Consulta nº 10 DE 20/12/2012

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 20 dez 2012

ICMS. REMESSA DE CANA-DE-AÇÚCAR PARA INDUSTRIALIZAÇÃO POR TERCEIRO. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.

A consulente informa que se dedica à exploração agrícola, industrial e comercial de produtos rurais, especialmente açúcar e álcool, e aponta circunstância em que há remessa de cana-de-açúcar, adquirida de produtor rural pessoa física e jurídica, para industrialização em estabelecimento de terceiro localizado em território paranaense, que lhe devolve o produto resultante, álcool etílico hidratado carburante.

Expõe que entendeu, à época da remessa de cana-de-açúcar para industrialização, que a operação estava amparada pelo diferimento, nos termos do artigo 95 do item 10 do RICMS/2008. Entretanto, após análise mais detalhada, julga que a operação, em verdade, ocorreria sob a suspensão de que trata o “caput” do artigo 299 do mesmo Regulamento, haja vista que a inaplicabilidade dessa suspensão estaria restrita ao beneficiamento, conforme previsto na alínea “d” do § 1º desse artigo.

Assim interpreta por considerar que o processo ao qual é submetida a cana-de-açúcar é a industrialização propriamente dita, já que sua transformação resulta em espécie nova, o álcool etílico hidratado carburante, distinguindo-se do beneficiamento, que tão somente aperfeiçoa, altera o funcionamento, o acabamento ou a aparência do produto, não modificando sua característica principal.

Indaga se seu último entendimento está correto.

RESPOSTA

De início, esclarece-se que o RICMS/2008 - Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto n. 1.980, de 21 de dezembro de 2007, foi revogado com a entrada em vigor do RICMS/2012 - Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto n. 6.080, de 28 de setembro de 2012, e que as disposições dos artigos 95 e 299 do RICMS/2008, mencionados pela consulente, estão atualmente previstas, respectivamente, nos artigos 107 e 334 do atual Regulamento.

Transcreve-se a legislação atualmente em vigor

(RICMS/2012):

Art. 105. Há suspensão do pagamento do imposto (art. 19 da Lei n. 11.580/1996):

...

VII - nas remessas para industrialização ou para conserto, nos termos dos artigos 334 a 341;

Art. 106. O pagamento do imposto em relação às mercadorias arroladas no art. 107, fica diferido para o momento em que ocorrer uma das seguintes operações (artigos 18 e 20 da Lei n. 11.580/1996):

...

VI - saída promovida pelo estabelecimento industrializador, de produto resultante da industrialização de mercadorias cuja entrada tenha ocorrido sob a égide do diferimento.

...

§ 3º Para fins do disposto no inciso VI, do "caput", considera-se industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade da mercadoria, ou a aperfeiçoe para o consumo.

Art. 107. Sem prejuízo das disposições específicas previstas neste Regulamento, são abrangidas pelo diferimento as seguintes mercadorias:

...

9. cana-de-açúcar;

§ 1º Fica igualmente diferido o pagamento do imposto nas operações a seguir mencionadas:

...

III - nas operações internas, no retorno da mercadoria ou bem recebido para industrialização, nas condições estabelecidas no art. 334, referente à parcela do valor agregado, para o momento em que ocorrer a saída ou a transmissão de propriedade do produto resultante da industrialização, promovida pelo estabelecimento do contribuinte autor da encomenda;

Art. 115. Na operação interna de remessa de produtos sujeitos ao diferimento para industrialização em outro estabelecimento e posterior retorno à origem, aplicar-se-ão:

I - as regras da suspensão do pagamento do imposto, previstas no inciso VII do "caput" do art. 105, quando o produto resultante da industrialização não estiver amparado pelo diferimento;

II - as regras deste Capítulo, quando o produto resultante da industrialização estiver, também, amparado pelo diferimento.

Art. 334. É suspenso o pagamento do imposto nas operações internas ou interestaduais, na saída e no retorno, de bem ou mercadoria remetida para conserto ou industrialização, promovida por estabelecimento de contribuinte, sob a condição de retorno real ou simbólico ao estabelecimento remetente, no prazo de até 180 dias, contados da data da saída (Convênio AE 15/1974; Convênios ICM 01/1975 e 35/1982 e Convênios ICMS 34/1990 e 151/1994).

§ 1º O disposto no "caput" não se aplica:

...

b) quando a operação interna de retorno real ou simbólico da mercadoria objeto da industrialização estiver ainda sujeita às normas relativas ao diferimento, nos termos do inciso II do art. 115;

...

d) na saída de produto primário para fins de beneficiamento;

e) no retorno de álcool etílico combustível anidro ou hidratado.

§ 2º Em relação ao valor agregado na industrialização, aplica-se o diferimento previsto no inciso III, do § 1º do art. 107.

O Regulamento do ICMS não apresenta definição para o beneficiamento. Subsidiariamente, a legislação federal, mais especificamente o Regulamento do IPI aprovado pelo Decreto n.  7.212/2010, assim define a industrialização nas modalidades de transformação e de beneficiamento:

Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único):

I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);.

Vê-se, logo, que a obtenção de álcool a partir da cana-de-açúcar de fato não está conceituada como beneficiamento, mas como transformação. Dessa maneira, como bem arrazoa a consulente, não prevalece, para o caso em exame, o impedimento do art. 334, § 1º, alínea “d” do RICMS/2012 (art. 299, § 1º, alínea “d” do RICMS/2008).

Verifica-se, contudo, que é obstada a aplicação da suspensão do pagamento do imposto no retorno de álcool etílico combustível anidro ou hidratado por outro dispositivo, qual seja a alínea “e” do § 1º do mesmo artigo 334 do RICMS/2008.

Como se observa, relativamente aos dispositivos mencionados, a previsão da referida alínea “e” é pontual e específica, além de apontar exclusivamente para o retorno do álcool e não para a remessa da cana-de-açúcar (mesmo porque, hipoteticamente, da sua industrialização poderia resultar o açúcar), de maneira que sua especificidade vai além daquela definida no artigo 115 do RICMS/2012 (artigo 103 do RICMS/2008).

Portanto, o retorno de álcool etílico combustível anidro ou hidratado, produzido por terceiro a partir de cana-de-açúcar remetida com tal finalidade, é sujeito à tributação normal, assim e aqui considerada aquela que não é objeto de suspensão, como também de diferimento.

Nesse sentido, importa ressaltar que o diferimento é uma modalidade de substituição tributária, sendo a responsabilidade pelo recolhimento do imposto transferida para a etapa seguinte de comercialização ou industrialização e para o seu respectivo sujeito passivo da obrigação tributária, o que não mantém compatibilidade com as situações de remessa de mercadorias para industrialização por terceiros, exceto se o produto resultante for também amparado pelo diferimento (art. 115, inc. II do RICMS/2012).

Dessa maneira, ainda que incluída a cana-de-açúcar no rol das mercadorias sujeitas ao diferimento do imposto, conforme artigo 107, item 9, do RICMS/2012 (artigo 95, item 10, do RICMS/2008), não é esse cabível na hipótese deremessa para industrialização por terceiros com retorno de produto não diferido, estando, nessa questão, correto o entendimento da consulente, tal qual quanto a não se tratar da modalidade de beneficiamento a industrialização em análise.

Convém enfatizar, apenas a título ilustrativo, que mesmo se a cana-de-açúcar pudesse ser remetida sob diferimento a operação de retorno do produto resultante também ocorreria com débito do imposto, segundo determinação do artigo 106, inciso VI, do RICMS/2012 (artigo 94, inciso VI, do RICMS/2008).

Esclarece-se, também, que o diferimento do valor agregado nas operações internas de industrialização para terceiros, de que trata o inciso III do § 1º do art. 107 do RICMS/2012 (art. 95, § 1º, alínea “c”, do RICMS/2008), também não é cabível no retorno do álcool fabricado com a cana-de-açúcar remetida, tendo em vista que sua aplicabilidade é atrelada ao atendimento às condições do artigo 334 do RICMS/2012, o que não ocorre quando o produto resultante da industrialização é o produto especificado na alínea “e” do § 1º desse artigo.

Assim, as operações delineadas pela consulente devem ocorrer sob suspensão do pagamento do imposto na remessa da cana-de-açúcar, mas serem integralmente tributadas e com débito do imposto nas operações tanto de retorno do álcool industrializado quanto do retorno simbólico da matéria-prima.

As orientações aqui descritas pressupõem o atendimento a todas as demais disposições da legislação tributária e não admitem ilações extensivas para além da especialidade do caso examinado.

Por derradeiro, frisa-se que, a partir da ciência desta, terá a consulente, em observância ao artigo 664 do RICMS/2012, o prazo de até quinze dias para adequar, no que couber, os seus procedimentos eventualmente já realizados ao que foi aqui esclarecido, no caso de que os tenha praticado diversamente.

É o entendimento do Setor Consultivo.