Parecer GEOT nº 1293 DE 30/11/2011
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 30 nov 2011
Transferência ficta de “café cru em grãos” entre estabelecimentos da mesma empresa, para posterior comercialização interestadual.
A empresa ..............................., pessoa jurídica de direito privado, por meio do estabelecimento inscrito no CNPJ/MF sob o nº ........................... e no CCE/GO sob o nº ....................., localizado na ......................................, tendo como atividade principal o cultivo e a comercialização de algodão e cereais em geral no mercado interno e externo, formula consulta sobre transferência simbólica de “café cru em grãos” para estabelecimento filial, com vista a posterior comercialização interestadual.
Inicialmente expõe que:
- a empresa foi constituída em 2008 no município de Catalão, Estado de Goiás, tendo como atividade principal o cultivo e a comercialização de algodão e cereais em geral no mercado interno e externo;
- estima-se uma produção de aproximadamente 7.000 mil sacas de café, que será comercializada no mercado interno e externo;
- a sua escrituração fiscal e contábil é garantida por sistema de processamento de dados centralizado, com total atendimento a Declaração Periódica de Informações – DPI, emissão de nota fiscal eletrônica e entrega de Arquivo SPED FISCAL ICMS, desde 07/2010;
- possui, no mês de julho de 2011, saldo credor do ICMS, na conta gráfica de sua filial situada no município de ...................., inscrita no CNPJ sob o n° ....................... e CCE/GO sob o n° ........................., no valor de R$ ...................
Posteriormente, apresenta as seguintes operações e procedimentos:
a) emissão de nota fiscal eletrônica de transferência simbólica da sua produção de café cru em grãos, para sua filial estabelecida no município de Itumbiara, com vista a comercialização dos grãos por meio da aplicação do preço de pauta (art. 20, II, a, item 1, RCTE) e incidência da alíquota de 12%;
b) a sua filial em Itumbiara recebe a nota fiscal eletrônica de transferência simbólica, realiza a respectiva escrituração no Livro Registro de Entradas, recuperando o crédito do ICMS, e, em seguida, emite nota fiscal de venda interestadual da mercadoria transferida (café cru em grãos) com aplicação da alíquota do ICMS equivalente a 12%;
c) o débito do ICMS gerado na saída interestadual do café cru em grãos, anteriormente transferido simbolicamente, será compensado com o saldo credor dor ICMS existente na conta gráfica do estabelecimento filial localizado em Itumbiara, por meio da emissão do Demonstrativo da Existência de Saldo Credor do ICMS (DESI), devidamente autorizado, nos termos do Anexo XII, art. 22 e 23, do RCTE;
d) a nota fiscal de venda do café cru em grãos, mencionada na letra b (supra), conterá em seu campo “informações complementares” a informação de que as mercadorias serão retiradas junto ao estabelecimento localizado no município de Catalão, ora consulente;
e) as notas fiscais de transferência (letra a) e venda (letra b) serão emitidas simultaneamente;
f) o saldo devedor do ICMS gerado na filial de Catalão (ora consulente) em decorrência da transferência simbólica da produção de café cru em grãos para a filial de Itumbiara (letra a) será objeto de compensação, ao final do período de apuração, mediante transferência, com o crédito acumulado do ICMS na conta gráfica desta, consoante o disposto no art. 56-A do RCTE.
Por fim, questiona se é possível realizar as operações acima descritas, atendendo os procedimentos fiscais do Regulamento do ICMS do Estado de Goiás.
Pois bem.
A circulação interestadual de café cru, em coco ou em grão, no território nacional, está sujeita ao recolhimento antecipado do ICMS, ou seja, ao recolhimento do imposto antes da respectiva remessa dos grãos, por força do Convênio ICMS n° 71/90, celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e inserto na legislação tributária estadual por meio do Capítulo III do Anexo XII do Decreto n° 4.852, de 29 de dezembro de 1997, que baixou o Regulamento do Código Tributário Estadual (RCTE).
Dessa forma, em relação ao café cru, em coco ou em grão, a apuração do ICMS, relativa às operações interestaduais, é uma exceção à apuração periódica do imposto (art. 66, I, RCTE), uma vez que o recolhimento ocorre antecipadamente e não ao final de um período que em regra é mensal. Na hipótese do estabelecimento remetente possuir saldo credor em sua escrituração fiscal, é permitido a compensação do imposto devido, por antecipação, na remessa interestadual com o seu crédito acumulado (art. 23 do Anexo XII do RCTE e § 1° da cláusula segunda do Convênio ICMS n° 71/90).
Assim, o que a consulente intenta com o mecanismo de operações colocado na consulta é a utilização do saldo credor de estabelecimento diverso - filial localizada no município de Itumbiara, que se quer empreende o cultivo de café (fl. 09) - para compensar o imposto que em condições normais seria por ela devido, ou seja, a consulente quer, por meio de operações simbólicas, alterar a forma de recolhimento (antecipado) do ICMS, estabelecida por um Convênio de aplicação nacional, celebrado no âmbito do Confaz.
As operações simbólicas são negócios desprovidos de causa, ou seja, carentes de justificativa do ponto de vista econômico, social e jurídico, destinados unicamente a contornar uma norma ou evitar a sua incidência direta, uma vez que não existiriam em condições normais (que não possuem em sua essência o intuito de driblar a incidência normativa). No presente caso, por meio de transferências simbólicas, a consulente visa exclusivamente evitar o pagamento antecipado do ICMS nas remessas interestaduais de café cru, em coco ou em grãos.
Situação semelhante já foi intencionada e, por conseguinte, rebatida por esta Gerência, como se depreende do Parecer n° 619/2011-GEOT, que apreciou consulta na qual a consulente pretendia desvirtuar a forma de compensação de crédito prevista na legislação tributária estadual, com o intuito de evitar o recolhimento antecipado da ICMS nas operações interestaduais com café cru, a saber:
- tendo em vista que na saída interestadual de café cru em grão o ICMS deve ser pago mediante guia própria, antes de iniciada a remessa, ou na hipótese de existir saldo credor em conta gráfica, a nota fiscal deve ser acompanhada de documento de arrecadação visado pelo órgão fazendário em cuja circunscrição localizar-se o contribuinte remetente através do Demonstrativo da Existência de Saldo Credor do ICMS – DESI;
[...]
O Governo do Estado de Goiás, exercendo a competência legislativa plena, e em harmonia com a Lei Complementar nº 87/96, promulgou a Lei nº 11.651/91 – Código Tributário Estadual – CTE, cujo art. 56, inciso I, § 3º, estabelece:
Art. 56. O montante do imposto a pagar resultará da diferença a maior, entre o débito:
I - tratando-se de regime normal de tributação - referente às operações com mercadorias ou prestações de serviços realizadas pelo contribuinte, em determinado período, e o crédito relativo ao ICMS cobrado nas operações ou prestações anteriores;
.............................................................................................................................
§ 1º O débito do imposto deve ser liquidado da seguinte forma:
I - por compensação, quando o seu montante for menor ou igual ao do crédito, transferindo-se eventual saldo credor para o período seguinte;
II - por pagamento em dinheiro, quando o seu montante superar o do crédito.
.............................................................................................................................
§ 3º Os débitos e os créditos devem ser apurados em cada estabelecimento do sujeito passivo, compensando-se os saldos credores e devedores entre os seus estabelecimentos localizados no Estado, na forma que dispuser a legislação tributária.
Implementando a disposição que remete à legislação tributária as condições para a compensação autorizada, estabeleceu o Decreto nº 4.852/97 - Regulamento do Código Tributário do Estado de Goiás - RCTE, em seus artigos 56-A e 56-B, a seguir transcritos:
Art. 56-A. O contribuinte que possuir mais de um estabelecimento no território do Estado pode compensar o saldo credor de um deles com o saldo devedor do outro. (Lei nº 11.651/91, art. 56, § 3º):
§ 1º A compensação do saldo devedor com o saldo credor dá-se por intermédio de transferência de crédito de um para outro estabelecimento do contribuinte.
§ 2º O crédito a ser transferido fica limitado ao menor valor entre o saldo:
I - devedor do estabelecimento destinatário;
II - credor do estabelecimento remetente.
Art. 56-B. A aplicação do disposto nesta seção condiciona-se ao atendimento de normas contidas em ato do Secretário da Fazenda.
O ato do Secretário da Fazenda que disciplina a transferência de crédito acumulado do ICMS é a Instrução Normativa nº 715/05-GSF, de 17 de março de 2005, que prevê:
Art. 1º A transferência de crédito acumulado do ICMS, ressalvadas as disposições específicas aplicáveis ao crédito decorrente do documento denominado "Cheque Moradia", deve obedecer aos procedimentos contidos nesta instrução.
Art. 2º O contribuinte que possuir mais de um estabelecimento no território do Estado pode compensar o saldo credor de um deles com o saldo devedor do outro (RCTE, art. 56-A).
Parágrafo único. A compensação do saldo devedor com o saldo credor dá-se por intermédio de transferência de crédito de um para outro estabelecimento do contribuinte.
Infere-se dos dispositivos acima transcritos que a legislação tributária (Decreto nº 4.852/97 – RCTE e a Instrução Normativa nº 715/05-GSF) ao dispor sobre a forma de compensação dos saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do contribuinte localizados no Estado fixou:
1 – que o contribuinte que possuir mais de um estabelecimento no território do Estado pode compensar o saldo credor de um deles com o saldo devedor do outro;
2 – que a compensação do saldo devedor com o saldo credor dá-se por intermédio de transferência de crédito de um para outro estabelecimento do contribuinte;
3 – que o crédito a ser transferido fica limitado ao menor valor entre o saldo devedor do estabelecimento destinatário e credor do estabelecimento remetente.
Portanto, a legislação tributária disciplinou a forma de se proceder a compensação dos saldos credores e devedores, entre os estabelecimentos do contribuinte, localizados no Estado.
Conclui-se da legislação supracitada e da sistemática de apuração do ICMS que somente é possível falar em saldo credor e/ou devedor ao final do período de apuração.
Dessa forma, a pretensão de transferência de crédito operação a operação torna-se incompatível com o disposto na legislação tributária que disciplina a matéria, possibilitando a compensação entre saldos credor e devedor. Em outras palavras, não há como transferir crédito se não se conhece o saldo credor do estabelecimento remetente e o devedor do estabelecimento destinatário.(g.n.)
Ante o exposto, considerando que a forma de compensação pretendida pela requerente não encontra amparo na legislação tributária que trata da compensação dos saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do contribuinte localizados no Estado, manifestamo-nos pelo indeferimento do pedido.(g.n.)
Se removermos o véu que encobre as operações pretendidas pela consulente, restam as operações em sua verdadeira essência e estas são (de modo oblíquo ou mediato) contrárias ao Convênio ICMS n° 71/90 e ao Anexo XII do RCTE como, também, ao Parecer n° 619/2011-GEOT retrotranscrito.
Anuir com tais operações seria a Fazenda Pública contradizer o que ela própria estabeleceu: recolhimento antecipado do ICMS nas operações interestaduais com café cru e regras para compensação periódica de saldo credor entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Ademais, esta Gerência já se posicionou contrário a operações simbólicas, desprovidas de causa, que envolvam estabelecimentos de um mesmo contribuinte ou empresas com relação interempresarial, a saber:
Parecer n° 560/2011-GEOT
Analisando de forma cartesiana, a operação de “venda à ordem” se caracteriza como uma operação triangular cujos integrantes são: fornecedor, adquirente e destinatário, podendo cada um estar localizado em uma Unidade da Federação distinta.
A razão de ser da operação é possibilitar maior agilidade e menor custo nas transações comerciais efetuadas entre empresas/contribuintes e consumidores. Evitando-se assim o transporte desnecessário das mercadorias do estabelecimento vendedor até o estabelecimento adquirente originário, que eventualmente já tenha comercializado tais produtos a um terceiro destinatário.
No entanto, tal operação tem apenas o condão de unificar operações que ocorreriam de forma distinta e isolada, caso não utilizássemos o instituto. Tendo como único intuito proporcionar uma economia nos custos operacionais das transações envolvidas.
Nessa óptica, as operações devem ocorrer entre empresas distintas, não apenas do ponto de vista da personalidade jurídica, mas, sobretudo, do ponto de vista das políticas econômicas, financeiras, administrativas, operacionais e mercadológicas que as envolve individualmente. Ou seja, as operações devem ocorrer em condições de independência entre as empresas participantes. Essa é a razão de ser do instituto de “venda à ordem”.
Em sentido amplo, a “venda a ordem” não se aplica a operações que envolvam empresas (adquirente originário/vendedor) que tenham a possibilidade de negociar ou contratar em condições que não sejam as que envolvam empresas alheias e independentes.
A título de exemplo, a “venda à ordem” não se aplica em operações entre matriz/filial, controladora/controlada, consórcio de sociedades, grupo de sociedades e sociedades controladas em conjunto, entre outras formas societárias.
Admitir uma interpretação na qual a “venda à ordem” aplica-se a operações envolvendo empresas como as citadas acima, seria convir com operações simbólicas capazes de desrespeitar a estabilidade do pacto federativo e o Sistema Tributário delineado pela Constituição Federal de 1988. Pois, as empresas por meio de seus diversos estabelecimentos, poderiam direcionar, ocasionando prejuízo à Fazenda Pública, qual o montante de imposto devido a cada um dos Estados envolvidos nas operações que ocorressem entre integrantes localizados em Estados distintos.(g.n.)
Ante todo o exposto, esta Gerência opina no sentido de que não é possível a realização das operações pretendidas pela consulente, uma vez que são contrárias à legislação tributária estadual.
É o parecer.
Goiânia, 30 de novembro de 2011.
ANTONIO CAPUZZO MEIRELES FILHO
Assessor Tributário
Aprovado:
LIDILONE POLIZELI BENTO
Gerente de Orientação Tributária