Parecer GEOT nº 29 DE 31/03/2021

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 31 mar 2021

Consulta sobre a necessidade de registro em cartório de contrato de compra e venda de mercadorias como procedimento apto a permitir a utilização do valor da operação nele consignado em substituição ao constante na pauta de valores.

I - RELATÓRIO

Nestes autos, a Superintendência de Controle e Fiscalização solicita manifestação da Superintendência de Políticas Tributárias sobre dúvida quanto à verificação da verdade material do valor da operação declarado pelo contribuinte do ICMS em contrato de venda de mercadorias, quando este seja notoriamente inferior ao praticado no mercado (pauta fiscal).

Aduz que, da análise aos Pareceres nºs 300/2016-GTRE e 115/2016-GTRE, verificou que todos orientam, de certa forma, que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, podendo o Fisco, guiando-se pelas disposições dos artigos 17 e 18 do RCTE, utilizar como base de cálculo do imposto o valor da mercadoria constante da pauta fiscal, quando o contribuinte não declarar o valor da operação ou o fizer de forma notoriamente inferior ao valor de mercado, ou ainda, não merecer fé o instrumento utilizado para comprovar o valor declarado.

Obtempera que o Sistema de Emissão de Nota Fiscal Avulsa - NFA da Secretaria de Estado da Economia - permite a alteração do valor da operação, diferente do valor de pauta, desde que o valor seja inferior a no máximo 20% (vinte por cento) do preço de pauta, e caso o valor da operação seja inferior a este limite, o contribuinte deve procurar a Repartição Fiscal de sua circunscrição para a emissão da NFA portando documento que comprove o valor efetivo da operação.

Explica que, da análise dos Pareceres nºs 149/2005-GOT e 212/2004-GOT, conclui-se que o servidor emissor do documento fiscal, no momento da análise do instrumento de declaração (contrato) do valor da operação apresentado pelo contribuinte, quando notoriamente inferior ao preço de pauta, independentemente de suas formalidades legais, deve buscar a verdade material para considerar o valor real da operação.

Tendo em vista o disposto no artigo 221 do Código Civil, que estabelece regra sobre a eficácia dos instrumentos particulares perante terceiros, indaga se o contrato de compra e venda de mercadorias estipulado entre as partes e apresentado na repartição fazendária como instrumento declaratório do valor da operação praticada pelo contribuinte do ICMS, para que mereça fé perante a Fazenda Pública Estadual, deve estar necessariamente registrado no registro público (cartório).

II - FUNDAMENTAÇÃO

Cuida-se de pedido de manifestação endereçado a esta Gerência de Orientação Tributária, vinculada à Superintendência de Políticas Tributárias, formulado pela Superintendência de Controle e Fiscalização, solicitando manifestação quanto à necessidade de registro em cartório de contrato de compra e venda de mercadorias como procedimento apto a permitir a utilização do valor da operação nele consignado em substituição ao constante na pauta de valores.

Conforme bem enfatizado na peça de consulta, os artigos 9º, 17 e 18 do Decreto nº 4.852/97 (RCTE), a disciplinarem as regras atinentes à base de cálculo do ICMS, assim preceituam:

Art. 9º A base de cálculo do imposto é (Lei nº 11.651/91, art. 15):

I - na operação relativa à circulação de mercadoria, o valor da operação;

II - na prestação de serviço de transporte ou de comunicação, o valor da prestação.

Parágrafo único. Em se tratando de devolução de mercadoria, utiliza-se a base de cálculo adotada no documento fiscal que houver acobertado a operação anterior de remessa.

[...]

Art. 17. A base de cálculo do imposto deve ser arbitrada pela autoridade fiscal, podendo o sujeito passivo contraditá-la no correspondente processo administrativo tributário, sempre que, alternativa ou cumulativamente (Lei nº 11.651/91, art. 25):

I - o valor ou preço da mercadoria, bem, serviço ou direito:

a) seja omisso;

b) declarado pelo sujeito passivo seja notoriamente inferior ao praticado no mercado considerado;

II - não mereçam fé a declaração, esclarecimento prestado ou o documento expedido pelo sujeito passivo ou terceiro legalmente obrigado.

[...]

Art. 18. Mediante pesquisa periódica de preços, a Secretaria da Fazenda pode elaborar pauta de valores, informando o preço corrente da mercadoria ou do serviço, para fixação da base de cálculo.

Nos termos dos preceitos normativos supratranscritos, dúvidas não há de que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação ou prestação (RCTE, art. 9º, I e II) que, a princípio, é o preço declarado pelo contribuinte.

É certo, contudo, que no exercício do poder de fiscalização o Fisco pode confrontar, para fins de investigação, o preço declarado pelo contribuinte com o constante da pauta de valores elaborada pela Secretaria da Economia, devendo prevalecer aquele que representar a verdade material dos fatos, ou seja, que corresponder ao valor real da operação ou prestação praticada.

Com efeito, excetuadas raras situações (a exemplo das listadas nos artigos 6º, §1º e 27 do Anexo VIII do RCTE), não há nenhum comando na legislação tributária estadual que conduz à conclusão de que o Fisco pode, pura e simplesmente, desconsiderar o preço declarado pelo contribuinte, o qual, aliás, até prova em contrário, corresponde ao valor da operação (art. 15, I, do CTE).

Não há, pois, como poderia transparecer, nenhuma presunção em desfavor da declaração prestada pelo contribuinte, frisando que a desconsideração do valor declarado deve se operar mediante a apresentação da prova da sua falsidade (pelo confronto do contrato com o respectivo ‘pedido de compra’ ou outro documento que decline os preços e as condições do negócio realizado) ou quando ‘notoriamente inferior ao praticado no mercado considerado’ (art. 25, I, ‘b’, do CTE).

Cumpre destacar que a expressão ‘notoriamente’ exprime a manifestação de uma situação de absoluto conhecimento público, de indiscutível e indisfarçável sabença entre as pessoas em geral, de modo que sua infirmação contraria o senso comum. A propósito, a regra insculpida no art. 374, inc. I, do Código de Processo Civil, orienta que “não dependem de prova os fatos notórios”.

Ora, a referência legislativa à expressão ‘notoriamente’, no sentido de algo facilmente notável, é um indicativo inquestionável de que, nas demais situações, exige-se a prova objetiva do subfaturamento. Sublinhe-se, contudo, que a notoriedade fica evidenciada de plano quando o valor declarado vier a ser claramente irrisório em face daquele usualmente praticado no mercado.

A simples presunção de que o contribuinte praticou preços muito inferiores à pauta de valores, a priori, não constitui razão bastante para o arbitramento, nem para a desconsideração do contrato, configurando mero elemento indiciário que exige a implementação de medidas investigativas adicionais visando caracterizar a infração tributária, devendo ser sopesado, outrossim, que a par das possíveis diferenças de preços atinentes às condições peculiares de cada produto, há ainda que se analisar, sobretudo, o fator temporal, a qualidade e a oferta.

Repise-se que o subfaturamento deve ser demonstrado por meio de provas específicas que evidenciem que o valor discriminado na nota fiscal ou no contrato de compra e venda não representa o valor real da operação ou da prestação praticada, porque não é admissível no direito tributário a exigência de imposto com espeque em suposições, posto que o tributo somente incide quando restar comprovada de forma insofismável a ocorrência do fato gerador, em todos os seus aspectos, especialmente o aspecto quantitativo pertinente à base de cálculo.

Portanto, resta claro que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação ou prestação (art. 15, I, do CTE e art. 9º, I e II, do RCTE), cumprindo enfatizar, todavia, que o referido aspecto quantitativo do fato gerador pode ser arbitrado pela autoridade fiscal quando o valor ou preço das mercadorias, bens, serviços ou direitos declarados pelo sujeito passivo forem notoriamente inferiores ao praticado no mercado considerado ou quando comprovada materialmente a irregularidade concernente ao subfaturamento (mediante cotejamento de recibos de pagamentos, pedidos, faturas, e análise de outros fatores como peculiaridades de cada produto, aspecto temporal, qualidade, oferta, etc.).

Nesse contexto, infere-se que a legislação tributária estadual não exige o registro público do contrato de compra e venda de mercadorias como procedimento imprescindível para que o valor ou o preço nele consignado prevaleça a título de valor da operação ou prestação e, consequentemente, base de cálculo do ICMS, e não se pode olvidar que o registro em cartório, por si só, não confere ao contrato presunção absoluta de veracidade das informações nele assinaladas, tampouco a ausência de registro retira-lhe a presunção de veracidade de que o preço nele declarado se refere efetivamente ao valor da operação, cabendo ao Fisco, em cada caso concreto, se incumbir da produção dos elementos de prova, contemporâneos à época da celebração do negócio, conducentes à comprovação da ocorrência de subfaturamento.

III – CONCLUSÃO

Com amparo nos preceitos da legislação tributária acima expendidos e à vista do exposto, conclui-se que o contrato de compra e venda de mercadorias entabulado entre as partes e apresentado na repartição fazendária como instrumento declaratório do valor da operação praticada pelo contribuinte do ICMS para que mereça fé perante a Fazenda Pública Estadual não necessita de registro em cartório, cabendo ao Fisco a produção dos elementos de prova, contemporâneos à época da celebração do negócio, com vistas a demonstrar que o preço nele declarado não corresponde ao valor real da operação ou prestação praticada.

É o parecer.

GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA, aos 31 dias do mês de março de 2021.

Documento assinado eletronicamente por ELIZABETH DA SILVA FERNANDES FARIAS, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 31/03/2021, às 17:06, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Auditor(a) Fiscal da Receita Estadual, em 31/03/2021, às 20:19, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.