Solução de Consulta COTRI nº 10 DE 17/05/2022
Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 19 mai 2022
Processo: 00040-00009100/2022-76
I - Relatório
1. Trata-se de consulta formulada por Pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS.
2. Na id 81516691, a consulente apresenta os termos do Agravo (REA) nº 941.463 do STF, de 07.03.2016, o qual tratou da aplicabilidade da imunidade tributária "cultural", prevista na Carta Magna, no art. 150, VI, d, aos "Cards"(Magic The Gathering, Pokémon TCG, Yu-Gi-Oh! TCG, por exemplo).
3. Em ato contínuo, apresenta a seguinte indagação: " Desta forma, faço a seguinte pergunta a Secretaria de Economia do DF, Posso segregar da minha receita o valor referente ao ICMS sobre a venda destes produtos?".
4. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta SEEC para as providências formais cabíveis.
5. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.
II - ANÁLISE - Fundamentação
6. Registre-se que a autoridade fiscal manifesta-se nos autos plenamente vinculada aos estritos preceitos da legislação tributária do Distrito Federal.
7. Cumpre também destacar que o processo de consulta se destina à elucidação quanto à interpretação de dispositivos da legislação tributária, diante de dúvida quanto à aplicação destes a fato concreto. Não se destina, portanto, à convalidação de atos praticados, nem de quaisquer das afirmativas da consulente, pois isso implicaria em análise de matéria probatória, o que é incompatível com o instituto da consulta.
8. Em análise do arcabouço jurídico do Distrito Federal acerca do tema, tanto a Lei 1.254/1996 quanto o Regulamento do ICMS/DF nº 18.955/1997 replicam as disposições de não-incidência previstas constitucionalmente (art. 150, VI, d, da CF), senão vejamos:
"O imposto não incide sobre (Lei nº 1.254 , de 8 de novembro de 1996, art. 3º ): (.....) IV - operação com livros, jornais e periódicos, bem como o papel destinado a sua impressão;"
9. Ademais, a Solução de Consulta nº 09/2022 aduz a seguinte interpretação acerca da imunidade "cultural":
" (.....) 20. De modo que, à luz das interpretações teleológicas e sistemáticas apresentadas alhures:
a) A imunidade tributária do art. 150, VI, d, da Constituição Federal (CF/1988) c/c art. 5º do Regulamento do ICMS/DF abarca o primeiro questionamento, qual seja: a) Os livros e apostilas digitais que constituem o "Conteúdo Educativo Online" estão albergados pela IMUNIDADE ESTABELECIDA no art. 150, VI, "d" da CF/1988 ?;"
10. Desse modo, tem-se que a legislação tributária distrital não trata de modo certeiro acerca de toda a carga semântica aplicável à imunidade tributária objetiva aqui debatida.
11. De outro ponto, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores caminha na seguinte interpretação teleológica e finalística a serem dadas aos livros, jornais e periódicos, bem como o papel destinado a sua impressão:
"RE 1122908, Min. Alexandre de Moraes, 02.08.2018: (.....)
Decisão
Decisão Trata-se de Recurso extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado (e-STJ, fl. 349, Vol. 3): "DIREITO TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PIS E COFINS. IMPORTAÇÃO DE ESTAMPAS ILUSTRADAS (TRADING CARD GAME). PRODUTO EQUIPARADO A LIVRO. LEIS 10.753/2003 E 10.865/2003. ALÍQUOTA ZERO. PRECEDENTES.
1. Extensa a jurisprudência do STF a respeito da necessidade de adoção de interpretação finalística dos termos em que redigida a imunização destinada aos livros, jornais e periódicos, nos termos do artigo 150, VI, d, da Constituição. Assim, a incidência da norma imunizante (em âmbito constitucional, restrita aos impostos), é vinculada menos à forma do impresso do que à compatibilização com as finalidades que a justificam - entre outros fins congêneres, a ampla e livre divulgação do conhecimento, informação, lazer, cultura e manifestação do pensamento. 2. A legislação infraconstitucional não destoa deste entendimento. A Lei 10.753/2003 , que instituiu a Política Nacional do Livro, estabeleceu, entre outras diretrizes, que o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do (.....)
O alcance do termo, tanto em nível constitucional como na legislação ordinária, é estabelecido pelos pressupostos e finalidades divisados pelo arcabouço jurídico que estrutura o trato legal da matéria. Note-se, neste tocante, que há convergência entre as linhas dirigentes da Política Nacional do Livro e as finalidades da imunização estabelecida pelo artigo 150, VI, d, da Constituição, na forma em que identificadas pelo Supremo Tribunal Federal. A estrutura hermenêutica adotada nos precedentes da Corte Suprema, portanto, é de todo pertinente ao caso dos autos. 4. As estampas ilustradas (cards) são impressos que, associando imagens e fragmentos textuais, constituem elemento integrativo de universo de ficção infanto-juvenil e, nesta medida, promovem a difusão de conteúdo lúdico e cultural, pelo que resta adequada a sua equiparação a livro, na forma do inciso II ao parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.753/2003 ('materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar'), tanto a partir da extensa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema quanto pelas diretrizes da Política Nacional do Livro. Nesta medida, restam sujeitas, presentemente."
12. Entretanto, de modo dissonante, o MANDADO DE SEGURANÇA (120) Nº 5005250-10.2018.4.03.6100/13ª Vara Cível Federal de São Paulo/, o qual teve por base o mesmo Agravo de fundamentação desta consulta (ARE 941463), dispõe sobre a impossibilidade da adoção da imunidade "cultural" de modo irrestrito a todos os "CARDS", haja vista as suas peculiaridades, vejamos:
13. "Além disso, ainda que fosse reputada pré-questionada a questão relativa à interpretação do dispositivo constitucional invocado, ainda assim poderia haver o óbice relativo à remanescer duvidosa questão de facto. Inclusive foi no sentido da inviabilidade de revolver o acervo probatório que decidiu o STF em caso muito similar (Recurso Extraordinário com Agravo Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 941463).
Nem se diga, ainda, que o aresto paradigma aplicável seria o do caso das figurinhas e do respectivo álbum (STF, RE 179893). Isso porque os cards de Magic não se relacionam, de qualquer modo, com um álbum no qual seriam coláveis. Muito pelo contrário. Enquanto jogo de cartas colecionáveis, é contra sua finalidade a sua colagem em qualquer superfície.
Por isso, entendo que, data maxima venia, inexiste lídimo precedente do STF a ser aplicado ao presente caso concreto.
Isso posto, descendo ao cerne da controvérsia aqui posta, tenho que Magic The Gathering, enquanto verdadeiro card game, é um jogo de cartas colecionáveis sem qualquer relação com livros da mesma franquia. Não apenas há a venda absolutamente desvinculada das cartas em relação a qualquer livro, como o jogo em si constitui-se universo plenamente autônomo, sem relação não apenas com livros, mas também com o Magic The Gathering disponível on-line em suas diferentes versões (Magic Online, Magic Duels, etc.).
Aliás, cumpre consignar nos autos que os livros de Magic The Gathering são bastante raros, sequer sendo regularmente vendidos em livrarias ou lojas especializadas em RPG, card games e board games.
Note-se que o próprio invoice da importação revela que a importação é de cartas, muitas, não se incluindo qualquer álbum ou livro.
A menção a álbuns e livros, ao lado dos cards, não tem correspondência alguma com a espécie de produto, servindo apenas para dar a entender que sim para atrair a imunidade cuja aplicação é perseguida.
Se a imunidade tributária emanada do art. 150, VI, d, da CF/1988 ampara o Magic, mesmo este não sendo um produto do tipo livro, mas sim cartas colecionáveis utilizadas para um jogo, então nada impede que, igualmente, além de outros card games, os board games gozem do tratamento fiscal privilegiado. Afinal, os board games também veiculam informação impressa e servem à alguma forma de educação."
14. No mesmo sentido exposto no item acima:
"APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - IMUNIDADE "CULTURAL" - ICMS - CARDS DA SÉRIE "MAGIC THE GATHERING" - Pretensão mandamental da empresa-impetrante voltada ao reconhecimento do seu suposto direito líquido e certo à imunidade tributária quanto ao recolhimento do ICMS incidente sobre a aquisição de mercadorias importadas, na forma do art. 150, VI, alínea 'd', da CF/1988 - inadmissibilidade - benefício fiscal dedicado a universalizar o acesso à cultura, além de facilitar a livre manifestação do pensamento, a liberdade de atividade intelectual, artística, científica e da comunicação, bem como o acesso à informação - proteção às garantias fundamentais estatuídas nos incisos IV, IX e XIV, do art. 5º, da CF/1988 - imunidade objetiva que atinge os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão - evolução jurisprudencial que caminhou no sentido de estender o alcance da imunidade tributária cultural a "álbuns de figurinhas" e seus respectivos "cromos", desde que apresentados como acessórios destinados à composição de um objeto principal (livro, jornal ou periódico), cuja índole não pode ser exclusivamente comercial ou publicitária - interpretação dos precedentes oriundos do E. Supremo Tribunal Federal (RE nº 101.441/SP RE nº 179.893/SP, RE nº 213.094, RE nº 221.239/SP, do RE nº 339.124/RJAgR) - irrelevância da percepção subjetiva quanto à qualidade do conteúdo informacional - hipótese dos autos em que a impetrante busca a concessão da benesse tributária sobre "cards" (cartões) que, originalmente, compunham o objeto principal de um jogo denominado "Magic The Gathering" - desenvolvimento de novos materiais da mesma série "Magic", como livros de ficção e fichários para armazenamento dos "cards" - inexistência de acessoriedade entre estes últimos e os livros de contos da série, de modo que os objetos mencionados a e-fl. 68 (rol de mercadorias importadas - todos "cards") não podem ser compreendidos no alcance da imunidade tributária cultural - julgamento proferido pelo Excelso Pretório no RE nº 656.203/SPAgR, que se limitou a reafirmar o entendimento predominante da corte quanto à imunização tributários dos "álbuns de figurinha" - não enfrentamento da questão afeta à possibilidade de extensão da imunidade aos respectivos "cards", por ausência de prequestionamento e impossibilidade de revolvimento da controvérsia fática (Enunciados nº 279, 282, 356, da Súmula do STF) - respeito aos limites do julgado, prestigiando-se o disposto no art. 489, § 1º, inciso VI, do CPC/2015 - sentença reformada - ordem de segurança revogada. Recursos, oficial e voluntário da Fazenda Estadual, providos. (TJSP, 1049409- 41.2015.8.26.0053, julgamento em 06.06.2016) "
15. Assim, pode-se observar que o tema (imunidade tributária dos "CARDS") carrega divergência relevante na esfera judicial, no que toca à extensão de sua interpretação.
16. Além disso, como cediço, os entendimentos jurisprudenciais apresentados não possuem força vinculante à Administração Pública, pois não há enunciado de súmula vinculante ou decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade acerca do tema.
17. Nessa linha, mesmo com o atual entendimento de uma interpretação mais ampla à imunidade "cultural"(vide: RE 330817, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08.03.2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 30-08-2017 PUBLIC 31.08.2017), o caso concreto em comento tem um escopo abrangente e de alcance não bem definido.
18. Isso porque o TCG (Trading Card Games), como exposto nos itens 12, 13 e 14, mostra-se uma modalidade de jogo bem ampla, que pode ir de um jogo de cartas, passando por álbuns, indo até possíveis jogos de tabuleiro.
19. Diante da complexidade e da falta de objetividade de interpretação exposta, assim como, à luz da impossibilidade de aplicação da equidade para a dispensa de pagamento de tributo, nos termos do Código Tributário Nacional , art. 108 , § 2º, IV, o TCG não se encontra alcançado pelo disposto na Lei 1.254/1996 , art. 3º , IV, d.
20. Em arremate, como a consulente também questionou a forma de operacionalização da possível imunidade, de forma educativa, indicamos que, em futuras dúvidas procedimentais, o requerente busque as ferramentas, hábeis e precisas, dispostas por esta Secretaria de Economia para auxiliar os contribuintes.
21. Neste sentido, o Atendimento Virtual, disponível no endereço eletrônico https://www.receita.fazenda.df.gov.br/, apresenta-se como a forma correta, na exata medida, para interagir com o Contribuinte e orientá-lo a respeito de suas dúvidas procedimentais relacionadas à base de cálculo aplicável aos seus fatos geradores.
III - Conclusão - Resposta
22. Pelo exposto, o TCG não se encontra alcançado pelo disposto na Lei nº 1.254/1996 , art. 3º , IV, d, de sorte que não é lídimo aplicar-lhe a imunidade tributária preconizada pela CF, no art. 150, VI, d, reproduzida pela legislação do Distrito Federal.
23. Por fim, em resposta à indagação do consulente, ele "Não pode segregar da sua receita o valor referente ao ICMS sobre vendas de tais produtos".
24. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz, aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.
À consideração de V.S.ª.
Brasília/DF, 17 de maio de 2022
RODRIGO AUGUSTO BATALHA ALVES
Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal
Ao Coordenador de Tributação da COTRI.
De acordo.
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília/DF, 17 de maio de 2022
ZENÓBIO FARIAS BRAGA SOBRINHO
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea a do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 01, de 10 de janeiro de 2018 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 08, de 11 de janeiro de 2018, páginas 05 e 06).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Economia no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.
Brasília/DF, 17 de maio de 2022
SEBASTIÃO MELCHIOR PINHEIRO
Coordenador de Tributação