Consulta AT nº 18 DE 29/06/2023

Norma Estadual - Amazonas - Publicado no DOE em 08 ago 2023

As operações com jogos gravados em meio físico, fabricados e comercializados com os incentivos fiscais da Lei nº 2.826, de 2003, em que a propriedade do bem seja transferida ao adquirente (e não apenas uma licença de uso), estão sujeitas à incidência do ICMS.

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pela interessada, pessoa jurídica de direito privado instalada no Polo Industrial de Manaus, tendo como atividade principal a reprodução de som em qualquer suporte, detentora dos incentivos fiscais de ICMS previstos na Lei Estadual nº 2.826, de 2003, para a fabricação dos produtos classificados na NCM 8523.4990, mediante os questionamentos a seguir:

“(1) Está correto afirmar que os produtos classificados nas NCMs 8523.49.90, fabricados pela Consulente e comercializados com os incentivos fiscais da Lei nº 2.826/2003, possuem natureza de mercadoria e cujas operações são tributadas pelo ICMS, nos termos da Lei Complementar nº 87/1996 e Decreto Estadual nº 20.686/1999 (RICMS)? (2) Desta forma, o entendimento do STF manifestado na decisão proferida na ADI 5659/MG não se aplica às operações realizadas pela Consulente, visto que não consistem em prestação de serviços sujeitos ao ISS –Imposto Sobre Serviços, na forma preconizada pelo item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003?”

RESPOSTA À CONSULTA

A consulta, disciplinada na Lei Complementar nº 19, de 29 de dezembro de 1997, visa dar esclarecimento ao contribuinte, fazendo a Administração Tributária manifestar-se, se atendidas as condições formais previstas, a respeito de um procedimento que esteja adotando ou que pretenda adotar em sua atividade sobre o qual pesem dúvidas com relação à conformidade às disposições da legislação tributária.

Formalizado em processo administrativo tributário, a consulta resguarda o contribuinte até que seja dada sua solução, suspendendo o início de qualquer iniciativa da fiscalização que tenha como objeto o procedimento sob consulta.

Após essas considerações preliminares, passamos a analisar o mérito.

No julgamento conjunto da ADI 1945 e da ADI 5659,o STF entendeu pela não incidência do ICMS nas operações envolvendo o fornecimento de software mediante licenciamento ou cessão do direito de uso, ainda que se trate de "software de prateleira" (customizado ou não) e independentemente do meio utilizado para a transferência (por meio de download ou mediante acesso via cloud computing), conforme ementa parcialmente reproduzida a seguir:

“EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade.
Direito Tributário. Lei nº 6.763/75-MG e Lei Complementar Federal nº 87/96. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). Distinção entre software sob encomenda ou padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer. Insuficiência (...).” (ADI 5659 / MG - MINAS GERAIS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI Julgamento: 24/02/2021 Publicação: 20/05/2021 Órgão julgador: Tribunal Pleno).” (grifo nosso)

A Suprema Corte considerou que o conflito de competência em matéria tributária envolvendo softwares foi dirimido com o advento da Lei Complementar nº 116, de 2003, mediante a previsão do subitem 1.05 da lista anexa de serviços tributáveis pelo ISS, referente ao licenciamento e a cessão de direito de uso de programas de computação.

O dicionário virtual brasileiro da língua portuguesa Michaelis (https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-rasileiro/software/) contémas seguintes definições de software:

“1 Qualquer programa ou grupo de programas que instrui o hardware sobre a maneira como ele deve executar uma tarefa, inclusive sistemas operacionais, processadores de texto e programas de aplicação. 2 Qualquer programa de computador, especialmente para uso com equipamento audiovisual.”

A Lei nº 9.609, de 1998, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no país, contéma definição a seguir:

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Cumpre salientar que, segundo o citado diploma normativo,o uso de programa de computador no País deve ser objeto de contrato de licença (art. 9º):

Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença. Parágrafo único. Na hipótese de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso.

O relator da ADI 5659, ministro Dias Toffoli, manifestou o entendimento de que o conceito de mercadoria pode abranger bens incorpóreos (imateriais), no entanto,destacou que na licença de software não há transferência da propriedade ("circulação jurídica"), o que afasta a incidência do ICMS.

Nesse contexto, o entendimento firmado no julgamento da ADI 5659 em relação à tributação de softwares não alcança a comercialização de jogos que, pelas suas características, pode-se afirmar que são mercadorias e não programas de computador, como será demonstrado adiante.

A lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003, prevê como hipótese de incidência do ISS a elaboração de jogos eletrônicos, no item 1.04, abaixo reproduzido:

1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).

De relevo destacar que o legislador estabeleceu como atividades distintas a elaboração de programas de computadores (item 1.04) e o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação (item1.05).

De fato, são atividades distintas. A elaboração de programas de computador é serviço que antecede à licença de uso, e não se confunde com esta última.

Da mesma forma, a elaboração de jogos eletrônicos é etapa anterior à licença de uso e a sua comercialização, seja emmeio físico ou digital.

No julgamento do tema 296 da repercussão geral, o Plenário virtual do STF aprovou a seguinte tese: “É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva”.

Para a relatora, ministra Rosa Weber, a interpretação extensiva seria válida quando o legislador, por exemplo, inclui termos como “de qualquer natureza”, “de qualquer espécie” e “entre outros” ao definir os serviços tributários.

No caso sob análise, os produtos que a consulente fabrica consistem na replicação de conteúdo em mídias integradas por um bem incorpóreo (jogo), gravado em suporte físico (mídia) e cujo conteúdo somente poderá ser executado em console que seja compatível e exclusivo a um sistema digital de entretenimento como PLAYSTATION®.

Em outras palavras, a consulente comercializa produtos de sua fabricação, correspondentes a jogos de vídeo game gravados em suporte físico.

As operações praticadas pela consulente, precipuamente mercantis, não se confundem com a elaboração de jogos, tampouco com a concessão de licenças para uso de jogos.

Com efeito,na licença, não há transferência de propriedade do bem ou direito, ao passo que nas operações mercantis, sujeitas à incidência do ICMS, há a transferência da mercadoria ao adquirente.

Dessa forma, ainda que fosse adotada intepretação extensiva, não haveria como inserir a operação mercantil de venda de jogos, como equiparada a um serviço de elaboração de jogos ou a uma licença de uso.

Diante do exposto, pode-se concluir que as operações com jogos gravados em meio físico, fabricados e comercializados com os incentivos fiscais da Leinº 2.826, de 2003, em que a propriedade do bem seja transferida ao adquirente (e não apenas uma licença de uso), estão sujeitas à incidência do ICMS.

Diante do exposto, as respostas aos quesitos formulados:

“(1) Está correto afirmar que os produtos classificados nas NCMs 8523.49.90, fabricados pela Consulente e comercializados com os incentivos fiscais da Lei nº 2.826/2003, possuem natureza de mercadoria e cujas operações são tributadas pelo ICMS, nos termos da Lei Complementar nº 87/1996 e Decreto Estadual nº 20.686/1999 (RICMS)?”

As operações com jogos gravados em meio físico, fabricados e comercializados comos incentivos fiscais da Lei nº 2.826, de 2003, em que a propriedade do bem seja transferida ao adquirente (e não apenas uma licença de uso), estão sujeitas à incidência do ICMS.

“(2) Desta forma, o entendimento do STF manifestado na decisão proferida na ADI 5659/MG não se aplica às operações realizadas pela Consulente, visto que não consistem em prestação de serviços sujeitos ao ISS – Imposto Sobre Serviços, na forma preconizada pelo item1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003?”

Sim. As operações com jogos gravados em meio físico, fabricados e comercializados com os incentivos fiscais da Lei nº 2.826, de 2003, em que a propriedade do bem seja transferida ao adquirente (e não apenas uma licença de uso), estão sujeitas à incidência do ICMS.

Com essas informações e na forma da legislação, encaminhe-se esta solução de consulta para homologação.

Auditoria Tributária, em Manaus, 29 de junho de 2023.

ANDRESSA DOS SANTOS CARNEIRO
Julgadora de Primeira Instância