Parecer ECONOMIA/GEOT nº 98 DE 22/05/2024

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 22 mai 2024

Reconhecimento de isenção referente à energia elétrica consumida pelos seus estabelecimentos. Inaplicabilidade.

1. INTRODUÇÃO:

Versam os autos sobre solicitação encaminhada pelo (...) – à Secretaria da Economia, requerendo o reconhecimento da imunidade de ICMS sobre a energia elétrica consumida pelos seus estabelecimentos.

Informa o representante que, com a mudança da natureza jurídica da entidade, efetivada pela Lei nº 21.880, de 20 de abril de 2023, a entidade deixou de ser uma autarquia estadual para se tornar um serviço social autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.

Acrescenta que os contratos mantidos pelo (...) tiveram que ser aditivados em razão dessa mudança de natureza jurídica, razão pela qual a concessionária de energia elétrica requer manifestação da Secretaria da Economia acerca da possibilidade de aplicação de alguma imunidade ou isenção para a energia consumida pelos seus estabelecimentos.

Por fim, solicita a emissão de um ofício da Secretaria de Estado da Economia para a (...), esclarecendo sobre a possibilidade fruição da isenção de ICMS sobre o consumo de energia das unidades consumidoras de titularidade do (...).

É o relatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

À luz do que dispõe a legislação pertinente, o (...)teve sua criação autorizada pela Lei nº 21.880, de 20 de abril de 2023, que extinguiu a autarquia estadual (...).

No parágrafo único do art. 1º da lei, o legislador faz menção à imunidade em relação aos impostos federais e municipais da entidade, bem como à isenção em relação aos tributos estaduais.

Art. 1º Fica instituído o Serviço Social Autônomo de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos e Militares do Estado de Goiás – Ipasgo Saúde, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, na modalidade de autogestão, com o objetivo de prestar assistência à saúde dos servidores públicos e militares, ativos, inativos e pensionistas do Estado de Goiás, bem como de seus dependentes e agregados, além dos empregados públicos inscritos como usuários.

Parágrafo único. O Serviço Social Autônomo de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos e Militares do Estado de Goiás – Ipasgo Saúde, goza, nos termos do art. 150, inciso VI, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, de imunidade em relação aos impostos federais e municipais, bem assim é beneficiário de isenção dos tributos estaduais.

A isenção genérica prevista no dispositivo da Lei nº 21.880/2023 aplicar-se-ia apenas às situações em que o (...) figurasse como contribuinte de direito, e não como contribuinte de fato. Na operação de fornecimento de energia elétrica, o sujeito passivo do ICMS incidente na operação é a concessionária de energia elétrica, no caso a Equatorial. Desse modo, eventual benefício fiscal destinado ao (...) não aliviaria a carga tributária incidente na energia por ele consumida.

O Supremo Tribunal Federal possuiu um enunciado que evidencia essa interpretação:

Súmula 591 - A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.

Explicando o assunto, Leandro Paulsen ensina:

Importa, para a verificação da existência ou não da imunidade, a posição de contribuinte, nos moldes do raciocínio que inspirou a Súmula nº 591 do STF. Conforme orientação atual do STF, seguindo a linha da referida súmula, descabe verificar se o ente imune é ou não contribuinte de fato, pois a repercussão econômica não está em questão. Ora, se a Constituição diz que é vedado cobrar impostos das entidades de assistência social, é porque nega competência para tanto, não sendo dado ao intérprete perquirir quanto à repercussão econômica do tributo para efeito de decidir se é devido ou não. (PAULSEN, Leandro, Curso de direito tributário. 2º ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 106).

Além disso, importante enfatizar que o art. 150, §6º, da Constituição Federal, exige que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativo a tributos, só poderá ser concedido mediante lei específica que regule exclusivamente a matéria tributária ou o correspondente tributo. Vejamos:

Art. 150, § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

A Lei nº 21.880/2023 trata da extinção da autarquia (...), da autorização para criação do Serviço Social Autônomo em seu lugar e da estrutura da nova entidade. Portanto, em razão de sua generalidade de temas, não cumpre a exclusividade exigida pelo dispositivo constitucional.

Ricardo Alexandre leciona que:

(...) o motivo da exigência de especificidade da lei é evitar a prática, infelizmente tão comum no parlamento, de esconder benefícios fiscais dentro de leis que tratam de matéria totalmente diversa da tributária.

Na praxe legislativa brasileira, os projetos de lei ganham nomes que lhes identificam o conteúdo e facilitam a discussão da matéria. Assim, em vez de se falar em números se fala na "lei geral das microempresas'', "lei dos transgênicos" etc. Um grave problema ocorreria se, por exemplo, fosse escondida, dentro de uma hipotética lei que cria o "dia do homem", uma anistia às multas tributárias das empresas que descumpriram regras da legislação do IPI.

Seria possível que a lei tramitasse no Congresso Nacional sem que a maioria do parlamento tomasse conhecimento do benefício, o que configuraria uma agressão ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público, pois os representantes do povo não teriam efetivamente analisado o mérito da questão.

Também é possível imaginar a perniciosa inclusão por parte da oposição, de benefício fiscal dentro de uma lei importante, de interesse da situação, como mecanismo para "negociar" uma aprovação conjunta. (ALEXANDRE, Ricardo, Direito tributário. 11º ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, p. 195).

Também não há que se cogitar da imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, uma vez que o (...) não integra a estrutura da Administração Direta ou Indireta do Estado de Goiás. A propósito, mesmo que o integrasse, na qualidade de contribuinte de fato, não faria jus ao beneplácito.

É cediço que nos tributos indiretos, a exemplo do ICMS, o contribuinte de fato (quem efetivamente suporta o ônus financeiro do tributo) e o contribuinte de direito (sujeito passivo da obrigação tributária) são pessoas distintas. Deveras, quando o Ente público ocupa a posição de contribuinte de fato a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal não tem reconhecido a aplicabilidade da imunidade.

Nos casos apreciados pela Excelsa Corte, o entendimento firmado é no sentido de que a imunidade tributária se aplica em benefício do contribuinte de direito e não em favor do contribuinte de fato (adquirente, que sofre o encargo econômico do tributo).

Consoante a posição do Pretório Excelso, é irrelevante perquirir quem suportaria o ônus financeiro do tributo para delimitar o alcance da imunidade, "na medida em que existiria um contribuinte de direito, que seria o produtor-vendedor, descabendo estender-lhe o benefício, se ele não gozar da imunidade" (STF, 2ª T., RE 202.987/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30.06.2009, DJe 25.09.2009, p. 1.021).

Quanto à possibilidade de isenção de ICMS no fornecimento de energia elétrica para a entidade, o art. 6º, inciso LXIII, do Anexo IX, do Decreto nº 4.852/1997, que regulamenta o Código Tributário Estadual, dispõe que o benefício se destina a órgãos da administração pública estadual direta e suas fundações e autarquias. Dispõe a legislação estadual nos seguintes termos:

Art. 6º São isentos do ICMS:

(...)

LXIII - a operação e a prestação internas de fornecimento de energia elétrica e de prestação serviço de telecomunicação, destinadas ao consumo por órgão da administração pública estadual direta e suas fundações e autarquias, quando mantidas pelo poder público estadual e regidas por normas de direito público, devendo o valor correspondente ao ICMS dispensado ser transferido ao beneficiário mediante a redução do valor da operação ou prestação (Convênio ICMS 107/95, cláusulas primeira e segunda);

A interpretação literal desse benefício impede sua concessão a pessoas não abrangidas pelo beneplácito legal, como é o caso da requerente. Conforme ensina o renomado jurista Luciano Amaro, a interpretação das normas que concedem isenções tributárias deve ser restritiva, pois estas representam exceções ao princípio da igualdade tributária.

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado defende que a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção não pode ser interpretada mais amplamente do que a lei permita. Isto significa que a norma legal que concede isenção deve ser interpretada literalmente, não se admitindo interpretação extensiva e muito menos interpretação por analogia.

Essa orientação está prevista no inciso II do art. 111, do Código Tributário Nacional, que estabelece que "interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre a outorga de isenções”.

Desse modo, o aplicador do direito não pode dar interpretação ampliativa ao benefício, concedendo a vantagem fiscal a pessoas não contempladas na norma isentiva. Logo, o (...), qualificando-se como pessoa jurídica de direito privado, não goza da isenção prevista no art. 6º, inciso LXIII, do Anexo IX, do RCTE/GO.

3. CONCLUSÃO:

Ante o exposto, não obstante o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 21.880/2023 conceder genericamente isenção para o (...) e referente aos tributos estaduais, todavia, considerando que a aludida instituição não se qualifica como contribuinte de direito do ICMS relativamente à operação de fornecimento de energia elétrica consumida em seus estabelecimentos, mas sim contribuinte de fato, não faz jus à isenção pleiteada.

Igualmente, não é aplicável ao requerente a imunidade constitucional prevista no art. 150, inciso VI, alíneas "a" e "c", posto que, além de não integrar a Administração Pública, reprise-se, a entidade figura como contribuinte de fato e não de direito.

Ademais, em relação à isenção de ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica, o art. 6º, inciso LXIII, do Anexo IX do Decreto nº 4.852/1997 (Regulamento do Código Tributário Estadual), restringe o benefício aos órgãos da administração pública estadual direta e suas fundações e autarquias. Como o (...)  é uma pessoa jurídica de direito privado, não se enquadra na hipótese legal para gozo da referida isenção.

Desse modo, com espeque nos princípios da legalidade e da interpretação literal das normas isentivas, conforme preconizado pelo art. 111, inciso II, do Código Tributário Nacional, bem como com amparo na doutrina especializada, infere-se que não é possível o reconhecimento da isenção do ICMS sobre a energia elétrica consumida pelas unidades do (...).

É como opino, submetendo à superior consideração.

GOIANIA, 22 de maio de 2024.

HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR

Auditor Fiscal da Receita Estadual