Parecer GEOT nº 564 DE 10/04/2012

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 10 abr 2012

Definição e responsabilidade tributária do Grupo econômico.

Nestes autos, a Gerência de Inteligência Fiscal, órgão da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Goiás, relata que a competição comercial tem levado as empresas a estruturarem-se em grupos econômicos, cuja finalidade é a de reforçar as suas posições no mercado. Prossegue informando que existem casos em que as empresas integrantes de determinado grupo econômico atuam no mercado sem deixar clara a sua identidade e individualidade patrimonial, estabelecendo um nível de relacionamento tão estreito entre si que agem como se fossem uma só empresa, formando um grupo econômico de “fato” (irregular). Finaliza concluindo que, agindo assim, algumas empresas burlam a legislação tributária aplicável, o que se observa, por exemplo, quando são constituídas duas ou mais empresas sob um comando único, com finalidade de burlar os limites de faturamento instituídos em lei para a fruição de certos benefícios fiscais.

Em face das situações relatadas, o órgão consulente apresenta as seguintes indagações:

1- quais são as provas ou elementos de prova necessários para caracterizar a existência de grupo econômico de “fato”, para fins de atribuição de  responsabilidade tributária (solidária ou subsidiária) às empresas participantes deste grupo?

2- relativamente à responsabilidade tributária, a comprovação da existência de um grupo econômico “irregular”, gera que tipo de repercussão para efeito de atribuição de responsabilidade jurídico-tributária nos casos de lavratura de auto de infração?

As regras gerais sobre a natureza jurídica e as condições a serem observadas para a formação do grupo econômico estão definidas no art. 265 e seguintes da Lei nº 6.404/76. Portanto, para que duas ou mais empresas possam integrar um grupo econômico, compartilhando esforços e recursos para a realização de atividades ou empreendimentos comuns, devem atender aos requisitos legais de modo a caracterizar Grupo econômico, de direito e de fato.

Ao agrupamento societário que for estruturado segundo as disposições do art. 265, da Lei nº 6.404/76 (por Convenção), fica assegurada a aplicação do princípio da autonomia e separação patrimonial da pessoa jurídica, conforme previsto no art. 266, desta mesma lei. Porém, quando a formação do agrupamento societário não observa as disposições legais, ou se observa na formação, não age segundo estes preceitos, tem-se a formação de Grupo econômico de fato. Este tipo de agrupamento é irregular, porque as empresas participantes adotam procedimentos à revelia da lei e, embora se apresentando formalmente como empresas distintas, atuam sob um comando único e agem como se fossem estabelecimentos de uma mesma empresa. Nesta hipótese, fica caracterizado o desvirtuamento do conceito de Grupo econômico, fato suficiente para negar aplicação do princípio da separação patrimonial às empresas envolvidas.

No âmbito do Estado de Goiás, a Lei nº 17.442/11, em seu art. 2º, estabelece que, para efeito de concessão de benefício fiscal relativo ao ICMS, Grupo econômico é o conjunto de duas ou mais empresas que apresentam ligação por integração e submissão societária, de tal sorte que uma seja subsidiária da outra ou que diversas delas sejam subsidiárias integrais de uma mesma pessoa jurídica. A expressão “Grupo econômico” utilizada nesta lei não possui a mesma dimensão  daquela contida na Lei nº 6.404/76, isto porque referida norma busca apenas criar  as condições para que as empresas pertencentes a um determinado grupo econômico possam usufruir de benefícios fiscais.

A regra que orienta a atribuição de responsabilidade tributária solidária tem fundamento nas disposições do art. 146, inciso III, alínea “b”, da CF/88, a qual reserva esta matéria para ser regulada por lei complementar. Em harmonia com este mandamento constitucional, os arts. 124 e 135 do Código Tributário Nacional, CTN, definem hipóteses de responsabilidade tributária (solidária e subsidiária).

Pela regra do art. 124, inciso I, do CTN, tem-se que é possível atribuir responsabilidade tributária solidária a quem (pessoa natural ou jurídica) tenha interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, hipótese em que se faz necessário evidenciar o tipo de interesse comum envolvido na questão.

Segundo a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, STJ, a expressão “interesse comum” deve ser entendida no seguinte sentido:

7. Conquanto a expressão "interesse comum" - encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi  do referido dispositivo legal. Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível.  Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação.(Excerto extraído da ementa do Acórdão exarado no REsp 859616; Relator:Min. LUIZ FUX; Publicação: DJ de 15/102007, pg 240).

Pela regra do inciso II, do art. 124, do CTN, permite-se que lei ordinária dos entes federativos disponha sobre quais as pessoas (naturais ou jurídicas) assumem a condição de responsáveis solidários. Nesta esteira, a União editou a Lei nº 8.212/91(previdência), a qual estabelece, em seu art. 30, inciso IX, que as empresas integrantes de um Grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta lei.

Todavia, a jurisprudência pacificada no âmbito da Primeira Seção do STJ (a qual pacifica a jurisprudência divergente entre a Primeira e Segunda Turmas) é no sentido de não admitir a atribuição de responsabilidade solidária (art. 124, inciso II, do CTN) em tais casos, conforme o seguinte aresto da Primeira Seção deste Tribunal:

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOAS JURÍDICAS QUE PERTENCEM AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA SOLIDARIEDADE PASSIVA.

1. O entendimento prevalente no âmbito das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte é no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma prevista no art. 124 do CTN. Ressalte-se que a solidariedade não se presume (art. 265 do CC/2002), sobretudo em sede de direito tributário.

2. Embargos de divergência não providos. (EREsp 834044/RS; Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; Publicação: DJe 29/09/2010).

Assim, as eventuais decisões exaradas pela Primeira ou pela Segunda Turma do STJ admitindo a validade da atribuição de responsabilidade solidária nos moldes do art. 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/91, como a exarada pela Segunda Turma no julgado nos autos do Recurso Especial 1199080/SC, serão reformadas e adequadas ao pensamento que restou consolidado na Primeira Seção, no sentido de que, nos casos de Grupo econômico formalmente constituídos e que agem segundo os ditames legais, não é cabível a imputação de responsabilidade solidária.

Destacamos, neste ponto, um caso de execução previdenciária promovida contra três empresas que, embora formalmente distintas, mantinham direção unificada (situação de fato), e a Segunda Turma do STJ consignou o entendimento de que, demonstrada a ocorrência de formação de grupo econômico de fato, é aplicável a regra da norma previdenciária do art. 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/91.

Sobre esta matéria, transcrevemos os seguintes excertos, extraídos do Recurso Especial 1144884/SC (Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Publicação: DJe de 03/02/2011):

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3. O Tribunal de origem declarou que "é fato incontroverso nos autos que as três embargantes compartilham instalações, funcionários e veículos. Além disso, a fiscalização previdenciária relatou diversos negócios entre as empresas como empréstimos sem o pagamento de juros e cessão gratuita de bens, que denotam que elas fazem parte de um mesmo grupo econômico. O sócio-gerente da Simóveis, Sr. Écio Sebastião Back tem um procuração que o autoriza a praticar atos de gerência em relação às outras empresas, sendo irmão do sócio-gerente delas. Ou seja, no plano fático não há separação entre as empresas, o que comprova a existência de um grupo econômico e justifica o reconhecimento da solidariedade entre as executadas/embargantes" (grifei).

4- Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existência de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente (grifamos).

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6. A Corte a quo, soberana no delineamento das circunstâncias fáticas, observou que, apesar de denominadas como diárias e ajuda de custo, as verbas eram pagas de forma habitual, em valores fixos e expressivos, aos mesmos empregados e sem que fosse comprovada a execução dos serviços a que elas se destinavam ou a realização de viagens, "simplesmente para aumentar a sua remuneração". Correta, pois, a conclusão pela natureza  salarial para fins de incidência da contribuição previdenciária.

Este julgado do STJ é fonte importante de informações, porque indica  algumas das provas que podem permitir a formação do juízo de valor sobre a atribuição de responsabilidade tributária solidária entre empresas, formalmente distintas, mas que atuam como Grupo econômico de fato (irregular).

Segundo o disposto no art. 45, inciso XIII, do Código Tributário Estadual, CTE, respondem solidariamente com o contribuinte pelo pagamento do imposto devido na operação ou prestação a pessoa (natural ou jurídica), entre outras, que, por seus atos ou omissões, concorra para a prática de infração à legislação tributária.

Com base na regra do art. 45 retrocitado, entendemos ser possível arrolar como sujeitos passivos solidários por obrigação tributária as empresas que, embora formalmente distintas, participam de um Grupo econômico de fato, atuando de forma coordenada, com direção concentrada na pessoa de um mesmo administrador, desvirtuando a finalidade do grupo e descaracterizando a autonomia e independência patrimonial das pessoas jurídicas participantes (art. 266, da Lei nº 6.404/76).

Em relação às empresas que se enquadram nas disposições da Lei nº 17.442/1 e que usufruam de benefícios fiscais, entendemos que é possível atribuir responsabilidade tributária solidária entre as controladas e controladora, relativamente às operações realizadas entre elas, isto porque esta lei exige que pelo menos 80% das operações comerciais devem ocorrer entre as empresas do mesmo grupo econômico. Assim, nos parece que, para efeitos tributários, é possível demonstrar o interesse comum (art. 45, caput, do CTE) nas operações praticadas pelas empresas participantes de Grupo econômico, organizado na forma desta lei, vez que essas empresas mantêm alto grau de dependência econômica e submissão societária.

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa é ato grave que somente pode ser determinado em hipóteses específicas previstas em lei (ex. art. 50, do CC/02; art. 28, do CDC e art. 18, da Lei nº 8.884/94). Neste sentido, destacamos os seguintes excertos, extraídos do julgado da Terceira Turma do STJ, nos autos do REsp1169175/DF(Relator: Ministro MASSAMI UYEDA; Publicação: DJe 04/04/2011).

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II - A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo de que se vale o ordenamento para, em situações absolutamente excepcionais, desencobrir o manto protetivo da personalidade jurídica autônoma das empresas, podendo o credor buscar a satisfação de seu crédito junto às pessoas físicas que compõem a sociedade, mais especificamente, seus sócios e/ou administradores.

III - Portanto, só é admissível em situações especiais quando verificado o abuso da personificação jurídica, consubstanciado em excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a sociedade ou os sócios, ou, ainda, conforme amplamente reconhecido pela jurisprudência desta Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na junta comercial. Precedentes.

IV - A desconsideração não importa em dissolução da pessoa jurídica, mas se constitui apenas em um ato de efeito provisório, decretado para determinado caso concreto e objetivo, dispondo, ainda, os sócios incluídos no pólo passivo da demanda, de meios processuais para impugná-l

V - A partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50, do Código Civil e não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais e onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

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O Código Tributário Nacional não apresenta hipótese de desconsideração de personalidade jurídica de empresa, embora estabeleça a possibilidade de desconsideração de determinado ato ou negócio jurídico (art. 116, parágrafo único). Portanto, não tem o fisco autorização legal para desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa mesmo em situações de fraude, todavia, pode arrolar os dirigentes da empresa como pessoalmente responsáveis pelos danos causados à Administração Tributária(art. 135).

Desse modo, identificando-se hipótese de fraude como, por exemplo, a constituição de empresas em nome de terceiros (“laranjas”) deve o fisco promover as averiguações e obter provas da existência de situação de fato e, observado o devido processo legal, adotar as providências cabíveis, tais como: a cassação do cadastro (art.155, inciso II, do CTE), atribuição de responsabilidade aos efetivos dirigentes (art. 135, inciso II e III, do CTN) e às pessoas jurídicas que eventualmente tenham contribuído para o evento danoso ao interesse da Administração Fazendária (art. 45, inciso XIII, do CTE).

Relativamente à matéria em comento, entendemos que, embora seja assunto de relevância para os interesses da Administração Tributária, não se faz necessária a edição de Parecer Normativo, visto não restarem configuradas as circunstâncias justificadoras, na forma do art. 52, da Lei nº 16.469/09.

Após estas considerações, apresentamos as seguintes respostas às indagações do órgão consulente:

1- para arrolar as empresas de um Grupo econômico “de fato”(irregular) como responsáveis solidárias (art. 45, inciso XIII, do CTE) o agente do fisco deve carrear para os autos provas documentais diretas ou indiretas (indiciárias) capazes de evidenciar que o modo de agir das empresas causa efetiva lesão aos interesses da Administração Fazendária. Nesta hipótese, deve restar claro que, embora se apresentando formalmente como empresas autônomas e distintas, na prática, elas agem como se fossem estabelecimentos de uma mesma empresa, sendo necessário, entre outros, demonstrar: a falta de autonomia gerencial de cada empresa, a ocorrência de confusão patrimonial, a existência de sócios com função de direção em duas ou mais empresas, o compartilhamento de empregados e/ou de ativos, atuação no mesmo ramo de atividade econômica (indício), ocupação de um mesmo imóvel (indício), empréstimos entre as empresas sem incidência de encargos, etc.

2- ao Grupo econômico organizado, de direito e de fato, segundo as regras da Lei nº 6.404/76, assegura-se a aplicação do princípio da autonomia e individualidade patrimonial das pessoas jurídicas (art. 226, da Lei nº 6.404/76), portanto, inviável a imputação de responsabilidade solidária. Para superar este princípio, é necessário que se demonstre a existência de ações combinadas entre as empresas e que estas ações produzam efetiva lesão ao interesse da Administração Tributária. A comprovação desta situação fática desqualifica a regularidade do Grupo econômico, ensejando a possibilidade de se atribuir responsabilidade às empresas, por agirem como simples estabelecimentos de uma mesma empresa (art. 11, §3º, inciso IV, da LC nº 087/96);

3- considerando que a definição de Grupo econômico instituída pela Lei nº 17.442/11 tem por finalidade apenas criar as condições para que empresas coligadas possam usufruir de benefícios fiscais relativos ao ICMS, entendemos que as empresas que se enquadrarem nas disposições desta lei, sem, contudo, constituírem grupo econômico na forma do art. 265, da Lei nº 6.404/76, podem ser responsabilizadas por solidariedade tributária, relativamente às operações realizadas entre elas, em razão da interdependência econômica e submissão societária existente entre elas.

É o parecer.

Goiânia,10 de abril de 2012.

GENER OTAVIANO SILVA

Assessor Tributário

Aprovado:

LIDILONE  POLIZELLI  BENTO

Gerente de Orientação Tributária