Parecer ECONOMIA/GEOT nº 248 DE 09/11/2023

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 09 nov 2023

Consulta se o estorno de créditos do ICMS alcança o benefício fiscal de crédito outorgado e também a entrada de bens para o ativo imobilizado e de materiais para uso e consumo do estabelecimento.

I – RELATÓRIO

(...) formula consulta sobre o seguinte tema: Metodologia de Estorno de Crédito do ICMS. Relata que:

- Considerando que o conceito jurídico do ICMS e Benefícios Fiscais são diferentes, sendo o primeiro conceito fiscal e o segundo econômico, pede entendimento dessa Secretaria, do embasamento legal do regulamento que orienta o estorno de crédito, se os benefícios fiscais devem compor a base de estorno de crédito das saídas beneficiadas. Aqui salientamos o Benefício Fiscal do Crédito Outorgado sobre o processamento de produtos agrícolas como soja, milho e girassol;

- Questiona, na sequência entendimento, se as entradas alcançadas para a base de cálculo do estorno de crédito, seriam exclusivamente das entradas dos insumos utilizados na industrialização dos produtos resultantes, embalagens, produtos intermediários, serviços, energia elétrica e comunicação.

- Aduz que, considerando o inteiro teor atribuído ao parágrafo único do art. 2º do Anexo lX do RCTE/GO, com suporte na Iiteralidade prevista no art. 111 do CTN (Código Tributário Nacional), pode levar à equivocada conclusão de que, inexistindo tal benefício (manutenção do crédito), o estorno deve alcançar todos os créditos apropriados, com as exceções Iá dispostas (ativo imobilizado e material de uso e consumo). Explica que, pelo citado comando legal, se a manutenção do crédito permite a apropriação de todos os créditos, na falta desse benefício o estorno a ser efetuado também alcançará todos os créditos apropriados pelo contribuinte.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na peça de consulta são formuladas duas indagações, quais sejam: primeira, se o estorno de créditos alcança, além das entradas de mercadorias e aquisições de serviços, o crédito outorgado, no caso cita-se o crédito outorgado para processamento de produtos agrícolas como soja, milho e girassol e; segunda, se o estorno de créditos alcança somente a entrada dos insumos utilizados na industrialização dos produtos resultantes, isto é, embalagens, produtos intermediários, serviços, energia elétrica e comunicação, deixando de fora as exceções feitas no parágrafo único do art. 2º do Anexo IX do RCTE, ou seja, os créditos do ativo imobilizado e os materiais de uso e consumo.

Quanto ao primeiro questionamento, chamamos a atenção para o fato de que o estorno de créditos se associa diretamente ao direito ao crédito, visando garantir a observância do princípio da não-cumulatividade, o qual se encontra lapidarmente contemplado nos arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 87/96, a seguir transcritos. Vejam-se:

Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

Conforme se evidencia, o direito ao crédito reporta-se à entrada de mercadoria, inclusive a destinada ao uso ou consumo ou ativo permanente do estabelecimento, bem como à energia elétrica consumida, que é considerada mercadoria pela legislação tributária, ao recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e ao recebimento do serviço de comunicação.

Pois bem, esse crédito é denominado “crédito escritural”. O estorno é feito em relação ao crédito escritural, ou seja, em relação ao crédito decorrente das entradas e recebimentos de mercadorias e serviços tributados pelo imposto.

Tem-se, portanto, que crédito outorgado não decorre do sistema da não-cumulatividade, previsto constitucionalmente e disciplinado pela lei complementar e legislação estadual. Como se sabe, crédito outorgado se constitui em benefício fiscal, que é o subsídio concedido pelo Estado, na forma de renúncia de receita tributária, tratado com maestria no Decreto nº 4.852/97 – RCTE, nos dispositivos a seguir transcritos. Ei-los:

Art. 81. Benefício fiscal é o subsídio concedido pelo Estado, na forma de renúncia total ou parcial de sua receita decorrente do imposto, relacionado com incentivo em futuras operações ou prestações nas atividades por ele estimuladas (Lei nº 11.651/91, art. 39);

Art. 82. Os benefícios fiscais, com base no ICMS, são exclusivamente os previstos neste Capítulo e são concedidos ou revogados mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição da República (Lei nº 11.651/91, art. 40);

Art. 83. São benefícios fiscais (Lei nº 11.651/91, art. 41):

I - a isenção;

II - a redução da base de cálculo;

III - o crédito outorgado;

IV - a manutenção de crédito;

V - a devolução total ou parcial do imposto.

Resta claro que o crédito escritural, sujeito a estorno, não se identifica com benefício fiscal, no caso o crédito outorgado, qualquer que seja a sua especificidade, que não se sujeita a estorno.

No que concerne aos créditos escriturais, cumpre ressaltar que a energia elétrica confere crédito quando adquirida por estabelecimento com CNAE principal de indústria, e que o serviço de comunicação confere crédito especialmente quando, considerando que a consulente é representante de contribuintes industriais, houver operação de saída ou prestação com destino ao exterior, na proporção desta sobre as saídas ou prestações totais. No que tange à exportação, há previsão legal de manutenção de créditos, logo, não há que se falar em estorno de crédito relativo às aquisições de serviço de comunicação por estabelecimento industrial, uma vez que esse crédito somente é permitido quando ocorrer a exportação, e na proporção desta, tendo manutenção de crédito legalmente prevista. Eis o art. 522 do RCTE, que transcrevo para clareza da solução à consulta:

Art. 522. Somente dá direito ao crédito do ICMS:

(...)

II - relativamente à energia elétrica e ao serviço de comunicação, até o dia 31 de dezembro de 2032 (Lei nº 13.772/00, art. 2º):

a) a entrada de energia elétrica no estabelecimento, quando:

(...)

2. for utilizada por contribuinte enquadrado no código de atividade econômica de indústria;

(...)

b) o recebimento de serviço de comunicação utilizado pelo estabelecimento, quando:

1. tiver sido prestado ao estabelecimento na execução, por este, de serviços da mesma natureza;

2. houver operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção desta sobre as saídas ou prestações totais.

Quanto ao segundo questionamento, iremos tratá-lo em dois tópicos.

Inicialmente, no que pertine à dúvida sobre a necessidade de estorno ou não do crédito decorrente de entrada de mercadoria (bem) para o ativo imobilizado, chamamos a atenção para a forma de seu creditamento, transcrevendo o § 4º, inciso I, do art. 46 do RCTE, verbis:

Art. 46. É assegurado ao sujeito passivo, nos termos do disposto neste regulamento, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações ou prestações resultantes (Lei nº 11.651/91, art. 58):

(...)

§ 4º A apropriação do crédito decorrente da entrada de bem destinado ao ativo imobilizado é feita à razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês, proporcionalmente aumentada ou diminuída, pro rata die, se o período de apuração for superior ou inferior a um mês, devendo ser observado o seguinte:

I - a apropriação do crédito é o resultado da multiplicação da razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) pelo resultado da divisão entre o valor das operações e prestações tributadas e o valor total das operações e prestações ocorridas no mesmo período, devendo ser observado, ainda, o seguinte:

Depreende-se da leitura do dispositivo regulamentar retrotranscrito que a apropriação do crédito do ativo imobilizado é feita em quarenta e oito vezes e proporcionalmente às operações e prestações TRIBUTADAS em relação ao total das operações e prestações ocorridas no mesmo período.

Constata-se, então, que o crédito do bem do ativo imobilizado já é apropriado considerando o total das saídas de mercadorias ou prestações de serviços mensalmente que sejam tributadas, ou seja, se a saída ou prestação de serviços forem isentos, total ou parcialmente (redução da base de cálculo) ou com não incidência, sem permissão legal ou regulamentar para manutenção de créditos, não haverá o creditamento em relação a estas saídas ou prestações isentas ou com não incidência do ICMS.

Assim sendo, não há que se falar em estorno de crédito do ICMS em relação às entradas de bens do ativo imobilizado quando as saídas posteriores forem contempladas com isenção, total ou parcial, ou com não incidência, visto que no procedimento para o aproveitamento do crédito do ativo imobilizado já ocorre a dedução de parcela desse crédito.

Por fim, quanto ao aproveitamento de crédito de materiais de uso e consumo, vislumbra-se pelo histórico da Lei Complementar nº 87/96, adotado por leis estaduais e reproduzidos no RCTE, que continua adiado, ou seja, não há possibilidade legal de aproveitamento de crédito na entrada de materiais de uso e consumo, tal como o dispositivo do art. 522, inciso I, do RCTE, a seguir transcrito:

Art. 522. Somente dá direito ao crédito do ICMS:

I - a mercadoria destinada ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entrada a partir de 1º de janeiro de 2033 (Lei nº 12.972/96, art. 3º, parágrafo único, I, "a");

Se não há crédito de ICMS na entrada de materiais de uso e consumo, não ocorrerá a hipótese de estorno de créditos desses materiais, por óbvio.

III – CONCLUSÃO

Posto isso, podemos concluir com as seguintes respostas às indagações da consulente:

- o estorno de créditos do ICMS por estabelecimento com CNAE principal de indústria alcança somente os créditos escriturais, ou seja, os créditos decorrentes da entrada de mercadorias, inclusive energia elétrica, e aquisições de prestações de serviços de transporte, em observância ao princípio da não-cumulatividade e respectiva previsão de estorno constitucional, relativamente às saídas ou prestações com isenção, total ou parcial, ou não incidência, sem previsão legal ou regulamentar de manutenção de créditos, não alcançando o crédito outorgado do ICMS, qualquer que seja a sua natureza, na medida em que este se qualifica como benefício fiscal, o qual não se sujeita à aludida regra de estorno;

- o crédito decorrente da entrada de bens para o ativo imobilizado é apropriado proporcionalmente às saídas ou prestações tributadas em relação às saídas e prestações total do período e, em virtude disso, não se sujeita a estorno quando as saídas posteriores forem contempladas com isenção, total ou parcial, ou com não incidência, visto que a sistemática exigida para o aproveitamento do crédito do ativo imobilizado já impõe, quando for o caso, a dedução de parcela desse crédito;

- a entrada no estabelecimento de materiais de uso e consumo não confere crédito de ICMS, logo, não há que se cogitar em exigência de estorno.

É o parecer.

 GOIANIA, 09 de novembro de 2023.

DAVID FERNANDES DE CARVALHO

Auditor-Fiscal da Receita Estadual