Solução de Consulta COTRI nº 14 DE 05/10/2016
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 05 out 2016
ICMS. Fornecimento, por concessionária de serviço público, de água natural canalizada. Decisão em Recurso Extraordinário julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Efeitos apenas inter partes. Convênio ICMS nº 114/95, devidamente regulamentado pelo RICMS/DF. Ausente revogação, permanecem válidas e aplicáveis suas cláusulas. Redução da base de cálculo nas operações internas. Impossibilidade de extensão para as operações interestaduais dos efeitos de benefício fiscal previsto apenas para operações internas no Distrito Federal. É vedado o alargamento do alcance de benefício fiscal para contemplar situações não previstas na legislação, à época em que foi concedido. Aquisições interestaduais, para consumo final, de contribuinte estabelecido no Distrito federal. Diferencial de alíquota, de que trata a EC nº 87/2015, devido. Obrigações acessórias. Cumprimento obrigatório.
I – Relatório
1. Pessoa jurídica de direito privado, concessionária de serviço público, constituída na forma de Sociedade de Economia Mista, integrante da Administração Pública Indireta do Distrito Federal, formula consulta sobre isenção e Diferencial de Alíquota- DIFAL previsto na Emenda Constitucional (EC) nº 87, de 16 abril de 2015, em relação ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre a Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
2. Aponta que através do Convênio ICMS nº 114, de 11 de Dezembro de 1995, o Distrito Federal foi autorizado, para as operações internas com água natural canalizada, prestadas pela concessionária de serviço publico indicada, reduzir a base de cálculo do ICMS em até 100% (cem por cento).
3. Relata estar ciente de sua condição de contribuinte, não obstante haja redução de base de cálculo do ICMS para 0% (zero por cento).
4. Aduz, em sua peça, que há decisão judicial da Corte Constitucional entendendo não incidir ICMS sobre o fornecimento de água tratada por concessionárias de tal serviço público. Anexa à peça consultiva o inteiro teor do Acórdão publicado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, referente ao Recurso Extraordinário - RE 607.056/RJ, que teve a seguinte ementa:
Tributário. ICMS. Fornecimento de água tratada por concessionárias de serviço público. Não incidência. Ausência de fato gerador.
1. O fornecimento de água potável por empresas concessionárias desse serviço público não é tributável por meio do ICMS.
2. As águas em estado natural são bens públicos e só podem ser exploradas por particulares mediante concessão, permissão ou autorização.
3. O fornecimento de água tratada à população por empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria.
4. Precedentes da Corte. Tema já analisado na liminar concedida na ADI nº 567, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, e na ADI nº 2.224-5-DF, Relator o Ministro Néri da Silveira.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
5. Expõe que, em virtude do objeto já ter sido analisado em sede de repercussão geral pelo STF, diversos Estados já teriam feito alteração em suas respectivas legislações internas de modo a constar que o imposto não incidiria sobre o fornecimento de água canalizada.
6. Não obstante, informa que o Distrito Federal ainda não teria feito alteração nesse sentido. Afirma que, de acordo com a legislação atual, ainda haveria previsão do fato gerador, embora a base de cálculo encontre-se reduzida, nos moldes já relatados. Diante do fato, enquadrar-se-ia o Consulente como contribuinte do imposto.
7. Entende que tal situação não pode perdurar, porque sua condição de consumidor final e de contribuinte tem implicações em suas aquisições interestaduais no tocante ao DIFAL do ICMS. Especula, nessa ótica, que a norma distrital está em desacordo com o entendimento do egrégio STF.
8. Ao final apresenta especificamente suas indagações, as quais resumidamente são:
a) Qual ao entendimento da Secretaria de Fazenda, no que se refere à concessionária prestadora de serviço público, quanto ao tratamento e fornecimento de água natural canalizada como contribuinte do ICMS, diante do atual entendimento do STF?
b) Há obrigatoriedade de recolhimento do DIFAL do ICMS nas compras interestaduais para consumo final?
c) Há obrigatoriedade de cumprimento das obrigações acessórias impostas aos contribuintes do ICMS?
II – Análise
9. Neste primeiro momento, o estudo cinge-se em saber se a decisão tomada pelo STF - em sede de Recurso Extraordinário - RE, proveniente do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, em sede de controle difuso de constitucionalidade -, possui automaticamente o condão de afastar as normas de incidência tributária do Distrito Federal, quanto ao fornecimento de água natural tratada e canalizada, feito por concessionária de serviço público, desconsiderando, assim, aplicação de redução de base de cálculo positivada na legislação, com sua substituição pelo instituto da não incidência tributária, nos termos da decisão relatada no RE 607.056/RJ.
10. Preliminarmente, convém ratificar que o Convênio ICMS nº 114/95 encontra-se regulamentado pelo art. 7º, combinado com o Item 16 do Caderno II do Anexo I, ambos do Decreto nº 18.955, de 22 de dezembro de 1997, o Regulamento do ICMS no Distrito Federal - RICMS/DF. Ou seja, a princípio, encontra-se com vigência no mundo jurídico, tendo em vista a inexistência de expressa norma revogadora.
11. Por outro lado, ante as cogitações do Consulente, as consequências jurídicas da relatada decisão do eminente STF, em relação a terceiros, em controle de constitucionalidade difuso, merecem ser aqui enfrentadas.
12. É preciso destacar que ocorrendo declaração de inconstitucionalidade, em tese, a lei revogada continua em vigor até que seja suspensa pelo Senado Federal, conforme prevê a Constituição Federal, artigo 52, inciso X.
13. Mas a atribuição do Senado não diz respeito diretamente à legislação distrital e sim, na espécie, à legislação estadual do Estado do Rio Janeiro. No entanto, o Consulente especula a existência de efeitos jurídicos da decisão irradiados para a legislação do Distrito Federal.
14. A doutrina é aqui necessária para esclarecer:
Declarada a inconstitucionalidade da lei, o pronunciamento jurisdicional, que tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada, vale tão-só em relação às partes (inter partes) do processo que provocou a declaração, pelo que a lei continua válida em relação a terceiros.
(...)
Há ainda a possibilidade de se atribuir efeitos ampliados à decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, desde que a decisão tenha caráter transcendente
(...).
O Código de Processo Cível, em seu art. 557, parágrafo 1º-A, autoriza o Relator a dar Provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de tribunal Superior.
(...)
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – 15ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
15. A decisão do STF em controle difuso, a princípio, tem efeitos somente entre as partes. No entanto, existe a possibilidade do efeito da decisão ser ampliado, tornando-se vinculante não apenas quanto à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também quanto aos próprios fundamentos determinantes, desde que de cunho transcendentes, assim ensina o ilustre mestre citado.
16. Ocorre que na análise do inteiro teor do acórdão, relativo ao RE 607.056/RJ, não consta que o relator da Suprema Corte tenha atribuído efeito ampliativo da decisão quanto aos seus fundamentos. Logo, os seus efeitos não se irradiam para terceiros, especialmente para envolver a legislação do Distrito Federal. Nessa ótica, o status quo da legislação distrital permanece inalterado em relação ao tratamento tributário previsto para as operações com água natural canalizada, fornecida pela concessionária de serviço público, indicadas no caderno de redução da base de cálculo do RICMS/DF.
17. Avançando no enfrentamento das indagações apresentadas é o momento de verificar a incidência ou não do diferencial de alíquota DIFAL do ICMS nas operações interestaduais para uso ou consumo final do Consulente.
18. Essa forma de tributação foi prevista pela Emenda Constitucional EC nº 87/2015.
19. A autorização constitucional foi positivada pelo legislador distrital através das atualizações da Lei nº 1.254, de 8 de novembro de 1996, e do RICMS/DF.
20. A redação atual do art.20 da Lei 1.254/96 prevê:
É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual, em operações e prestações interestaduais com bens ou serviços cujo adquirente ou tomador seja consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado no Distrito Federal.
21. O art.48 do RICMS, regulamentando a matéria, dispõe:
É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna desta Unidade Federada e a interestadual, nas operações e prestações interestaduais que destinem:
I - bens ou serviços a contribuinte do imposto definido neste Regulamento, estabelecido no Distrito Federal, na condição de consumidor ou usuário final;
(...)
22. A base de cálculo foi reduzida para 0% (zero por cento) nas operações internas com água natural canalizada, promovidas pela Companhia de Água e Esgoto de Brasília – CAESB, concessionária de serviço público, nos termos do art. 7º e Item 16 do Caderno II do Anexo I, ambos do RICMS/DF, norma essa que permanece válida e vigente pelas razões acima expostas.
23. A previsão do RICMS quanto à redução da base de calculo envolve apenas operações internas, desse modo e sem maiores delongas, convém lembrar que a questão já foi enfrentada por esta Secretaria, em data posterior ao protocolo dessa peça consultiva, culminando com a emissão da Solução de Consulta - SC nº 4/2016, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal DODF nº 173, em 13 de setembro de 2016, p. 6, que teve a seguinte ementa:
ICMS. Diferencial de alíquota. Emenda Constitucional nº 87/2015. Alíquota interna aplicável quando a unidade federativa de destino for o Distrito Federal. A alíquota interna específica para o produto é de observância obrigatória. Utilizar-se-á como alíquota interna aquela da alínea c do inciso II do art. 46 do RICMS/DF, sempre que a mercadoria não se enquadrar nas demais hipóteses preditas para as operações e prestações internas. Existência de benefícios fiscais concedidos nas saídas internas de mercadorias no Distrito Federal. Impossibilidade de extensão para as operações interestaduais dos efeitos de benefício fiscal previsto apenas para saídas internas no Distrito Federal. É vedado o alargamento do alcance de benefício fiscal para contemplar situações não previstas na legislação, à época em que foi concedido.
24. Recomenda-se a leitura integral desse parecer a fim de se tomar conhecimento dos fundamentos que motivaram o posicionamento lá sedimentado.
25. Assim, tendo em vista que não é possível estender para as operações interestaduais os benefícios fiscais concedidos para as operações internas, resta inteiramente aplicável a legislação referente ao DIFAL do ICMS, cabendo ao sujeito passivo providenciar o recolhimento desse imposto.
26. Quanto à não obrigatoriedade do cumprimento de obrigações acessórias, o Consulente não apontou dispositivo na legislação que alcance a pretensão defendida. Por outro lado, o art. 76 do RICMS/DF, que reproduz o parágrafo 2º do art. 113 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, o Código Tributário Nacional - CTN, prevê:
A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização do tributo.
27. Examinando o dispositivo é possível concluir que se as prestações positivas ou negativas, impostas no interesse da arrecadação ou fiscalização de tributos, são decorrentes da legislação tributária, resta claro que o respectivo cumprimento é obrigatório.
28. Além disso, uma vez estipuladas obrigações acessórias, a respectiva dispensa ou o estabelecimento de método alternativo quanto à forma de cumpri-las caberá à Secretaria de Fazenda, nos termos do parágrafo 5º do art. 77 do RICMS/DF:
Caberá à Secretaria de Fazenda e Planejamento dispensar o cumprimento das obrigações referidas neste artigo ou estabelecer outras formas de cumpri-las.
II - Resposta
29. Diante do exposto, resume-se a resposta:
a) O beneficio fiscal do Convênio ICMS nº 114/95 concedido às operações internas do Consulente encontra-se em vigência, tendo em vista que o RICMS/DF prevê, para as operações internas com água natural canalizada, a redução de base de cálculo, conforme o art. 7º e o Item 16 do Caderno II do Anexo I, ambos daquele Regulamento, não abarcando, assim, até o momento, hipótese de não incidência para a situação apresentada.
b) Há obrigatoriedade de recolhimento do DIFAL do ICMS nas aquisições interestaduais, nos termos do art.48, Inciso I do RICMS. Os benefícios fiscais tais como reduções de base cálculo e isenções devem ser aplicados nos exatos termos previstos e positivados na legislação do Distrito Federal. Não é possível estender benefícios concedidos a operações internas para operações interestaduais, se na legislação tributária não ocorrer essa previsão.
c) Há obrigatoriedade de cumprimento das obrigações acessórias, uma vez que estas decorrem da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização do tributo, conforme art. 76 do RICMS/DF e parágrafo 2º do art. 113 do CTN.
30. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz, aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À análise do assessor da Coordenação de Tributação;
Brasília, 30 de setembro de 2016.
Geraldo Marcelo Sousa
Auditor Fiscal da Receita do Distrito Federal
Matrícula 109.188-3
À Coordenadora de Tributação da COTRI;
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer Supra.
Brasília, 30 de setembro de 2016.
Antônio Barbosa Júnior
Coordenação de Tributação
Assessor
PROCESSO Nº: 0042-001668/2016
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea a do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço nº 86, de 4 de dezembro de 2015 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 233, de 7 de dezembro de 2015).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565, de 25 de junho de 2014.
Brasília, 3 de outubro de 2016.
MÁRCIA WANZOFF ROBALINHO CAVALCANTI
Coordenação de Tributação
Coordenadora