Parecer ECONOMIA/GEOT nº 246 DE 10/11/2023

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 10 nov 2023

Isenção na saída do milho com destino a indústria.

RELATÓRIO:

(...), por seu representante legal, solicita consulta sobre a interpretação da isenção aplicada nas suas operações de aquisição de milho.

Informa que atua na produção de alimentos, sendo sua atividade principal o abate de aves e atua por meio de um projeto agroindustrial de avicultura.

Assevera que a sua produção é verticalizada, compreendendo desde a produção de ovos, criação e engorda de aves com posterior abatimento e comercialização de alimentos.

Aduz que, no processo de engorda das aves, adquire milho de produtores rurais goianos para transformá-lo em ração animal. Posteriormente remete a ração para integrados, que a utilizam no processo de engorda das aves.

Ressalta que vem realizando a retenção do Fundeinfra dos seus fornecedores de milho por estar aplicando a isenção prevista no art. 6º, LXXVIII, “e”, do Anexo IX, do RCTE/GO. No entanto, questionada por eles, entende que a isenção prevista no art. 7º, XXV, “m”, do mesmo anexo, pode ser aplicada, sendo indevido o pagamento do Fundeinfra.

Consulta se pode utilizar a isenção prevista no art. 7º, inciso XXV, “m”, do Anexo IX, tendo em vista que adquire milho para transformação em ração animal e, caso positivo, se teria direito a restituição dos valores recolhidos para o Fundo Estadual de Infraestrutura.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

A resposta ao questionamento do consulente deve ser analisada com base na legislação de regência da matéria. A primeira questão que surge é definir o alcance das expressões "emprego na fabricação de ração animal" e "destinado a indústria de ração animal". Outro ponto que deve ser abordado na solução da consulta é definir se o contribuinte pode ser enquadrado em alguma hipótese de isenção prevista na legislação estadual.

Uma observação apressada pode conduzir ao equivocado entendimento de que o milho destinado ao emprego na fabricação de ração animal e o milho destinado à indústria de ração animal devem ter o mesmo tratamento, mas, ao nos debruçarmos sobre a legislação tributária, verificamos que o legislador diferenciou as duas situações.

Encontramos no Convênio ICMS nº 100/97 tratamentos distintos relacionados ao destino da mercadoria, diferenciando uma hipótese da outra.

Com efeito, no inciso VI da cláusula primeira, tratando de milheto, farelo e torta de milho, dentre outros, o Convênio autorizou o benefício de redução da base de cálculo em 60% (sessenta por cento) para as saídas interestaduais, e usou a expressão “destinados à alimentação animal ou ao emprego na fabricação de ração animal”.

Por sua vez, na cláusula segunda, em seu inciso II, o Convênio estabeleceu que o milho destinado à indústria de ração animal, a produtor, à cooperativa de produtores ou a órgão oficial de fomento seria beneficiado com 30% (trinta por cento) de redução da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais. Veja:

Cláusula primeira Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:

(...)

VI - alho em pó, sorgo, milheto, sal mineralizado, farinhas de peixe, de ostra, de carne, de osso, de pena, de sangue e de víscera, calcário calcítico, caroço de algodão, farelos e tortas de algodão, de babaçu, de cacau, de amendoim, de linhaça, de mamona, de milho e de trigo, farelos de arroz, de girassol, de glúten de milho, de gérmen de milho desengordurado, de quirera de milho, de casca e de semente de uva e de polpa cítrica, glúten de milho, silagens de forrageiras e de produtos vegetais, feno, óleos de aves, resíduos de óleo e gordura de origem animal ou vegetal, descartados por empresas do ramo alimentício, e outros resíduos industriais, destinados à alimentação animal ou ao emprego na fabricação de ração animal;

(...)

Cláusula segunda Fica reduzida em 30% (trinta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:

(...)

II - milho, quando destinado a produtor, à cooperativa de produtores, à indústria de ração animal ou órgão oficial de fomento e desenvolvimento agropecuário vinculado ao estado ou Distrito Federal;

Percebe-se que há uma diferença de natureza jurídica entre os benefícios previstos num ou noutro dispositivo.

O milho destinado a produtor, à cooperativa de produtores, à indústria de ração animal ou a órgão oficial de fomento goza de isenção do tipo subjetiva, pois depende da caracterização da pessoa jurídica destinatária. Já a isenção prevista para quando o produto é destinado à alimentação animal ou ao emprego na fabricação de ração animal é do tipo objetiva, uma vez que não leva em consideração a situação pessoal do destinatário, mas apenas o uso que será dado à mercadoria.

Ressalte-se que o art. 111 do Código Tributário Nacional veda a interpretação ampliativa sobre dispositivo da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Portanto, não cabe ao aplicador do direito estender o benefício previsto para determinado contribuinte (isenção subjetiva), de modo a abranger outras situações não previstas no beneplácito legal.

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

O emprego de expressões distintas no Convênio ICMS nº 100/1997 ecoou na legislação estadual. Dentre os dispositivos previstos no Regulamento do Código Tributário de Goiás (Decreto nº 4.852/1997), verificamos que o art. 7º, inc. XXV, do Anexo IX, notadamente nas alíneas “f” e “m”, repete o tratamento discriminatório para o milho e para o milheto, farelo de milho, quirera de milho e glúten de milho. Note:

Art. 7º São isentos de ICMS, observado o § 1º quanto ao término de vigência do benefício:

(...)

XXV - a saída interna com os seguintes insumos agropecuários, aplicando-se, também, a isenção quando os insumos forem destinados à utilização na apicultura, aqüicultura, avicultura, cunicultura, ranicultura e sericicultura (Convênio ICMS 100/97, cláusula terceira e § 5º da cláusula primeira):

f) alho em pó, sorgo, milheto, sal mineralizado, farinhas de peixe, de ostra, de carne, de osso, de pena, de sangue e de víscera, calcário calcítico, caroço de algodão, farelos e tortas de algodão, de babaçu, de cacau, de amendoim, de linhaça, de mamona, de milho e de trigo, farelos de arroz, de girassol, de glúten de milho, de gérmen de milho desengordurado, de quirera de milho, de casca e de semente de uva e de polpa cítrica, glúten de milho, silagens de forrageiras e de produtos vegetais, feno, óleos de aves, resíduos de óleo e gordura de origem animal ou vegetal, descartados por empresas do ramo alimentício, e outros resíduos industriais, destinados à alimentação animal ou ao emprego na fabricação de ração animal (Convênio ICMS 100/97, cláusula primeira, VI);

(...)

m) milho, exceto o verde, quando destinado a produtor, a cooperativa de produtores, a indústria de ração animal ou a órgão oficial de fomento e desenvolvimento agropecuário vinculado ao Estado de Goiás (Convênio ICMS 100/97, cláusula segunda, II);

Semelhantemente ao discrímen observado no Convênio ICMS100/97, o RCTE aludiu na “f” à isenção objetiva e na alínea “m” à isenção subjetiva.

Enquanto que para o milheto, farelos e tortas de milho, farelos de quirera de milho e glúten de milho é aplicada a alínea “f”, do inciso XXV do art. 7º, isentando o produto destinado genericamente à alimentação animal ou ao emprego na fabricação de ração animal (isenção do tipo objetiva), para o milho a isenção só se aplica se for destinada a produtor, à cooperativa de produtores, à indústria de ração animal ou a órgão oficial de fomento (isenção do tipo subjetiva).

Logo, no tocante à expressão semântica, têm-se como distintas as locuções “destinado a indústria de ração animal” e “destinado ao emprego na fabricação de ração animal”, sendo aquela mais específica do que esta.

A doutrina jurídica brasileira é pródiga em lecionar que a lei não contém palavras inúteis ou menções supérfluas. O intérprete não pode, à guisa de buscar estender benefício tributário não previsto em lei, retirar consequência jurídica evidentemente não emanável da norma interpretada.

Apesar disso, as atividades desenvolvidas pela agroindústria consulente habilitam-na, do ponto de vista da legislação estadual, como produtora, o que autoriza o uso do benefício previsto no art. 7º, inc. XXV, alínea “m”, do Anexo IX do RCTE/GO.

Nesse sentido, a Instrução Normativa nº 946/2009-GSF, no §3º do seu artigo 10 considera produtor rural a “pessoa natural ou jurídica que, em imóvel localizado na zona rural do município, explore atividade agropecuária ou de extração mineral por conta própria ou por intermédio de parceria, arrendamento ou comodato”. Também define o produtor urbano como sendo a “pessoa natural ou jurídica que, em imóvel localizado em zona urbana, explore atividade agropecuária por conta própria, ou que se dedique ao alojamento de animais ou, ainda, que realiza eventos equestres”.

Com base nos dados cadastrais da agroindústria consulente, a Secretaria da Economia de Goiás a classifica como produtora rural. Por esse motivo, o milho destinado a ela, na condição de produtora, goza da isenção mencionada alhures.

Definido o correto enquadramento da hipótese isentiva no art. 7º, inc. XXV, eventuais recolhimentos a título de Fundeinfra realizados em razão da isenção prevista no art. 6º, inc. LXXVIII, letra “e”, do Anexo IX do RCTE/GO configuram indébito, passíveis de restituição.

O art. 198-C da Lei nº 11.651/1991 (Código Tributário de Goiás) determina a aplicação do disposto no Título IV (do crédito tributário) aos débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Pública Estadual, observada a legislação específica.

Art. 198-C. O disposto neste Título aplica-se, também, aos débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Pública Estadual, observada a legislação específica.

Considerando a equivocada aplicação da isenção do art. 6º, inc. LXXVIII, letra “e”, do Anexo IX, a contribuição realizada ao Fundeinfra, embora recolhida pelo destinatário (indústria consulente - Nutriza), onerou o produtor rural remetente do milho, uma vez que foi dele descontada. Ou seja, ocorreu a transferência do encargo financeiro ao remetente da mercadoria.

Por esse motivo, forte no art. 174 do CTE/GO, a restituição somente poderá ser feita ao remetente ou ao destinatário que tenha autorização expressa do primeiro.

Art. 174. A restituição de tributos, que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro, somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Finalmente, questiona o consulente se eventual mudança de entendimento do Fisco estadual, passando no futuro a considerar que o correto seria a isenção condicionada ao recolhimento do Fundeinfra acarretaria o recolhimento relacionado aos meses anteriores, ou se tal entendimento somente operaria efeitos prospectivos.

Sobre esse assunto, é importante ter em mente que o recolhimento do Fundeinfra é tão somente uma condição para a fruição de algumas hipóteses de isenção. Mudança de entendimento nos critérios jurídicos adotados pela autoridade fiscal são chamados pela doutrina de “erro de direito”, previsto no art. 146 do Código Tributário Nacional.

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

O dispositivo é corolário do princípio da segurança jurídica e da confiança legítima, pedras angulares do sistema jurídico brasileiro, sem os quais a atividade empresarial se tornaria temerária. Por isso, prevalece o entendimento de que uma mudança nesse entendimento não pode retroagir.

A propósito, em observância ao disposto no art. 35, inciso X, da Lei Complementar Estadual nº 104/2013, eventual mudança de entendimento, desfavorável ao contribuinte, sobre a matéria não pode ser aplicada retroativamente: Eis o teor do aludido preceito normativo:

Art. 35. Os contribuintes, os órgãos da Administração Pública e as entidades representativas de categoria econômica ou profissional poderão formular Consulta Fiscal à Administração Pública acerca da vigência, interpretação e aplicação da legislação tributária, observado o seguinte:

(...)

X – as Soluções de Consultas produzirão seus regulares efeitos até sua formal revogação pela Administração Pública, sendo vedada a aplicação retroativa deste novo entendimento, caso o mesmo seja desfavorável ao contribuinte;

CONCLUSÃO:

Isso posto, a Gerência de Orientação Tributária da Secretaria de Estado da Economia de Goiás firma o entendimento de que a regra de isenção prevista no art. 7º, XXV, “m”, do Anexo IX do RCTE/GO, pode ser aplicada para a situação descrita nos autos do presente processo de consulta, em que o produtor rural destina milho para a agroindústria, também qualificada como produtora nos termos da legislação estadual, a qual empregará os insumos na produção de ração a ser distribuída aos parceiros integrados no projeto agroindustrial.

Consequentemente, com base nesse entendimento, é devida a restituição de valores recolhidos indevidamente a título de Fundeinfra, nos casos em que a natureza da operação tenha sido  enquadrada na isenção tipificada no art. 6º, inc. LXXVIII, letra “e”, do Anexo IX, do RCTE/GO. A restituição, no entanto, somente é feita a quem comprovadamente sofreu o impacto do encargo financeiro da exação, no caso, o produtor rural remetente do milho, ou à própria consulente, desde que devidamente autorizada por aquele (art. 174 c/c art. 198-C, ambos do CTE/GO).

É o parecer.

 GOIANIA, 10 de novembro de 2023.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual