Parecer ECONOMIA/GEOT nº 51 DE 16/02/2023
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 16 fev 2023
Abrangência da expressão "administração direta, suas autarquias e fundações" contida no art. 116, inc. II, letra 'f', da Lei n.º 11.651/91 - CTE/GO.
(...)
O feito fora submetido à análise da Gerência do Contencioso Tributário da Procuradoria-Geral do Estado que, através do Parecer PGE/GECT-05495 nº 60/2022, discorreu sobre as considerações e argumentos lançados no Parecer GECT n.º 26/2021, para ao final concluir que a interpretação literal da legislação tributária que dispõe sobre isenções (art. 111 do CTN) impediria o acolhimento do pedido de reconsideração do INSS.
Por intermédio do Despacho nº 60/2023/CBM/ACG-09880, a Assistência do Comando Geral do Corpo de Bombeiros Militar encaminha os autos à Superintendência de Política Tributária da Secretaria de Estado da Economia, com pedido de manifestação e posicionamento desta Pasta, com vistas a oferecer subsídios para que a Consulente possa obter a reapreciação da matéria por parte da PGE.
Em síntese, é o relatório.
Em proêmio, diante da competência da respeitável Procuradoria-Geral do Estado, haurida do art. 16, inc. I, da Lei Estadual nº 20.491/2019, para a consultoria jurídica do Estado de Goiás, cumpre salientar que a manifestação adiante aduzida, desta Gerência de Orientação Tributária da Secretaria de Estado da Economia, dar-se-á com enfoque circunscrito à orientação quanto à aplicação da legislação tributária estadual, tal como delineado no 23, inc. VII, da Lei Estadual nº 20.491/2019, e no art. 53 do Decreto n.º 9.585/2019 que atribui a esta gerência competência para analisar e elaborar pareceres em processos que envolvam matéria tributária.
Dito isto, passo à estrita consideração da matéria posta em debate, especificamente quanto à abrangência da expressão “instituições públicas pertencentes a administração direta, suas autarquias e fundações” disposta no art. 116, inc. II, letra “f” do Código Tributário Estadual.
O cerne da controvérsia reside em desvendar se os órgãos da Administração Pública, fundações e autarquias de outros Entes Federados podem se qualificar como beneficiários da isenção da Taxa de Serviços Estaduais exigidas pelo Corpo de Bombeiros, nos termos prescritos no art. 116, II, 'f' do CTE-GO, que possui a seguinte redação:
Art. 116. São isentos:
[...]
II - da Taxa de Serviços Estaduais;
[...]
f) os atos praticados em favor de entidades filantrópicas, de instituições públicas pertencentes a administração direta, suas autarquias e fundações;
Conforme a literalidade do citado comando legal ficam isentos do Taxa de Serviços Estaduais os atos praticados em favor das instituições públicas pertencentes a administração direta, suas autarquias e fundações.
É cediço que as normas instituidoras de isenção, ou seja, da dispensa legal de recolhimento do tributo e, portanto, causa de exclusão do crédito tributário, devem ser interpretadas literalmente, nos termos do artigo 111, inciso II, do CTN, não admitindo a realização de analogias e extensão a situações não contempladas pela lei. Nesse sentido seguem alguns excertos extraídos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"1. A isenção tributária é concedida somente mediante a edição de lei formal específica, nos termos do art. 97, VI, do CTN, cujos requisitos devem ser observados integralmente, para que se efetive a renúncia fiscal.
[...]
3. Consectariamente, tem-se a impossibilidade de interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008."
"3. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006 p. 302,"
"2. Normas tributárias que impliquem em renúncia fiscal interpretam-se restritivamente.
(...)
4. Recurso especial não provido. (REsp 1074015/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009."
Noutro vértice, segundo a doutrina administrativista, na organização administrativa do Estado há a divisão estrutural entre entes da Administração Direta e entes da Administração Indireta. Os entes da Administração Direta compreendem as pessoas jurídicas políticas: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e órgãos que integram tais pessoas pelo fenômeno da desconcentração.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao analisar a Administração Pública em sentido subjetivo, aborda a abrangência da "administração pública direta" nos seguintes termos:
"(...) compõem a Administração Pública, em sentido subjetivo, todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas. São os órgãos da Administração Direta do Estado. (DI PIETRO, 2008, p. 56)."
Leciona Cretella Júnior leciona que:
“(...) no seu art. 37, caput, e em vários dos seus incisos (XVII, XIX e XX), refere-se a Constituição à "administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios"; e, também, às autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações públicas, bem assim às subsidiárias dessas entidades. Aí está a administração pública na sua organização básica, isto é, sob o aspecto subjetivo ou orgânico, que é ainda designado formal”. (Cretella Júnior, José. Comentários à Constituição de 1988. Forense Universitária, 1991. v. 4, p. 2.119.)"
Assim, de acordo com as definições acima, o termo "Administração Pública Direta" compreende a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e os órgãos que integram estes entes por desconcentração. Lado outro, ao se empregar a expressão Administração Direta federal, está se referindo à União, enquanto entidade administrativa; a Administração Direta estadual equivale a determinado Estado membro, o mesmo ocorrendo em relação ao Distrito Federal (distrital). E cada Município brasileiro é uma Administração Direta municipal.
Nesse contexto, a literalidade da norma estadual supratranscrita conduz à interpretação de que a isenção da Taxa Estadual de Serviços abrange o gênero "administração direta, suas autarquias e fundações". Com efeito, a lei não distingue, para efeitos da isenção, quais as pessoas jurídicas políticas estariam beneficiadas, não cabendo ao intérprete fazê-lo.
Desse modo, numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 116, inc. II, letra 'f' da Lei Estadual n.º 1.651/91 - CTE-GO favorece todas as "instituições públicas pertencentes a administração direta, suas autarquias e fundações", o que abarca a administração pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e suas respectivas autarquias e fundações.
Nota-se que o erudito e bem fundamentado Parecer PGE/GECT-05495 nº 60/2022, exarado pela Gerência do Contencioso Tributário, externou o entendimento de que a interpretação literal da legislação tributária que dispõe sobre isenções (art. 111 do CTN) impede o acolhimento do pedido de reconsideração formulado pelo INSS.
Reprise-se que, de fato, o art. 111 do CTN determina ao aplicador do direito que interprete “literalmente” a legislação tributária que disponha sobre “suspensão ou exclusão do crédito tributário”, “outorga de isenção” ou “dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”.
A atenta leitura do texto normativo revela que o que este preceito prescreve, por razões de segurança jurídica e precaução, é o emprego de uma interpretação “literal” para evitar que o intérprete possa fazer uso de “interpretação extensiva” das restrições ou limites das isenções, para restringir seu aproveitamento; ou mesmo de “interpretação restritiva”, no que concerne ao acesso e alcance da benesse.
Deveras, a interpretação extensiva pode significar uma tentativa de ampliar o campo material de incidência do tributo, por mero dirigismo interpretativo, assim como a restritiva busca reduzir o acesso ao benefício da isenção. O art. 111 do CTN, neste sentido, concorre para a afirmação do princípio da certeza do direito, ao exigir uma interpretação “literal”, cujo resultado há de ser especificador do conteúdo da lei isentiva.
Nesse sentido, ensina o prof. Hugo de Brito Machado, verbis:
“Há quem afirme que a interpretação literal deve ser entendida como interpretação restritiva. Isto é um equívoco. Quem interpreta literalmente por certo não amplia o alcance do texto, mas com certeza também não o restringe. Fica no exato alcance que a expressão literal da norma permite. Nem mais, nem menos. Tanto é incorreta a ampliação do alcance, como sua restrição.”
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo diapasão, conforme se verifica dos seguintes excertos dos acórdãos abaixo transcritos, verbis:
“6. A imposição da interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção (artigo 111, inciso II, do CTN) proscreve tanto a adoção de exegese ampliativa ou analógica, como também a restrição além da mens legis ou a exigência de requisito ou condição não prevista na norma isentiva.” (STJ, REsp 1098981/PR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02.12.2010, DJe 14.12.2010).
Em outro julgado:
“6. Não cabe ao intérprete restringir o alcance do dispositivo legal que, a teor do art. 111 do CTN, deve ter sua aplicação orientada pela interpretação literal, a qual não implica, necessariamente, diminuição do seu alcance, mas sim sua exata compreensão pela literalidade da norma.” (STJ, REsp 1.468.436/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 01.12.2015, DJe 09.12.2015).
Ou ainda:
“4. A interpretação a que se refere o art. 111 do CTN, é a literal, que não implica, necessariamente, diminuição do seu alcance, mas sim sua exata compreensão pela literalidade da norma.” (STJ, REsp nº1.471.576/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 27.10.2015, DJe 09.11.2015).
Pois bem. No caso concreto, não nos parece que o legislador goiano pretendeu restringir a possibilidade de fruição do benefício da isenção, prescrito no art. 116, II, 'f' do CTE-GO, apenas às instituições públicas pertencentes a Administração Direta do Estado de Goiás, suas autarquias e fundações.
Essa convicção é reforçada pela leitura do Anexo IX do Regulamento do Código Tributário Estadual, que disciplina os benefícios fiscais, em que percebemos que o legislador ao delimitar a fruição de alguns benefícios ficais aos órgãos da Administração Pública Direta, autarquia ou fundação do Estado de Goiás consignou esta opção expressamente no texto normativo, consoante se constata na redação dos preceitos a seguir transcritos:
Art. 6º São isentos do ICMS:
..............
XLV - o recebimento, por órgão da Administração Pública Direta, autarquia ou fundação do Estado de Goiás para integrar o seu ativo imobilizado ou para seu uso ou consumo, de mercadoria importada do exterior, sem similar produzida no País, ficando dispensada a comprovação da ausência de similaridade quando a mercadoria importada for beneficiada com a isenção prevista na Lei Federal nº 8.010, de 29 de março de 1990 (Convênio ICMS 48/93, cláusula primeira);
.................
CXXXII - a operação realizada por industrial produtor de grupos geradores de energia elétrica ou por industrial produtor de máquinas, equipamentos e componentes destinados à aferição ou à produção de energia elétrica por meio de fontes renováveis relacionados no Apêndice L deste anexo, beneficiários do programa PRODUZIR ou do PROGOIÁS (Lei nº 17.441/11, art. 6º):
[...]
c) de venda de grupos geradores elétricos para órgão da Administração Pública Direta ou Indireta do Estado de Goiás, ficando mantido o crédito.
....................
CXXXIII - a operação realizada por industrial de veículo automotor, beneficiário dos Programas Fomentar ou Produzir (Lei nº 16.671/09, art. 5º-A, IV):
[...]
b) de venda de veículo para órgão da Administração Pública Direta ou Indireta do Estado de Goiás, com manutenção de crédito;
......................
CXXXVII - a operação, realizada por industrial, beneficiário dos Programas Fomentar ou Produzir, fabricante de extintores de incêndio descartáveis de polímero de engenharia, de uso automotivo e cilindros em polímero para uso de GLP (Lei nº 16.671/09, art. 1º, parágrafo único e art. 5º-A, IV): (Redação conferida pelo Decreto nº 9.002 - vigência: 21.07.17)
[...]
b) de venda de extintores de incêndio descartáveis de polímero de engenharia, de uso automotivo e cilindros em polímero para uso de GLP, para órgão da Administração Pública Direta ou Indireta do Estado de Goiás, com manutenção de crédito. (Redação conferida pelo Decreto nº 9.002 - vigência: 21.07.17)
Nesta cadência, s.m.j, evidencia-se que a opção do legislador pela expressão “órgão da administração pública direta”, colimou abarcar os Órgãos da Administração Pública Direta Federal, Estadual e Municipal, incluindo suas autarquias e fundação, tal como podemos perceber na leitura dos seguintes benefícios fiscais, elencados também no Anexo IX do RCTE:
Art. 6º São isentos do ICMS:
.............
LXI - a entrada, a qualquer título, de equipamento científico e de informática, suas partes, peças de reposição e acessórios, bem como reagentes químicos, efetuada por órgão da administração pública direta e indireta, desde que (Convênio ICMS 80/95, cláusula segunda):
..............
Art. 7º São isentos de ICMS, observado o § 1º quanto ao término de vigência do benefício:
................
LIII - a saída de reagente para diagnóstico da Doença de Chagas pela técnica de enzimaimunoesai - ELISA - em microplacas utilizando uma mistura de Antígenos Recombinantes e Antígenos Lisados Purificados, para detecção simultânea qualitativa e semi-quantitativa de anticorpos IgG e IgM anti Trypanosoma cruzi em soro ou plasma humanodestinada, classificado no código NBM/SH 3002.10.29, a órgão ou entidade da administração pública direta, suas autarquias e fundações desde que o contribuinte deduza do preço da mercadoria o valor equivalente ao ICMS que seria devido se não houvesse a isenção, indicando-o expressamente no documento fiscal, ficando mantido o crédito (Convênio ICMS 23/07, cláusulas primeira e segunda);
..................
Art. 8º A base de cálculo do ICMS é reduzida:
...............
VIII - de tal forma que resulte aplicação sobre o valor da operação do equivalente ao percentual de 10% (dez por cento) para o contribuinte industrial ou de 11% (onze por cento) para o comerciante atacadista, na saída interna que destine mercadoria para comercialização, produção ou industrialização, ficando mantido o crédito, observado o disposto no § 2º e, ainda, o seguinte (Lei nº 12.462/94, art. 1º): (Redação conferida pelo Decreto nº 9.103 - vigência: 01.12.17)
[...]
§ 2º A redução de base de cálculo prevista no inciso VIII deste artigo, observadas as exigências ali estabelecidas, aplica-se, também, à operação interna com mercadorias destinadas (Lei nº 12.462/94, art. 1º, III. “a” e “b”):
[...]
II - a órgão da administração pública direta, inclusive autárquica ou fundacional.
.................
LVII - de tal forma que resulte a aplicação sobre o valor da operação do percentual equivalente a 7% (sete por cento), na saída de medicamento de uso humano destinada a órgão da administração pública direta ou indireta, hospital ou clínica de saúde, promovida por atacadista de medicamento, desde que (Lei nº 13.453/99, art. 1º, II, "p"): (Redação acrescida pelo Decreto nº 8.199 - vigência: 15.09.14)
..................
Art. 12 Constitui crédito outorgado para efeito de compensação com o ICMS devido, observado o § 4º quanto ao término da - vigência do benefício:
[...]
XII - na saída interestadual, efetuada por atacadista, de medicamento de uso humano e de material hospitalar destinada a órgão da administração pública direta ou indireta, hospital ou clínica de saúde, desde que a operação interna na unidade federada de destino seja tributada pelo imposto, o valor equivalente aos seguintes percentuais, resultante da aplicação das fórmulas constantes das alíneas "a" e "b", aplicado sobre o valor da operação e observado ainda: (Redação acrescida pelo Decreto nº 8.689 - vigência: 14.07.16)
Desse modo, ao empregar o termo “instituições públicas pertencentes a administração direta, suas autarquias e fundações” na redação do art. 116, II, 'f' do CTE-GO, entendemos que o legislador goiano não está a restringir a possibilidade de fruição do benefício da isenção apenas aos órgãos das Administração Pública Direta do Estado de Goiás, abrangendo também a Administração Pública Direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, suas autarquias e fundações, o que, em última análise, atende à interpretação literal prescrita no art. 111 do CTN.
Assim, com fulcro nos argumentos alhures explicitados, sugerimos ao Superintendente de Política Tributária que restitua os presentes autos à Subsecretaria da Receita Estadual para que esta os encaminhe à Gerência do Contencioso Tributário da Procuradoria-Geral do Estado, de modo que o presente opinativo possa ensejar o reexame da matéria e, consequentemente, a reconsideração da orientação esposada no Parecer PGE/GECT-05495 nº 60/2022.
GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA DO (A) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, ao(s) 16 dia(s) do mês de fevereiro de 2023.