Solução de Consulta COTRI nº 3 DE 13/03/2023
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 16 mar 2023
ICMS. Associação sem fins lucrativos constituída em decorrência de obrigação prevista em edital. A distribuição, a título gratuito, de equipamentos para viabilizar a redistribuição de canais de TV e RTV não materializa fato gerador de ICMS, ao passo que a associação não se enquadra como contribuinte de ICMS, nos termos do art. 2º c/c o art. 12 do RICMS/DF.
ICMS. Associação sem fins lucrativos constituída em decorrência de obrigação prevista em edital. A distribuição, a título gratuito, de equipamentos para viabilizar a redistribuição de canais de TV e RTV não materializa fato gerador de ICMS, ao passo que a associação não se enquadra como contribuinte de ICMS, nos termos do art. 2º c/c o art. 12 do RICMS/DF.
I - Relatório
1. Pessoa jurídica de direito privado, estabelecida em São Paulo/SP, apresentou Consulta abrangendo o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, regulamentado neste território pelo Decreto nº 18.955, de 22 de dezembro de 1997 (RICMS/DF).
2. Relata o Consulente que é uma Associação formada pelas empresas Claro S.A, Telefônica S.A e TIM S.A, conjuntamente denominadas "empresas vencedoras" do leilão 5G, atuando com o CNAE 94.99-5-00 - "Atividades associativas não especificadas anteriormente".
3. Narra que a ANATEL realizou o leilão relativo à outorga de autorização de uso da tecnologia móvel 5G referente às radiofrequências nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz. Como atualmente essas faixas estão ocupadas por serviços de radiofusão, informa que, segundo o Edital de Licitação nº 1/2021-SOR/SPR/CD-ANATEL, as obrigações das empresas vencedoras incluem o ressarcimento do custo de redistribuição de canais de TV e RTV, atividade conhecida como "limpeza de faixa", sendo necessária a constituição de uma pessoa jurídica para tanto. Nesse sentido, foi criada a EAF - ASSOCIAÇÃO ADMINISTRADORA DA FAIXA DE 3,5 GHZ, na forma de associação sem fins lucrativos.
4. Assim, em linhas gerais, indica que as empresas vencedoras são responsáveis pelo ônus financeiro da migração da recepção do sinal de televisão aberta por meio de antenas parabólicas na banda C satelital para a Banda Ku, o que inclui a distribuição gratuita de kits da banda Ku para os usuários.
5. Comunica que, na primeira fase da operação, cabe a EAF a entrega dos equipamentos às famílias cadastradas nos programas sociais do Governo Federal localizadas nas capitais brasileiras. Para tal fim, identificou fabricantes/vendedores desses equipamentos em diversos estados brasileiros.
6. Aduz que contará com um Centro de Distribuição, o qual será responsável pelo recebimento e estocagem dos equipamentos adquiridos em operações interestaduais que posteriormente serão encaminhados aos beneficiários, mediante recibo (termo de declaração de envio de mercadoria).
7. Ciente da Emenda Constitucional nº 87/2015, entende não ser contribuinte de ICMS, argumentando que a aquisição de equipamentos para distribuição a título gratuito, em cumprimento de cláusula prevista em Edital de Licitação, não configura operação de circulação de mercadoria. Isso porque não há ato ou negócio oneroso e os equipamentos não se caracterizam como mercadoria.
8. Transcreve trechos de esclarecimentos proferidos por outras Unidades Federativas na ocasião da distribuição do 4G no Brasil juntamente com manifestações de São Paulo e da Bahia acerca da operação atual da EAF.
9. Diante do exposto, apresenta os seguintes questionamentos:
a) É correto afirmar que, as operações de distribuição a título gratuito de produtos mencionados acima, em cumprimento a obrigação editalícia, estão fora da incidência do ICMS, devendo a Consulente ser caracterizada como não contribuinte do ICMS?
b) É correto afirmar que a Consulente, no cumprimento dessa obrigação editalícia, está desobrigada de emitir nota fiscal eletrônica (NF-e) na entrega dos equipamentos aos beneficiários dos programas sociais, a qual poderá ser realizada unicamente por meio de documento interno (romaneio e recibo - termo de termo de declaração de envio de mercadoria)?
c) É correto afirmar que a Consulente, no cumprimento dessa obrigação editalícia, está desobrigada de cumprimento das obrigações acessórias como a Escrituração Fiscal Digital do ICMS (EFD-fiscal) e a Guia de Informação e Apuração (GIA), e a emissão de GNRE Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais?
e) Em caso de questionamento nas fiscalizações (barreiras fiscais do estado), como proceder?
II - Análise
10. De início, registra-se que a análise da matéria consultada está plenamente vinculada à legislação tributária.
11. Em análise de recebimento da Consulta, a Gerência de Programação Fiscal - GEPRO, subordinada ao Centro de Gestão de Malha e Programação Fiscal - CEMPRO, atestou que o Consulente não se encontrava sob ação fiscal (Documento SEI nº 104225408). Todavia, tendo-se em conta o início da fase de análise do mérito da matéria arguida, cabe à Gerência de Esclarecimento de Normas (GEESC) a análise da (in) admissibilidade da Consulta Tributária, mormente em atenção ao disposto no inciso IV do art. 56 da Lei ordinária distrital nº 4.567/2011, cuja análise não cabe àquele órgão.
12. A matéria envolve pedido de posicionamento fiscal da Gerência de Esclarecimento de Normas, desta Subsecretaria, quanto à existência de fato gerador de ICMS e à caracterização do Consulente como contribuinte ou não de ICMS nas operações que pratica, bem como quanto ao cumprimento dos deveres instrumentais correlatos.
13. O Consulente relata ser entidade autônoma, desvinculada das empresas que o constituíram, se apresentando na forma de associação sem fins lucrativos. Embora na inicial faça menção a diversas obrigações que lhe foram atribuídas pelo edital de licitação pública, não apresentou o Estatuto Social com a indicação de seu objeto social. Em todo caso, considerando as atribuições da EAF previstas no edital e as indagações feitas, ressalta-se que a presente resposta está adstrita à atividade de distribuição gratuita dos denominados "kits da banda Ku", no âmbito da redistribuição dos canais de TV e RTV (limpeza de faixa).
14. O art. 12 do RICMS/DF assim define o contribuinte de ICMS:
Art. 12. Contribuinte do imposto é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (Lei nº 1.254, de 8 de novembro de 1996, art. 22).
§ 1º É também contribuinte:
I - a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
a) importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja sua finalidade
b) seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior
c) adquira, em licitação pública, mercadoria ou bem importados do exterior, apreendidos ou abandonados
d) adquira energia elétrica ou petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, oriundos de outra unidade federada, quando não destinados à comercialização ou à industrialização
e) na condição de arrendadora, realize operação de arrendamento mercantil
II - o remetente ou prestador localizado em outra unidade federada nas operações e prestações interestaduais com bens ou serviços de que trata o art. 48, II, em relação à diferença referida no citado artigo.
§ 2º A condição de contribuinte independe de encontrar-se a pessoa regularmente constituída ou estabelecida, inclusive para os efeitos do art. 20, bastando que configure unidade econômica que pratique as operações ou prestações definidas neste Regulamento como fatos geradores do imposto (Lei nº 1.254, de 8 de novembro de 1996, art. 22, § 2º).
15. A despeito das hipóteses previstas no inciso I do § 1º que não se relacionam à situação em análise, observa-se que a presença do intuito comercial é condição para o surgimento da figura do contribuinte de ICMS, na circulação de mercadorias.
16. A distribuição dos kits banda Ku, que permitem a migração da recepção do sinal de televisão aberta, ocorre de forma gratuita por associação sem fins lucrativos, a fim de propiciar a limpeza de faixa necessária para a prestação dos serviços licitados pelas empresas que a constituíram, em adimplência à cláusula editalícia. Diante desse contexto, tem-se que a aquisição e a entrega desses equipamentos não configuram prática comercial, que pressupõe a finalidade de obtenção de lucro, pelo que se denota que essas operações, por si só, não caracterizam o Consulente como contribuinte.
17. No mesmo sentido, para fins de incidência de ICMS, a movimentação dos kits banda Ku, na saída dos Centros de Distribuição até as residências das famílias beneficiárias, não se alinha à noção de "circulação de mercadoria" contida no RICMS/DF, abaixo transcrito:
Art. 2º O imposto incide sobre (Lei nº 1.254/1996, art. 2º):
I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em qualquer estabelecimento, incluídos os serviços prestados;
(.....)
18. É cediço que a classificação de uma operação como de circulação de mercadoria traz como critério o efetivo ato de mercancia, inserido no contexto da realização de negócios jurídicos, com a transferência de titularidade do bem.
19. No dizer de Ataliba e Cleber Giardino, citados por José Eduardo Soares de Melo, a circulação que qualifica as operações tributadas pelo ICMS significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica) (ICMS: Teoria e Prática. 10. Ed. Dialética. p. 14).
20. Embora possam deter a posse temporária de alguns equipamentos provedores de "Limpeza de Faixa", os usuários não lhes têm poder de disposição, que se resolve na pessoa do Consulente, evidenciando que não há troca de titularidade. Ao mesmo tempo, a entrega desses equipamentos não manifesta cunho mercantil, ante a ausência de transação comercial. Por tais razões, constata-se a inexistência de circulação de mercadoria que suscite a incidência do ICMS.
21. Por sua vez, cabe acrescentar que as aquisições interestaduais dos kits de fabricantes/revendedores, a serem recebidos e estocados nos Centros de Distribuição, se submetem às disposições da Emenda Constitucional nº 87/2015, atraindo o recolhimento de ICMS à Unidade Federativa destinatária, pelo diferencial de alíquota. Nesse caso, o Consulente é consumidor final, não contribuinte, contanto que não desenvolva outras atividades aptas a qualificá-lo como contribuinte.
22. Sobre o tema, recomenda-se a leitura da Solução de Consulta nº 16 de 21.20.2016, publicada no DODF em 07.11.2016 na ocasião da distribuição de equipamentos para a implantação da tecnologia 4G, cuja ementa abaixo se reproduz:
ICMS. Associação civil sem fins lucrativos, constituída por pessoas jurídicas autorizadas à prestação de Serviço Móvel Pessoal - SMP e vencedoras de licitação agenciada por órgão federal e regulador do setor de comunicações. A distribuição pela Associação, a título gratuito, de equipamentos que atenuam ou eliminam interferências prejudiciais aos sinais de TV e RTV, plenamente dissociada da prestação de qualquer serviço de comunicação não materializa fato gerador do imposto. Por outro lado, os atos de importar esses equipamentos ou posteriormente vendê-los, como sucata ou saída do ativo permanente antes de decorridos doze meses de sua aquisição, atraem, induvidosamente, a incidência do ICMS, hipótese que coloca quem os pratica como contribuinte do imposto, sujeito, pois, às imposições da legislação tributária de regência.
23. Diante disso, tem-se que a realização de operações de distribuição dos kits da banda Ku (aquisição e entrega), em vista de obrigação inserta em edital, por si só, não tem o condão de designar o Consulente como contribuinte de ICMS, ao passo que a entrega desses equipamentos às residências beneficiárias está fora do campo de incidência do imposto.
24. Por fim, salienta-se que as indagações do Consulente afetas às obrigações instrumentais no trânsito dos equipamentos no Distrito Federal não configuram dúvida sobre a interpretação e a aplicação da legislação tributária, fugindo das atribuições institucionais desse órgão consultivo. Nesse sentido, recomenda-se ao Consulente acessar a página eletrônica desta Subsecretaria de Receita, no endereço eletrônico https://www.receita.fazenda.df.gov.br/, dirigindo-se ao link "Atendimento Virtual", para interagir com o setor competente que irá orientá-lo a respeito dessas questões de natureza procedimental e de eventuais obrigações acessórias a serem observadas.
III - Conclusão
25. Em atenção às indagações apresentadas pelo Consulente, informa-se que:
(a) Não incide ICMS na entrega de kits de recepção da banda Ku, a título gratuito, a famílias beneficiadas residentes no Distrito Federal, em cumprimento a obrigação editalícia, ao passo que o Consulente não se caracteriza como contribuinte de ICMS.
(b) Sim. Dada a ausência de fato gerador de ICMS, o Consulente está desobrigado a emitir nota fiscal eletrônica (NF-e) na entrega de kits de recepção da banda Ku aos beneficiários dos programas sociais residentes no Distrito Federal, podendo fazê-la com base em documentos internos.
(c) Sim. Dada a ausência de fato gerador de ICMS, o Consulente está desobrigado ao preenchimento da Escrituração Fiscal Digital do ICMS (EFD-fiscal) e da Guia de Informação e Apuração (GIA), bem como à emissão de GNRE (Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais) na distribuição de kits de recepção da banda Ku aos beneficiários dos programas sociais residentes no Distrito Federal, fato que não afasta a observância a eventuais outras obrigações acessórias que tenham suporte normativo próprio.
(e) Prejudicada. Vide item 24.
A presente Consulta é eficaz, nos termos do disposto art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração superior;
Brasília/DF, 13 de março de 2023./
LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA
Auditora Fiscal da Receita do DF
De acordo.
Encaminhamos à análise desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 13 de março de 2023
ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 5 de julho de 2022, página 4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565, de 25 de junho de 2014.
Brasília/DF, 13 de março de 2023
DAVLINE BRAVIN SILVA
Coordenação de Tributação Coordenadora