Solução de Consulta COTRI nº 22 DE 29/09/2022

Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 04 out 2022

ICMS. Transporte Intermunicipal e Interestadual. Veículo próprio. Estabelecimentos transportador e remetente pertencentes ao mesmo titular. Relação Matriz-Filial. Não-incidência.

I - Relatório

1. Pessoa jurídica de direito privado, estabelecida nesta Unidade Federada, apresenta Consulta abrangendo o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, regulamentado neste território pelo Decreto nº 18.955 , de 22 de dezembro de 1997 (ICMS).

2. Na id 91053864, a consulente aduz a respeito das obrigações principal e acessória atinentes à prestação de serviços de transporte interestadual, vejamos:

"Entende a CONSULENTE que o transporte efetuado por veículo registrado em nome de qualquer estabelecimento seu, não configura prestação de serviço de transporte e, portanto, não há de se falar em emissão de CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico), nem mesmo em incidência do ICMS."

3. Como decorrência, argumenta em favor da não existência do liame obrigacional tributário, seja principal ou acessório.

4. Para tanto, traz à colação as disposições do Código Civil acerca do conceito amplo de estabelecimento, bem como entendimento de órgãos consultivos de outros Fiscos, que corroborariam sua argumentação.

5. Nessa toada, faz as seguintes indagações, "ipsis litteris":

"a) Entende a CONSULENTE, que o patrimônio da empresa abrange todos os seus estabelecimentos, em todos os Estados, sendo assim, é considerado veículo próprio todos os veículos registrados em nome de quaisquer estabelecimentos da empresa?

b) A CONSULENTE ao utilizar sua própria frota de veículos registrados em Filiais estabelecidas em outros Estados, para realizar o transporte de cargas com início em sua Filial no Distrito Federal para clientes estabelecidos em outro Estado, está dispensada a emissão de CT-e por essas Filiais transportadoras, e não haverá incidência do ICMS? "

6. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta SEEC para as providências formais cabíveis.

7. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.

II - ANÁLISE - Fundamentação

8. Registre-se que a autoridade fiscal manifesta-se nos autos plenamente vinculada aos estritos preceitos da legislação tributária do Distrito Federal.

9. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.

10. Vencida essa observação inicial, considerando as prescrições do art. 109 do Código Tributário Nacional , colimamos a adequada relação entre o Direito Tributário e o Direito Privado. Nesse aspecto, averiguamos a forma jurídica do serviço de transportes, usada "in casu", confrontando-a com a essência econômica do ato (art. 109, parte final, do CTN):

"Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários."

11. De plano, convém destacar a diferença semântico-jurídica adotada para o conceito de estabelecimento, à luz da Legislação Distrital e do Código Civil/2002.

12. Assim, segundo o Decreto nº 18.955/1997 :

"Art. 19. Para efeitos deste Regulamento, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte (Lei nº 1.254 , de 8 de novembro de 1996, art. 23 ):

(.....)

II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular, relativamente à inscrição no CF/DF, à manutenção de livros e documentos fiscais, bem como sua escrituração e emissão, à apuração e ao pagamento do imposto, salvo disposição em contrário deste Regulamento;

(.....)

IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular."

13. Já, segundo o Código Civil/2002, em seu art. 1142:

"Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. (Vide Lei nº 14.195, de 2021)

§ 1º O estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual. "

14. Assim, a despeito da determinação de autonomia do estabelecimento, disposta no inciso II do art. 19 do Decreto nº 18.955/1997 , cabe apontar que esta autonomia está adstrita aos efeitos ali apresentados, os quais buscam a otimização e racionalização da administração tributária, sem o fito ou a possibilidade de modificar a regra-matriz legal do ICMS.

15. Além disso, quando utilizarmos a expressão "estabelecimento", faremo-lo no sentido aplicado pela Legislação Distrital, qual seja: local onde se realizam as atividades objeto de análise.

16. Da mesma maneira, o conceito de empresa é divergente. Segundo os cânones civilistas, a empresa corresponde à atividade exercida pelo empresário ou pela sociedade empresária. Já nos termos da Legislação Distrital, o conceito de empresa é interpretado como sinônimo de empresário ou sociedade empresária, sujeito passivo da relação jurídico-tributária, ou seja, contribuinte.

17. Dessa forma, o termo "empresa" aqui utilizado estará atrelado ao significado da Legislação do DF, qual seja: contribuinte.

18. De outro ponto, cabe destacar que a Legislação Distrital tanto apresenta a ideia de não subsunção do serviço de transporte intermunicipal e interestadual, quando o remetente e o transportador forem apenas uma só empresa, conforme se depreende do art. 36, inciso II, b; como indica a possibilidade de sua incidência, quando houver a existência de dois estabelecimentos distintos (remetente e transportador), denotando diferentes empresas, pertencentes ao mesmo titular, havendo, inclusive, medidas a serem adotadas em caso de excesso de cobrança (art. 43), vejamos os artigos citados:

"Art. 36. Integra a base de cálculo do ICMS, inclusive na hipótese do inciso II do art. 34 (Lei nº 1.254/1996 , art. 8º , 'caput')":(NR);

I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;

II - o valor correspondente a:

(.....)

b) frete, quando o transporte, inclusive o realizado dentro do Distrito Federal, for efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem, e for cobrado em separado.

Art. 43. Quando o valor do frete, cobrado por estabelecimento pertencente ao mesmo titular da mercadoria ou por outro estabelecimento de empresa que com aquele mantenha relação de interdependência, exceder os níveis normais de preços em vigor, no mercado do Distrito Federal, para serviço semelhante, constantes de tabelas elaboradas pelos órgãos competentes, o valor excedente será havido como parte do preço da mercadoria."

19. Nessa esteira, convém analisar a correta subsunção do transporte realizado "in casu": se adequada ao art. 36, ou seja, com a existência de apenas uma empresa; ou ao art. 43, com a existência de mais de uma empresa, ainda que de mesmo titular.

20. Considerando que o regulamento do ICMS/DF não apresenta uma definição exata do que seria um serviço, buscamos auxílio do entendimento dos Tribunais Superiores, para os quais a prestação de serviços está relacionada ao oferecimento de uma utilidade para outrem (bilateralidade), a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro (onerosidade, direta ou indireta), podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador.

21. De modo indireto, o Decreto nº 18.955/1997 nos mostra os princípios consagrados pela jurisprudência. Vejamos a bilateralidade e onerosidade, por exemplo, no art. 163-A:

"163-A. Para efeito de aplicação desta legislação, em relação à prestação de serviço de transporte, considera-se:

(.....)

III - tomador do serviço, a pessoa que contratualmente é a responsável pelo pagamento do serviço de transporte, podendo ser o remetente, o destinatário ou um terceiro interveniente;"

22. Ainda, nas palavras de Leandro Paulsen (Paulsen, Leandro. Curso de Direito Tributário.ed. Seraiva.2019.p.390):

"Mas a base econômica não é o transporte em si; é, isto sim, o "serviço" de transporte. Desse modo, exige-se a contratação onerosa para ensejar a incidência do imposto. O transporte realizado por uma empresa em veículo próprio para levar bens ou mercadorias de um a outro dos seus estabelecimentos ou mesmo para entregar mercadorias aos clientes que as tenham adquirido não se sujeita à incidência do imposto"

23. Ratificando o entendimento, conforme adverte Roque Carrazza (CARRAZZA, Roque Antônio.ICMS.16.ed.são Paulo: Malheiros, 2012, p. 216): "a eventual existência de várias inscrições estaduais não tem o condão de desvirtuar a regra-matriz constitucional do ICMS em exame. Simples controles administrativos não podem atropelar direitos dos contribuintes, dando 'autonomia fiscal' a estabelecimentos de uma mesma empresa"

24. No que tange ao conceito de veículo próprio, trazemos à lume o § 1º do art. 96 do Decreto nº 18.955/1997 :

"Considera-se veículo próprio, além daquele registrado em nome do prestador do serviço, o utilizado em regime de locação ou forma similar."

25. Cabe destacar que o registro de veículos está ligado ao CNPJ da empresa, sendo, portanto, indiferente a existência de diversos cadastros fiscais CF/DF para estabelecimentos do mesmo titular (inciso II do art. 19 do Decreto nº 18.955/1997 ).

26. Nessa toada, na situação em análise, a carga transportada não é alheia, uma vez que a Consulente e suas filiais, as quais operam sob uma única raiz básica de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ, pertencem à mesma empresa, o que, aliás, desemboca no fato de o veículo transportador ser próprio, quer se considere a figura do transportador ou a do remetente.

27. Nesse giro, com exceção do destinatário, todas as "partes" desse transporte de cargas, com veículo próprio, seriam representadas pela mesma empresa (contribuinte com um único CNPJ), com exceção do tomador, que simplesmente não existiria, já que ninguém pagaria a si mesmo, vejamos:

"163-A. Para efeito de aplicação desta legislação, em relação à prestação de serviço de transporte, considera-se:

I - remetente, a pessoa que promove a saída inicial da carga;

II - destinatário, a pessoa a quem a carga é destinada;

III - tomador do serviço, a pessoa que contratualmente é a responsável pelo pagamento do serviço de transporte, podendo ser o remetente, o destinatário ou um terceiro interveniente;

IV - emitente, o prestador de serviço de transporte que emite o documento fiscal relativo à prestação do serviço de transporte."

28. Ademais, o Regulamento do ICMS/DF prevê a hipótese de incidência do ICMS sobre os transportes interestaduais da seguinte maneira:

"Art. 2º O imposto incide sobre (Lei nº 1.254/96 , art. 2º ): (.....)

II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;"

29. A leitura dos dispositivos citados merece interpretação sistemática. Nesse sentido, segundo o Desembargador Federal Sergio Feltrin Corrêa (" Código Tributário Nacional Comentado", 1999, p.461):

"Visa o processo sistemático de interpretação atingir o sentido da regra jurídica, a posição desta na lei e finalmente, seu relacionamento com todo o conjunto. Portanto, aqui, descabe interpretar qualquer determinação legal de forma isolada, mas sim levando em conta a totalidade do texto legal em que se situe."

30. Dessa forma, de modo central, a prestação se serviço, consubstanciada no inciso II do art. 2º do Decreto nº 18.955/1997 , depende da bilateralidade e onerosidade, as quais não se apresentam "in casu", já que não há prestação de serviço a si mesmo.

31. Portanto, o fato de o veículo utilizado ser próprio e dos estabelecimentos envolvidos guardarem a relação Matriz-Filial (mesma raiz de CNPJ) faz com que haja uma confusão entre as figuras do remetente e do transportador, atraindo para a situação fática a incidência do art. 36 , inciso II, b do Decreto nº 18.955/1997 , não havendo, assim, subsunção à hipótese de incidência de serviço de transporte intermunicipal e interestadual, prevista no inciso II do art. 2º do Decreto nº 18.955/1997 .

32. Repise-se que eventual valor cobrado do destinatário, a título de frete, deve ser incorporado ao ICMS, nos termos do art. 36 , inciso II, b, do Decreto nº 18.955/1997 .

33. Em arremate, eventuais dúvidas adicionais procedimentais devem ser dirigidas ao Atendimento Virtual, disponível no endereço eletrônico https://www.receita.fazenda.df.gov.br/, que poderá orientá-lo.

III - Conclusão - Resposta

34. Ante o exposto, o transporte intermunicipal e interestadual de carga própria, realizado por estabelecimento pertencente ao contribuinte titular do estabelecimento remetente, com veículos próprios, não se caracteriza como uma prestação de serviço, quando os estabelecimentos envolvidos possuírem a mesma raiz de CNPJ, ou seja, houver a relação matriz-filial.

35. Concluindo-se pela ausência de prestação de serviços de transporte na situação exposta, não há que se falar na incidência de ICMS e nem na emissão de CT-e.

36. Em resposta à consulente:

a) Entende a CONSULENTE, que o patrimônio da empresa abrange todos os seus estabelecimentos, em todos os Estados, sendo assim, é considerado veículo próprio todos os veículos registrados em nome de quaisquer estabelecimentos da empresa?

Resposta: considera-se veículo próprio o registrado em nome de uma mesma empresa, seja estabelecimento matriz ou filial. Assim, é necessário que a raiz do CNPJ seja a mesma.

b) A CONSULENTE ao utilizar sua própria frota de veículos registrados em Filiais estabelecidas em outros Estados, para realizar o transporte de cargas com início em sua Filial no Distrito Federal para clientes estabelecidos em outro Estado, está dispensada a emissão de CT-e por essas Filiais transportadoras, e não haverá incidência do ICMS?

Resposta: o transporte intermunicipal e interestadual de carga própria realizado por estabelecimento pertencente ao contribuinte titular do estabelecimento remetente, com veículos próprios, não se caracteriza como uma prestação de serviço, quando os estabelecimentos envolvidos possuírem a mesma raiz de CNPJ, ou seja, houver a relação matriz-filial.

37. Nesse sentido, como a situação fática descrita não importa a prestação de serviço, não há subsunção da hipótese de incidência prevista no inciso II do art. 2º do Decreto nº 18.955/1997 . Portanto, não há incidência de ICMS e nem obrigação de emissão de CT-e.

38. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.

À consideração de V.S.ª.

Brasília/DF, 29 de Setembro de 2022

RODRIGO AUGUSTO BATALHA ALVES

Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal

À Coordenadora de Tributação da COTRI.

De acordo.

Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.

Brasília/DF, 29 de Setembro de 2022

ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea d do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

Esclareço que a Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Economia no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.

Brasília/DF, 29 de Setembro de 2022

DAVILINE BRAVIN SILVA

Coordenadora Substituta