Parecer ECONOMIA/GEOT nº 160 DE 06/07/2023

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 06 jul 2023

Aplicação retroativa da Tese 1062 do STF aos créditos já extintos pelo pagamento. Impossibilidade.

RELATÓRIO:

(...), representado por seu procurador convencional, solicita a aplicação retroativa da Tese 1062 do Supremo Tribunal Federal – STF -, recalculando créditos tributários já quitados que tiveram a incidência do IGP-DI para aplicar-lhes a taxa Selic, restituindo eventual crédito excedente.

É o breve relatório.

FUNDAMENTAÇÃO:

Como se sabe, em julho de 2019 o STF firmou tese em repercussão geral (Tema 1062) de que os Estados e Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária incidentes sobre créditos tributários, contanto que o índice seja limitado aos percentuais estabelecidos pela União.

Tese 1062: Os estados-membros e o Distrito Federal podem legislar sobre índices de correção monetária e taxas de juros de mora incidentes sobre seus créditos fiscais, limitando-se, porém, aos percentuais estabelecidos pela União para os mesmos fins.

Com esse entendimento, a Suprema Corte negou o agravo em recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo (ARE 1.216.078/SP) contra decisão do órgão especial do TJSP que havia reconhecido a inconstitucionalidade dos índices aplicados pela Fazenda Paulista. O entendimento adotado estabeleceu que os estados-membros e o Distrito Federal devem respeitar o índice de reajuste federal, que no caso é a SELIC.

Por conseguinte, o Estado de Goiás editou a lei nº 21.004/2021, de 14 de maio de 2021, modificando o art. 167 da lei nº 11.651/1991 (Código Tributário Estadual), fazendo incidir aos tributos não pagos no vencimento a taxa SELIC.

Art. 167, CTE/GO. O tributo não pago no vencimento deve ser acrescido de juros de mora não capitalizáveis, equivalentes à soma da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC e correspondentes ao mês seguinte ao do vencimento do tributo até a do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) referente ao mês de pagamento.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor, dentro do prazo legal para pagamento do crédito.

§ 2º Na falta da taxa SELIC, os juros de mora devem ser calculados nos termos da legislação aplicável aos tributos federais.

Art. 167-A, CTE/GO. Se for crédito tributário objeto de parcelamento, ao valor das parcelas devem ser acrescidos juros não capitalizáveis, equivalentes à soma da taxa SELIC e correspondentes ao mês seguinte ao da concessão do parcelamento até a do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento), referente ao mês de pagamento da parcela, calculados segundo o disposto em regulamento.

A Lei nº 21.004/2021 entrou em vigor na data da sua publicação (14/05/2021), porém expressamente diferiu o termo “a quo” de sua eficácia para o dia 01/07/2021. Em seu art. 2º, o legislador fixou a seguinte regra:

Art. 2º, Lei 21004/2021. Os critérios de cobrança de juros de mora estabelecidos por esta Lei devem ser aplicados às parcelas vencidas e não pagas e às parcelas vincendas de parcelamento ativo de crédito tributário, em substituição aos critérios adotados até a entrada em vigor desta Lei.

De forma clara, o legislador estabeleceu que a nova regra se aplica às parcelas vencidas e não pagas bem como às vincendas, não se aplicando, portanto, às parcelas vencidas e já quitadas.

Outro não poderia ser o comando legal. A segurança jurídica é princípio fundamental que sustenta a estabilidade das relações jurídicas e tem via dupla, isto é, manifesta-se a favor de ambos os polos da relação estabelecida. Em razão disso, a segurança jurídica tutela os interesses tanto da sociedade (representada pelo Estado) quanto do indivíduo (personificado pelo contribuinte).

Conforme lições de José Joaquim Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4º ed, Coimbra, 2000), a segurança jurídica se apresenta em duas facetas, uma objetiva e uma subjetiva. Na objetiva, relaciona-se com a previsibilidade e irretroatividade dos atos estatais. Já na subjetiva, a segurança se relaciona com a proteção da confiança depositada pelos cidadãos em relação aos atos, procedimentos e condutas estatais.

A seu turno, Renato Lopes Becho verbera que o princípio da irretroatividade “é a exteriorização elementar do sobreprincípio da segurança jurídica”. Positivado no art. 5º, XXXVI, da CF/1988, o princípio da irretroatividade geral, que alberga todos os subsistemas de nosso ordenamento, visando à proteção das relações já consolidadas pelo tempo em razão das alterações legislativas, impede que o legislador alcance fatos pretéritos.

Cediço que por meio dos princípios da legalidade e irretroatividade tributária busca-se assegurar ao contribuinte e à Administração Tributária o primado da segurança jurídica. Tais princípios consubstanciam limites objetivos que visam concretizar o valor segurança jurídica. Neste contexto, conferir interpretação retroativa ao dispositivo legal, fazendo incidir a taxa Selic nas parcelas já quitadas, as quais foram atualizadas pelo índice adotado anteriormente previsto em lei, fere de morte o princípio da segurança jurídica.

Importante enfatizar que a norma estadual que determina a aplicação aos créditos vencidos e não pagos e aos vincendos, não se aplicando aos vencidos e pagos, não foi declarada inconstitucional. O princípio da legalidade tem efeitos restritivos quando aplicado pela Administração Pública.

No clássico ensinamento de Hely Lopes Meirelles: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.

Assim, conclui-se, como consequência inexorável, que a aplicação da taxa SELIC em lugar do índice IGP-DI somente pode ser implementada nas relações jurídico-tributárias não extintas pelo pagamento. Nos créditos já quitados não há possibilidade de recálculo para fins de restituição dos valores já adimplidos.

CONCLUSÃO:

Em face do exposto, com fulcro na legislação tributária transcrita e nos apontamentos expendidos, esta Gerência de Orientação Tributária firma o entendimento no sentido de que:

Os créditos tributários já extintos pelo pagamento cuja atualização monetária foi feita com a aplicação do índice IGP-DI não são passíveis de recálculo para aplicação da taxa SELIC. Tal possibilidade é restrita às parcelas vencidas e não adimplidas e às parcelas vincendas de parcelamento ativo de crédito tributário, que devem ser recalculadas, aplicando-lhes o índice limitado à taxa SELIC, a teor do disposto no artigo 2º da Lei nº 21.004/2021.

É o parecer.

 GOIANIA, 06 de julho de 2023.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual