Solução de Consulta COTRI nº 14 DE 21/05/2024
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 21 mai 2024
ICMS. Emenda Constitucional nº 190/2022. Antinomia aparente. Diferencial de Alíquota. Destinação física. Incidência.
PROCESSO Nº 04034-00019720/2023-15
ICMS. Emenda Constitucional nº 190/2022. Antinomia aparente. Diferencial de Alíquota. Destinação física. Incidência.
I - Relatório
1. Trata-se de Consulta formulada por pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS e legislação esparsa.
2. Na instrução processual, o Consulente, estabelecido do Distrito Federal (DF), aduz que realiza venda de mercadorias utilizadas no ramo de construção civil.
3. Destaca ainda que alguns de seus clientes não são contribuintes do ICMS e que possuem sede fora do DF.
4. Além disso, aponta que as compras são realizadas presencialmente no DF, para utilização dos materiais em obras a serem executadas no DF. Assim, caracteriza que toda a operação é efetuada dentro da circunscrição do DF e que os produtos adquiridos são aplicados e mantidos em obras no DF.
5. Nesses termos, o Consulente indaga a esta Secretaria a respeito do tratamento tributário de suas operações, senão vejamos:
"1. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e não contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria e declara que tal material será aplicado em obra no Distrito Federal, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?
1.1.. No caso apresentado no item 1, em caso do contribuinte adquirente ser não contribuinte do ICMS, deverá ser aplicado o disposto no art. 48, § 3º, do RICMS/DF , de modo que a consulente será a responsável pelo recolhimento do imposto?
2. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria e declara que tal material será aplicado em obra no Distrito Federal, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?
3. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e não contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria, sem o emprego de tais produtos em obra localizada no DF, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?"
6. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Estado de Economia para as providências formais cabíveis.
7. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.
II - ANÁLISE - Fundamentação
8. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.
9. Registre-se que a autoridade fiscal se manifesta nos autos plenamente vinculada aos estritos preceitos da legislação tributária do Distrito Federal.
10. De plano, pode-se cingir as dúvidas do Consulente na análise do caso concreto à luz da sistemática das operações albergadas pelo Regime de Diferencial de Alíquota entre entes tributantes diversos.
11. O primeiro ponto de análise consiste em identificar a natureza das operações tributadas realizadas, isto é, se as operações são consideradas internas ou interestaduais.
12. Calcados no Decreto nº 18.955/1997 (RICMS/DF), bem como na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), pode-se identificar que a condição necessária para que uma operação ou prestação seja interestadual é o fato de os intervenientes estarem estabelecidos ou domiciliados em unidades federativas diversas. Vejamos:
Lei Complementar nº 87/1996 :
"Art. 4º § 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual: (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;(Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto. (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)" (grifo nosso)
"Art. 48. É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna desta Unidade Federada e a interestadual, nas operações e prestações interestaduais que destinem:
I - bens ou serviços a contribuinte do imposto definido neste Regulamento, estabelecido no Distrito Federal, na condição de consumidor ou usuário final;
II - bens ou serviços a consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado no Distrito Federal." (grifo nosso)
13. Além disso, antes da publicação da Lei Complementar nº 190/2022 , a matéria foi abordada pela Lei Distrital nº 1.254/1996, que teve sua redação atualizada pela Lei Distrital nº 5.546/2015, a qual traz a seguinte dicção:
"Art. 20. É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual, em operações e prestações interestaduais com bens ou serviços cujo adquirente ou tomador seja consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado no Distrito Federal. (Artigo alterado(a) pelo(a) Lei 5546 de 05.10.2015)
§ 1º O disposto no caput aplica-se também na hipótese de aquisição de bens ou contratação de serviços de forma presencial. (Parágrafo acrescido(a) pelo(a) Lei 5546 de 05.10.2015)
§ 2º O recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o caput é feito pelo remetente, quando o destinatário não é contribuinte do imposto. (Parágrafo acrescido(a) pelo(a) Lei 5546 de 05.10.2015)
§ 3º O imposto de que trata o caput é também integralmente devido ao Distrito Federal no caso de o bem adquirido ou de o serviço tomado por destinatário não contribuinte do imposto, domiciliado no Distrito Federal, ser entregue ou prestado em outra unidade federada. (Parágrafo acrescido(a) pelo(a) Lei 5546 de 05.10.2015)"
14. Portanto, conforme o parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 1.254/1996 , o Distrito Federal, utilizando sua competência constitucional para legislar sobre questões tributárias, determinou que, nas vendas de mercadorias a destinatários não contribuintes do imposto, residentes no Distrito Federal, mas com entrega prevista para outra unidade federativa, seria aplicado o critério do destinatário jurídico dos bens.
15. Entretanto, segundo a doutrina, um elemento essencial na configuração das operações e prestações interestaduais é a destinação efetiva do bem ou serviço.
16. Essa característica é um corolário do princípio da destinação1, o qual teve sua positivação por meio da Lei Complementar nº 190/2022 , que alterou a Lei Complementar nº 87/1996 , vejamos:
"Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: (.....)
V - tratando-se de operações ou prestações interestaduais destinadas a consumidor final, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual: (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022)
a) o do estabelecimento do destinatário, quando o destinatário ou o tomador for contribuinte do imposto; (Incluída pela Lei Complementar nº 190, de 2022)
b) o do estabelecimento do remetente ou onde tiver início a prestação, quando o destinatário ou tomador não for contribuinte do imposto. (Incluída pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (.....)
§ 7º Na hipótese da alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, quando o destino final da mercadoria, bem ou serviço ocorrer em Estado diferente daquele em que estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente ou o tomador, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será devido ao Estado no qual efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem ou o fim da prestação do serviço. (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022)" (grifo nosso)
17. Dessa maneira, atualmente, a legislação do Distrito Federal preconiza a identificação de uma operação interestadual pela destinação jurídica dos intervenientes. Já a dicção da Lei Complementar nº 190/2022 , que alterou a Lei Complementar nº 87/1996 , aduz a necessidade de identificação da destinação física da mercadoria.
18. Como cediço, a Lei Complementar nº 87/1996 atua como norma geral de Direito Tributário, com esteio no art. 146 da Constituição Federal de 1988 .
19. Com base no cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico2, o ordenamento jurídico não pode ser analisado de modo isolado.
20. Assim, em uma análise sistemática, o conflito de normas representa uma antinomia aparente, haja vista que o critério hierárquico é determinante3.
21. Ademais, em reforço argumentativo, na ADI nº 7.158-DF, fixou-se a seguinte tese: "É constitucional o critério previsto no § 7º do art. 11 da Lei Complementar nº 87/1996 , na redação dada pela Lei Complementar nº 190/2022 , que considera como Estado destinatário, para efeito do recolhimento do diferencial de alíquota do ICMS, aquele em que efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria ou o fim da prestação do serviço, uma vez que conforme a Emenda Constitucional nº 87/2015 ."(grifo nosso). Dessa forma, trata-se de um entendimento consolidado na legislação e na jurisprudência.
22. Isso posto, atualmente, a destinação física da mercadoria é preponderante para a configuração de uma operação interestadual e dos efeitos jurídicos daí decorrentes.
III - Conclusão - Resposta
23. Pelo exposto, em resposta ao Consulente, destacamos os questionamentos apresentados:
"1. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e não contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria e declara que tal material será aplicado em obra no Distrito Federal, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?
1.1.. No caso apresentado no item 1, em caso do contribuinte adquirente ser não contribuinte do ICMS, deverá ser aplicado o disposto no art. 48, § 3º, do RICMS/DF , de modo que a consulente será a responsável pelo recolhimento do imposto?"
24. Resposta ao item 1: A destinação física da mercadoria é preponderante para a configuração de uma operação interestadual, conforme dicção do § 7º do art. 11 da Lei Complementar nº 87/1996 . Desse modo, nas aquisições no Distrito Federal em que não haja indicação de que as mercadorias serão transportadas para outro estado, tem-se uma operação interna, mesmo que o adquirente esteja estabelecido em outro estado.
Resposta ao item 1.1: Prejudicada. Como a operação descrita é interna, não se tem a figura do DIFAL e do respectivo sujeito passivo.
"2. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria e declara que tal material será aplicado em obra no Distrito Federal, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?"
25. Resposta: A venda é considerada uma operação interna. Vide itens 15 a 21 e 26.
"3. Considerando que o DIFAL é imposto incidente somente em vendas interestaduais, quando o produto vendido pela consulente, mesmo que para uma empresa adquirente e não contribuinte do ICMS sediada fora do DF, em operação de venda realizada de forma presencial dentro do seu estabelecimento no DF, na qual é o próprio adquirente quem retira e transporta a mercadoria, sem o emprego de tais produtos em obra localizada no DF, tal venda é considerada como interna ou interestadual, para fins de incidência do Diferencial de Alíquota do ICMS?"
26. Resposta: Se a mercadoria vendida é destinada a consumidor final estabelecido em outro estado, há aplicação da sistemática de uma operação interestadual, com incidência do DIFAL para o estado de destino. O fato de o próprio adquirente transportar a mercadoria não afeta a incidência do ICMS sobre as mercadorias.
27. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do RPAF.
À consideração de V.S.ª.
Brasília/DF, 08 de maio 2024
RODRIGO AUGUSTO BATALHA ALVES
Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal
1 - CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Noeses, 2011, p. 593.
2 - BECHER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2018, p. 121.
3 - Diniz, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 34 a 51.
À Coordenadora de Tributação da COTRI.
De acordo.
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 15 de maio 2024
LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.
Brasília/DF, 15 de maio de 2024
DAVILINE BRAVIN SILVA
Coordenação de Tributação
Coordenadora