Resolução CONADE nº 25 de 05/05/2004

Norma Federal - Publicado no DO em 12 mai 2004

Apresenta relatório do grupo de trabalho para analisar o Projeto de Lei nº 429/2003, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE, no uso de suas atribuições legais, respaldado na deliberação da XXXII Reunião Ordinária, realizada em 3 e 5 de maio de 2004;

Considerando as informações recebidas de Conselhos Estaduais e Municipais de que o conteúdo do Projeto de Lei em referência não está sendo efetiva e adequadamente discutido em âmbito regional com a inexistência de representatividade das entidades de e para portadores de deficiência;

Considerando o resultado do 1º Encontro Nacional de Conselhos Estaduais e Municipais, realizado em dezembro de 2003 em Brasília-DF, de rejeição ao projeto de lei por falta de efetiva discussão pública;

Considerando os conteúdos dos Projetos de Lei simultaneamente em curso junto ao Senado e à Câmara Federal;

Considerando que esse Conselho não recebeu até o momento nenhum documento em forma de substitutivo para análise; resolve:

Art. 1º Posicionar-se no sentido de referendar o parecer da Comissão Técnica, da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, (anexo) rejeitando a proposta do PLS 06/2003, PLS 429/2003 em tramitação no Senado Federal e do PL 3638/2000, PL 5491/2001 e PL 3219/2004 em tramitação na Câmara dos Deputados.

Art. 2º Comunicar seu posicionamento aos Excelentíssimos Senhores Parlamentares, aos Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, às Instituições de/para portador de deficiência e à sociedade em geral.

Art. 3º Esta Resolução entre em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ RAFAEL MIRANDA

Vice-Presidência do Conselho

ANEXO

Parecer da Comissão Técnica sobre o PLS Nº 429/2003

A Comissão Técnica especialmente instituída pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoal Portadora de Deficiência - CORDE/SEDH, por meio do Ofício Circular 001/CORDE/SEDH/PR, de 2 de março de 2004, para analisar o Projeto de Lei nº 429/2003 que trata do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de autoria do Senador Paulo Paim, em trâmite atual na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, considerando a Constituição da República e as leis existentes, entende que:

A pessoa com deficiência, ou portadora de deficiência conforme consta da Constituição da República, já se encontra inserida no sistema legal vigente, com garantias e direitos previstos, estando constituídos os órgãos responsáveis pela elaboração e articulação de políticas públicas (CORDE); articulação, acompanhamento e fiscalização da aplicação das previsões orçamentárias (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE) e fiscalização da aplicação das respectivas leis (Ministério Público). Portanto, qualquer análise que vise avaliar a oportunidade da edição de um Estatuto deve ter em conta o conteúdo e eficácia das leis existentes a saber:

7.853/89 (Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência ou Lei da CORDE);

8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores);

8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde);

8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

8.213/91 (Plano e Benefícios da Previdência Social);

8. 742/93 (Assistência Social);

9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional);

9.867/99 (Leis das Cooperativas Sociais);

10.048/2000 (Atendimento Prioritário e Transporte Acessível);

10.098/2000 (Lei da Acessibilidade);

10.097/2000 (Lei da Aprendizagem);

10.172/2001 (Plano Nacional de Educação);

8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde);

Decreto nº 3.298/99 (Regulamento da Lei nº 7.853/89);

Decreto nº 3.956/2001 (Ratificação da Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência);

Decreto nº 62.150/68 (Ratificação da Convenção 111/OIT);

Decreto nº 129/91 (Ratificação da Convenção 159/OIT).

Como regra geral verifica-se que o PLS nº 429/2003 suprime da legislação em vigor princípios gerais importantes e já conquistados, em âmbito nacional e internacional, pelas pessoas portadoras de deficiência, previstos na Constituição e na Lei nº 7.853/89, a exemplo dos títulos Política de Integração e Equiparação de Oportunidades.

Não prima o PLS pela boa técnica legislativa, sobretudo quanto à enumeração de elementos que esclareçam os conteúdos propostos, a exemplo das ajudas técnicas previstas no art. 12, § 1º, com o termo "etc", além de definir ajudas técnicas em outros artigos, de formas diversas.

Mostra desconhecer os reais conceitos de inclusão e integração social ao usá-los indiscriminadamente logo no art. 1º.

No que se refere à caracterização das deficiências o PLS é confuso e incompatível com os objetivos da própria CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade) citada, que visa "proporcionar base científica para a compreensão e o estudo da saúde e das condições relacionadas à saúde de seus determinantes e efeitos; estabelecer uma linguagem comum para a descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde para melhorar a comunicação entre diferentes usuários, tais como profissionais e saúde e usuários; permitir a comparação de dados entre países, entre disciplinas relacionadas à saúde, entre os serviços e em diferentes momentos ao longo do tempo; fornecer um esquema de codificação para sistemas de informações de saúde" (in Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, Edusp). Por outro lado, delega competência a profissionais especializados, porém não definidos, poder de caracterizar as deficiências (art. 2º).

Quanto aos objetivos, verifica-se no PLS clara restrição para a preparação de pessoal e de recursos humanos (art. 6º, III) em todos os níveis e setores, que estão devidamente regulamentados no Decreto nº 3.298/99. Por outro lado, confunde o direito individual da pessoa com deficiência, com o direito coletivo (art. 7º, IV).

Verifica-se a existência de termos incorretos e conceitos equivocados e que deveriam ser destinados à regulamentação. Na área da educação, por exemplo, no art. 21, confunde conceitos importantes como atendimento educacional especializado do portador de deficiência, constante do Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, ferindo portanto, as Leis nºs 8.069/90 e 9.394/96. Também há equívoco da previsão da educação profissional de nível básico, técnico e tecnológico, chocando-se com a LDB.

Observa-se que o PLS no art. 31 mistura procedimentos de adaptação de provas com as propostas de conteúdos e programas curriculares.

Cria despesas sem a definição de fonte geradora de custeio, a exemplo do art. 14. Cria programas sem indicar o órgão responsável pela execução, bem como a fonte de custeio, a exemplo novamente dos arts. 26 e 56, VII.

O Capítulo III, referente ao Acesso à Informação e Comunicação (art. 17), tem previsão específica na Lei nº 10.098/2000.

Percebe-se uma intencional e equivocada interferência do Estado junto ao setor privado ao comandar no art. 30, inciso IV, a publicação de obras literárias especiais sem apoio de programas de incentivos definidos.

Adota conceito de "desenho para todos", abandonando o verdadeiro conceito de "desenho universal", este sim baseado em normas técnicas internacionais, o que faz com que o PLS deturpe conceitos de normas técnicas e sua aplicação (art. 30), ocasionando alteração de todas as regulamentações já instituídas.

A habilitação e reabilitação profissional têm previsão específica na Lei nº 8.213/91, sendo que a sua ampliação para os não beneficiários, como propõe o PLS, exigiria a criação de programa específico (o que não ocorreu), com previsão e fonte de custeio.

Não obstante avançar na fixação da reserva legal de postos de trabalho, já previstos na Lei nº 8.213/91, guardando harmonia com o princípio constitucional, no acesso ao trabalho cria incompatibilidade entre o princípio do pleno emprego com a previsão de contratação imprópria via cooperativas sociais, bem como restringe a possibilidade à deficiência severa (art. 37), criando discriminação entre as diferentes áreas de deficiência. Mais adiante, veda à pessoa portadora de deficiência o requerimento de aposentadoria baseada em sua própria deficiência (art. 38, § 9º), em total falta de sintonia com a lei previdenciária. Sabido é que pode haver agravamento, por desgaste, da incapacidade oriunda da deficiência, no curso da vida.

Demonstra desconhecer as já existentes leis que prevêem as atribuições e competências dos órgãos fiscalizadores, a exemplo do art. 39, § 5º. O Ministério do Trabalho e Emprego detém e executa a tarefa aludida no artigo citado.

No que se refere ao concurso público, retira do mundo jurídico a já existente previsão de procedimentos importantes e efetivos na avaliação das pessoas com deficiência durante o estágio probatório (Decreto nº 3.298/99). Assim como, deturpa a natureza e atribuições da equipe multiprofissional (arts. 40 e seguintes).

Extingue de forma indireta e sorrateira o atual órgão governamental articulador das políticas públicas (CORDE), instituído formalmente pela Lei nº 8.753/89, que tem as competências regulamentadas pelo Decreto nº 3.298/99. Define a criação de órgão deliberativo, já existente e previsto na Lei nº 10.683/2003, o CONADE, com competências alteradas e subdimensionadas, com a indicação de instituições sem a devida preocupação com a real representatividade.

Retira da responsabilidade do Estado o poder articulador das políticas públicas, delegando-a a terceiros por meio de eventuais convênios, sem, também, definir seu real articulador (art. 54).

Fere o princípio da universalidade do atendimento do Sistema Único de Saúde, na forma da Lei nº 8.080/90, com a proposta do art. 56, VI.

Institui por meio impróprio a profissão de intérprete de língua brasileira de sinais (art. 57, IV).

Demonstra desconhecer a existência de norma própria, a Lei nº 10.098/2001, ao tratar equivocadamente normas de caráter geral para a construção e adaptação de edifícios com a regulamentação dos requisitos de acessibilidade.

Atribuir ao IBGE a responsabilidade de formação de cadastro, restringindo o seu acesso a determinados órgãos é inconstitucional e fere o princípio de acesso de todos a toda à informação pública. Além de dificultar o acesso à informação para a elaboração de políticas públicas, fere as atuais competências do IBGE que detém atribuição específica, definida na Lei nº 5.878/73, regulamentada pelo Decreto nº 3.272/99 e, na forma da Lei nº 8.753/89 cabe-lhe incluir a pessoa com deficiência na elaboração do censo demográfico decenal, o que não está referido do PLS.

A partir do art. 64, tentando definir o acesso à justiça, cria regras processuais esdrúxulas, desvirtuando, inclusive, a legitimação dos interessados. Além disso, os procedimentos de investigação e ação judicial previstas para o Ministério Público já estão estabelecidos na Lei da Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/85, citada, com total falta de técnica no próprio artigo (art. 73).

Por fim, propõe a alteração do § 3º, art. 20, da Lei nº 8.742/93, ampliando o corte de renda para o benefício assistencial da pessoa com deficiência, ou idosa, para família com renda mensal inferior a dez (10) salários mínimos que, embora possa parecer justificável, não é compatível com o princípio constitucional de assistência temporária àqueles que não possam prover a sua manutenção, considerando aqui o nível médio salarial do trabalhador brasileiro. A proposta poderia ser aproveitada se atrelada a programas sociais que levassem a pessoa portadora de deficiência a alcançar a sua independência. Assim, a simples alteração do corte de renda não corrige problemas relacionados à proteção social do grupo, permanecendo sem solução o desligamento e estímulo para o trabalho e a promoção das famílias sem condições de acessar bens e serviços da comunidade.

Em que pese a boa aceitação do Estatuto do Idoso, no caso da pessoa com deficiência, as leis existentes cobrem o espectro da responsabilidade e da ação do Estado e da sociedade. Portanto não cabe paralelismo com o estatuto criado pela Lei nº 10.741/2003.

Assim, o grupo técnico conclui pela rejeição total da proposta de Projeto de Lei nº 429/2003, em trâmite no Senado Federal, pois comprovado ser despicienda a edição de "estatuto" que não avança em direitos e garantias em relação à legislação vigente.

Brasília, 3 de março de 2004.

IZABEL MARIA MADEIRA DE LOUREIRO MAIOR, CORDE - coordenadora

MARIA APARECIDA GUGEL,

Ministério Público do Trabalho

OSWALDO JOSÉ BARBOSA DA SILVA,

Ministério Público Federal

JOSÉ RAFAEL MIRANDA,

CONADE

NIUSARETE MARGARIDA DE LIMA,

CORDE

SHEILA MIRANDA DA SILVA,

Ministério da Saúde

CAROLINA ANGÉLICA MOREIRA SANCHEZ,

CORDE

MÁRCIA REGINA MENDES MELO,

CONADE

AURÉLIA SANTIAGO,

CONADE