Parecer GTRE/CS nº 7 DE 11/02/2015
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 11 fev 2015
Consulta acerca do tratamento tributário aplicável aos créditos tributários, transitados em julgado na esfera administrativa, quanto à possibilidade de substituição da penalidade do art. 71, inciso VIII pelo art. 71, inciso IV-A, ambos da Lei nº 11.651/1991 – CTE.
A Secretaria de Estado da Fazenda, aqui representada pela Gerência de Recuperação de Créditos – GERC -, solicita interpretação acerca da Lei nº 17.519/2011 que alterou dispositivos da Lei nº 11.651, de 26 de dezembro de 1991, Código Tributário do Estado de Goiás – CTE -, especificamente no que tange à inserção do inciso IV-A e à revogação do inciso VIII, ambos do art. 71, do citado diploma legal, ensejando dúvidas quanto à aplicabilidade da legislação circunstanciada.
A consulente, em consonância com suas atividades regulamentares, interpõe as seguintes observações e indaga:
1 – Como ficaria a situação/penalidade dos processos administrativos tributários cuja multa fixada foi a prevista no inciso VIII, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do art. 71 do CTE, haja vista que tal dispositivo foi revogado a partir de 29/12/2011 por força do advento da Lei 17.519/2011?
2 – Existem posicionamentos divergentes no âmbito da Secretaria a respeito da obrigatoriedade da substituição dos incisos VIII, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do art. 71, pelo recém criado, inciso IV-A, também do art. 71 do CTE, sendo assim, solicitamos, em caráter de urgência, a definição de qual procedimento a ser adotado nesta presente situação.
3 – Em caso de alteração no cadastramento da penalidade existente nos processos administrativos tributários, entendemos que esta alteração não compete a esta Gerência Especializada, sugerimos então que a assessoria jurídica da Superintendência, a pedido de seu titular, verifique a competência e os procedimentos a serem adotados no caso em comento.
A transcrição do dispositivo legal, objeto da presente consulta, demonstra que o art. 71 do CTE, sofreu alteração, revogando-se o seu inciso VIII e criando-se o inciso IV-A, no rol de penalidades das infrações à legislação tributária estadual, assim vejamos:
Art. 71. Serão aplicadas as seguintes multas:
[...]
ACRESCIDO O INCISO IV-A AO ART. 71 PELO ART. 1º DA LEI Nº 17.519, de 29.12.11 - vigência: 29.12.11.
IV-A - de 80% (oitenta por cento) do valor do imposto omitido em decorrência da utilização de carga tributário inferior à aplicável à operação ou prestação;
[...]
VIII - de 15% (quinze por cento) do valor da:
NOTA: Redação com vigência de 29.12.03 a 28.12.11.
a) diferença entre o valor da base de cálculo do imposto que deveria ter sido utilizada e o valor da base de cálculo efetivamente utilizada na operação ou prestação;
b) redução da base de cálculo do imposto que corresponder à utilização de alíquota inferior à exigida para a respectiva operação ou prestação;
c) operação ou da prestação, pela emissão de documento fiscal sem destaque ou com destaque a menor do imposto devido, quando exigido, bem como com utilização indevida de não-incidência ou de isenção;
NOTA: Redação com vigência de 31.12.05 a 28.12.11.
REVOGADO O INCISO VIII DO ART. 71 PELO ART. 2º DA LEI Nº 17.519, de 29.12.11 - vigência: 29.12.11.
VIII - revogado;
A aplicabilidade da alteração legal supramencionada deve ser analisada à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que consigna a respeito da estrita observância do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, inclusive alcançado no correspondente processo administrativo, da qual extraímos, de forma cristalina, o restrito apontamento do dispositivo legal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[...] (g.n.)
Em consonância com a Carta Magna, consignamos a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional – CTN -, a qual foi recepcionada pela Constituição Federal, com o status de lei complementar, balizando os demais códigos tributários. Assim, o CTN é a matriz para os códigos tributários estaduais e de outras esferas públicas, em se tratando de aplicação e integração normativa tributária, sendo regra de observância obrigatória.
Desse modo, as alterações legais homologadas abrangem os fatos geradores futuros e pendentes, aplicando-se a ato ou fato pretérito quando não definitivamente julgado, conforme excerto do texto legal do CTN:
Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
[...]
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
[...] (g.n.)
A Lei nº 16.469, de 19 de janeiro de 2009, que regula o processo administrativo tributário e dispõe sobre os órgãos vinculados ao julgamento administrativo de questões de natureza tributária, em âmbito estadual, perfaz o arcabouço jurídico-legal disciplinado na Constituição Federal, bem como no CTN, concedendo ampla defesa e contraditório no processo administrativo de lançamento do crédito tributário, considerando os fatos geradores futuros, pendentes e os não definitivamente julgados.
A doutrina não apresenta divergência quanto à aplicabilidade dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e da celeridade processual no âmbito dos processos administrativos (MARINELA, 2010:970-983) (DI PIETRO, 2010:627-638). De fato, conforme destacado acima, a aplicabilidade dos princípios é extremamente abrangente e não é diferente quando o tema tratado é o processo administrativo. (g.n.)
Chamado por parte da doutrina de superprincípio, o devido processo legal foi especialmente tratado na Constituição Federal de 1988. Embora estivesse previsto desde a Constituição de 1824, com o “novo” diploma constitucional a sua aplicação passou a não mais se restrita apenas ao processo judicial (MARINELA, 2010:971). Nos termos do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (g.n.)
Somente a título exemplificativo, citamos manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
CONSTITUCIONAL.PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XXXV, LIV e LV. OFENSA REFLEXA. (...) II - Como tem consignado o Tribunal, o princípio do devido processo legal, de acordo com o texto constitucional, também se aplica aos procedimentos administrativos. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (STF, Processo: RE-AgR 552057; RE-AgR - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI; Unânime. 1ª. Turma, 05.05.2009) (grifos nossos).
Todos os princípios apresentados acima devem fazer parte do processo administrativo, especialmente nos casos em que o objeto do processo é a constituição de um crédito tributário pela Administração Pública.
É o regular processo administrativo de constituição do crédito tributário que dá a ele os atributos de liquidez e certeza. Neste sentido, o crédito a ser satisfeito precisa ser determinado e apresentar o seu valor exato. No mesmo sentido, não pode haver dúvidas em relação a sua existência.
Em análise ao Parecer nº 683/2006-GOT, o qual apresenta matéria semelhante aos autos, destacamos os esclarecimentos abaixo:
Ante o pressuposto de que o ato não esteja definitivamente julgado, cumpre indagar se esse julgamento é o administrativo ou o judicial. Segundo a lição de Aliomar BALEEIRO: "O inc. II do art. 106 do CTN, estabelece três casos de retroatividade da lei mais benigna aos contribuintes e responsáveis, desde que se trate de ato ainda não definitivamente julgado. A disposição não o diz, mas pela própria natureza dela, há de entender-se como compreensiva do julgamento tanto administrativo, quanto judicial."
Assim, o princípio da retroatividade benigna, desde que o auto de infração não tenha sido julgado definitivamente, aplica-se, quer na esfera administrativa quer na judicial. Entendimento fora desses parâmetros, a nosso ver, pode provocar a insegurança nas relações jurídicas entre o Fisco e o contribuinte e, ferir de morte o instituto do ato jurídico perfeito.
Mesmo assumindo uma postura mais conservadora, aquela que afirma a aplicação da retroatividade benigna da lei somente a ato não definitivamente julgado na esfera administrativa, ou seja, não passível de aplicação nesta esfera apenas nos casos de esgotada a fase contenciosa administrativa.
Seguindo a mesma linha de raciocínio destacamos o Parecer nº 354/2014-GEOT, que trata da aplicação das penalidades do art. 71, inciso VIII e IV-A, tendo como consulente a Gerência de Recuperação de Crédito – GERC.
Por fim, feitas as considerações e analisada a matéria em comento, exaramos as respostas seguintes aos quesitos formulados pela consulente:
1 – Examinada a Constituição Federal, as diretrizes gerais elencadas pelo CTN, as considerações doutrinárias e a manifestação do Supremo Tribunal Federal – STF, ambos evidenciados no texto acima, concluímos que os créditos tributários, definitivamente julgados pelo Conselho Administrativo Tributário – CAT, que encontram-se na GERC para as devidas providências legais, não podem ter alterada a penalidade imputada, no caso do art. 71, inciso VIII, alíneas ‘a’, ‘b’ ou ‘c’ do CTE para o inciso IV-A do mesmo, haja vista que são atos jurídicos perfeitos e coisa julgada na esfera administrativa, configurando a constituição definitiva do crédito tributário, com os atributos de liquidez e certeza, consoante amparo legal pertinente (CF/88 e CTN), bem como da doutrina e da jurisprudência.
Outrossim, registramos que os lançamentos tributários ainda em curso processual no Conselho Administrativo Tributário – CAT, por constituírem atos pendentes e não definitivamente julgados, em consonância com os artigos 105 e 106 do CTN, recebem o devido tratamento quanto a alteração da penalidade imputada que era, a priori, do art. 71, inciso VIII, alíneas ‘a’, ‘b’ ou ‘c’ do CTE, passando a ser a do art. 71, inciso IV-A do CTE, explicitado nas decisões deste órgão judicante.
2 – Prejudicado.
3 – Respondido no quesito 1.
É o parecer.
Goiânia, 11 de fevereiro de 2015.
MARISA SPEROTTO SALAMONI
Assessora Tributária
De acordo:
CÍCERO RODRIGUES DA SILVA
Gerente de Tributação e Regimes Especiais