocorrendo a superveniência de regime próprio, os servidores públicos municipais não ocupantes de cargo em comissão ficam de plano excluídos do Regime Geral de Previdência Social. É o que nos informa peremptoriamente o art. 12 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991:

"Art. 12. O Servidor Civil e Militar da União, dos Estados ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, é excluído do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta Lei, desde que esteja sujeito a sistema próprio de previdência social."

19. Da mesma forma e na mesma letra, o art. 13 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991:

"Art. 13. O Servidor Civil e Militar da União, dos Estados ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, é excluído do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta lei, desde que esteja sujeito a sistema próprio de previdência social."

20. Embora olhos desavisados não percebam, tal sistemática é fruto do preceito constitucional contido no art. 40 da Constituição de 1988, agora transcrito:

"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

21. Não é apenas um dever do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios, assegurarem a criação do Regime de Previdência de seus servidores, com a responsabilidade que o caráter contributivo e o controle do equilíbrio financeiro e atuarial lhe proporcionam. Como se disse, não é apenas um dever, é um direito do servidor.

22. Tão-somente na inércia do Município, é que surge a figura do Regime Geral de Previdência Social para salvaguardar o servidor municipal desamparado ou mesmo o apenas ocupante de cargo em comissão.

23. Aqui se chega ao ponto fulcral da questão trazida pela consulente. Instituído o regime próprio de previdência do Município, não se há falar em contribuição devida ao RGPS. Nem sequer a transferência de quaisquer benefícios concedidos para o INSS.

24. Não compete ao INSS questionar se o regime municipal de previdência deveria ser instituído por lei ordinária específica ou não. Estas são questões internas da autonomia do ente político local.

25. É que a instituição do regime poderia, exempli gratia, ter nascido dentro de outra lei, como o estatuto dos servidores municipais (assim aconteceu com os servidores federais, cujas normas de previdência estiveram durante algum tempo no bojo da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990).

26. Se o legislador municipal criou o regime próprio de previdência através da sua constituição; se na mesma Lei Orgânica, que é a lei maior da municipalidade, foi gizado o perfil do sistema previdenciário do servidor não comissionado; se tal sistema não vai de encontro às normas da Constituição da República de 1988; não pode o INSS alegar a necessidade de uma lei ordinária para o que já foi estatuído por uma lei orgânica que lhe é superior.

Ante o exposto, entende esta Consultoria Jurídica que a instituição do regime próprio de Previdência Social dos servidores públicos municipais, titulares de cargos efetivos, efetivos mas não estáveis, não efetivos e não estáveis, pode constar da Lei Orgânica do Município ou de qualquer lei municipal, e exclui a abrangência do Regime Geral de Previdência Social desde que contenha no seu plano de benefícios o direito à aposentadoria e pensão por morte.

À Consideração da Consultora Jurídica Substituta.

FABIO LUCAS DE ALBUQUERQUE LIMA

Chefe da 2ª Coordenação de Consultoria Jurídica

Aprovo.

À consideração do Senhor Ministro, para fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

INDIRA ERNESTO SILVA QUARESMA

Consultora Jurídica

Substituta