Parecer ECONOMIA/GEOT nº 54 DE 27/03/2024
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 27 mar 2024
Reconhecimento de imunidade nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular.
RELATÓRIO:
(...), onde exerce atividades agrícolas em uma área de 150,00 hectares, obtida por meio de um contrato de arrendamento com vigência de 16/11/2023 a 31/12/2027, dedicando-se primariamente à pecuária de corte. Por meio de seus advogados, apresenta “SOLICITAÇÃO ADMINISTRATIVA PARA O RECONHECIMENTO DE IMUNIDADE NO TRÂNSITO DE ICMS” relativa ao transporte interestadual de gado entre suas fazendas, buscando a não aplicabilidade do ICMS.
Em síntese, embasa sua solicitação na “decisão emitida pelo Supremo Tribunal Federal, durante a análise da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, [onde foi] concedida a imunidade no trânsito de produtos entre estabelecimentos do mesmo proprietário, independente do objetivo do transporte”, com efeitos modulados a partir do ano fiscal de 2024.
Argumenta que a “deliberação do STF possui caráter vinculante, o que implica que todas as esferas e entidades do Poder Público, incluindo a Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás, devem acatá-la”.
Por fim, solicita:
a) o reconhecimento da imunidade de ICMS para o transporte de produtos entre as fazendas interestaduais do requerente, conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal, na decisão da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49;
B) a não incidência do ICMS para o transporte de produtos entre as fazendas interestaduais do Requerente.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO:
Em que pese o requerimento da consulta se referir a reconhecimento de imunidade nas operações realizadas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, entende-se que o objetivo pretendido seja o reconhecimento da não incidência pura e simples.
Como é cediço, o instituto da não incidência se desdobra em duas acepções: a não incidência constitucionalmente qualificada (imunidade) e a não incidência pura e simples, também denominada "tout court".
A não incidência constitucionalmente qualificada ocorre quando a própria Constituição Federal impede que o fato seja tributado, diferente da não incidência pura e simples, em que determinada situação não é alcançada pela regra de tributação prevista na lei. Isso pode ocorrer quando o fato não é tipificado na norma matriz de incidência ou quando o Ente não possui competência para definir a situação como hipótese de incidência. No caso em epígrafe, temos a configuração da segunda situação.
A não incidência "tout court", expressão oriunda do francês que pode ser traduzida como "de maneira absoluta" ou "integralmente", no contexto do Direito Tributário, refere-se à situação em que determinado fato não se enquadra nas hipóteses de incidência previstas na legislação tributária, não gerando, portanto, a obrigação tributária. É um conceito que se distingue das figuras da imunidade e da isenção, embora todos esses institutos resultem na não exigibilidade de um tributo. Desde a origem, não há como subsumir o fato à norma tributária, por não haver previsão legal para sua tributação. A não incidência "tout court" decorre, portanto, da ausência de previsão legal para a tributação de determinado fato ou situação.
A relevância desse instituto é fundamental na sistematização e na aplicação das normas tributárias, pois contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade das relações tributárias, assegurando que apenas os fatos previstos expressamente na legislação possam ser tributados, o que protege o contribuinte de extensões interpretativas que alarguem o campo de incidência tributária para além do estritamente estabelecido pelo legislador.
Com base nessa ordem de ideias, o STF se pronunciou na ADC nº 49/RN declarando a inconstitucionalidade das regras que previam a incidência de ICMS no simples deslocamento de mercadorias entre os estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Para a Suprema Corte, “o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II; 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996.
Com a decisão vinculante do STF, publicada dia 19/04/2021, as legislações tributárias dos entes federados não podem mais considerar as transferências entre estabelecimentos do mesmo proprietário como fatos geradores do ICMS. Em 19/04/2023, nos Embargos de Declaração na ADC 49, o Pretório Excelso modulou os efeitos da decisão a fim de que a eficácia seja prospectiva a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.
Por conseguinte, foram editados o Convênio ICMS nº 178/2023 e a LC nº 204/2023 disciplinando as transferências. A propósito, no Estado de Goiás foi publicada em 25/03/2024 a Lei n.º 22.575/2024, que disciplina a inocorrência do fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. Desse modo, desde 01/01/2024 as transferências de mercadorias operadas entre estabelecimentos do mesmo titular não se submetem à tributação pelo ICMS.
Convém informar que a recém editada lei nº 22.575, de 22 de março de 2024, além de não considerar como fato gerador a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, determina a transferência obrigatória dos créditos relativos às operações e prestações anteriores. Assim, nas saídas interestaduais, os créditos devem ser assegurados pela unidade federada de destino, aplicando-se à base de cálculo estabelecida no §2º do art. 58-A a alíquota interestadual respectiva. O crédito remanescente dessa operação será assegurado pela unidade federada de origem. Ainda, não se pode olvidar que o estabelecimento recebedor das mercadorias deverá estornar a diferença verificada quando a base de cálculo utilizada na operação subsequente for inferior ao valor da operação relativa à transferência. Vejamos como dispõe a norma:
Código Tributário Estadual, Lei nº 11.651/1991, com as alterações promovidas pela lei nº 22.575/2024:
Art. 13.......................................................................................................................................
I - da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte;
..................................................................................................................................................
§ 3º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, observado o disposto no art. 58-A." (NR)
(...)
Art. 58-A. Na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, mantém-se o crédito relativo às operações e às prestações anteriores.
§ 1º Na hipótese de transferência interestadual, os créditos serão assegurados, observado o disposto em regulamento:
I - pela unidade federada de destino, por transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada; e
II - pela unidade federada de origem, no caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e às prestações anteriores e o transferido na forma indicada no inciso I deste parágrafo.
§ 2º O valor atribuído à operação de transferência de que trata o inciso I do § 1º deve ser:
I - o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
II - o custo da mercadoria produzida, entendido como a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão de obra e acondicionamento; ou
III - no caso de mercadoria não industrializada, o custo de sua produção, entendido como a soma dos gastos com insumos, mão de obra e acondicionamento." (NR)
(...)
Art. 61......................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
§ 4º O estabelecimento que receber mercadorias em transferência deve estornar o imposto correspondente à diferença verificada, quando a base de cálculo utilizada na operação subsequente for inferior ao valor da operação da respectiva transferência." (NR)
Ademais, a lei complementar nº 104/2013, que institui o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de Goiás, preceitua em seu art. 32 o dever de a Administração observar nos processos administrativos a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nesses termos:
Art. 32. Nos processos administrativos, a Administração Pública deverá observar, dentre outras regras e princípios:
(...)
II - a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, neste último caso em sede de recurso repetitivo:
a) por “jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” deve-se entender as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em recurso extraordinário submetido à repercussão geral ou mesmo em recursos extraordinários processados normalmente, quando se tratar de entendimento reiterado;
Em suma, a legislação e jurisprudência vigentes, especialmente a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, se alinham para a impossibilidade de cobrança de ICMS no trânsito de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo proprietário, uma vez que não há circulação econômica de mercadorias com transferência de propriedade, requisito essencial para a incidência do tributo. Dado o caráter vinculante da decisão do STF e sua aplicabilidade a partir de 01/01/2024, como mencionado, as autoridades fiscais estaduais devem se adequar a este entendimento, não realizando a cobrança de ICMS sobre o trânsito de produtos entre estabelecimentos do mesmo titular que ocorram após esta data.
Importante destacar que essa orientação não elimina a obrigação de observância das demais obrigações acessórias estabelecidas pela legislação tributária estadual, como a emissão de documentos fiscais adequados para acompanhar o trânsito dessas mercadorias.
A adequação do Código Tributário Estadual e a observância de convênios e legislações complementares, como o Convênio ICMS nº 178/2023 e a LC nº 204/2023 mencionados, são medidas essenciais para a correta aplicação do entendimento do STF, evitando-se, assim, litígios futuros e garantindo a segurança jurídica tanto para a administração tributária quanto para os contribuintes. Portanto, com base no exposto e na decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, reconhecemos a procedência da solicitação do requerente estampada na exordial, de modo que não incide ICMS nas operações, internas e interestaduais, entre as propriedades rurais em que o requerente figurar como titular.
CONCLUSÃO:
Diante dos argumentos apresentados e com fundamento nas legislações pertinentes, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como na doutrina especializada, reconhecemos a procedência da solicitação do requerente estampada na exordial, de modo que não incide ICMS nas operações, internas e interestaduais, entre as propriedades rurais em que o requerente figurar como titular, assegurando, desse modo, que as operações de transporte de produtos entre suas propriedades não sejam objeto de lançamento tributário pelo Fisco estadual.
Saliente-se que esse entendimento somente abarca as operações realizadas a partir de 01/01/2024, nos termos da modulação de efeitos proporcionada pela decisão do STF nos Embargos de Declaração na ADC nº 49/RN.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que no Estado de Goiás foi publicada, em 25/03/2024, a Lei n.º 22.575/2024, que disciplina a inocorrência do fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. Importante observar que a norma determina a transferência obrigatória dos créditos relativos às operações e prestações anteriores. Assim, nas saídas interestaduais, os créditos devem ser assegurados pela unidade federada de destino, aplicando-se à base de cálculo estabelecida no §2º do art. 58-A a alíquota interestadual respectiva. O crédito remanescente dessa operação será assegurado pela unidade federada de origem.
É o parecer.
GOIANIA, 27 de março de 2024.
HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR
Auditor Fiscal da Receita Estadual