Parecer AGU/MF nº 4 de 21/08/2001

Norma Federal - Publicado no DO em 09 abr 2002

(Anexo ao Parecer GM-029)

Processo nº 27101.000463/89-40.

Anexo
MT nº 50000.001589/2001-21

Interessados: Ministério das Minas e Energia. "Bom Retiro Energia Ltda."

Assunto: Divergência entre CJ/MME, CJ/MT e Procuradoria-Geral da ANEEL.

Ementa: Aproveitamento da energia hidráulica associada à queda d'água proporcionada por barragem de navegação construída com recursos públicos.

I - Há que fazer-se a distinção entre "o aproveitamento energético dos cursos de água" (CF, art. 21, XII, b) e o uso de um bem público existente (barragem/eclusa) para o aproveitamento de potencial hidrelétrico associado à queda d'água proporcionada pela barragem.

II - Na hipótese de aproveitamento de potencial hidráulico de curso d'água, de potência superior a 1.000 e igual ou inferior a 30.000 KW destinado à autoprodução ou à produção independente, a concordância do governo pode dar-se por autorização (art. 26, I, Lei nº 9.427/96, alterada pela Lei nº 9.648/98), a cargo da ANEEL.

III - Nas mesmas condições do item anterior, mas tratando-se de utilização de barragem já existente (barragem de navegação), dois serão os bens: barragem cuja utilização se pretende e o potencial hidrelétrico cujo aproveitamento é objetivo final. Neste caso, deve-se proceder à concessão de uso e de aproveitamento de potencial hidrelétrico, mediante licitação a ser realizada sob a responsabilidade do MME, por intermédio da ANEEL.

IV - O MT, sob cuja guarda se encontra a barragem, por ato ministerial, deverá estabelecer as condições em que se dará a utilização da barragem. No caso de que tratam estes autos, o MT deverá entender-se com a CODESP, responsável pela administração e operação da barragem. Todas as condições deverão constar do edital.

V - O MME, pela ANEEL, será o responsável pela licitação da concessão de uso do potencial hidrelétrico de "BOM RETIRO" (Dec. 2.249/97, art. 1º, parágrafo único, e art. 2º).

Senhor Consultor-Geral da União,

Com o Ofício nº 148/01-SAJ, de 4 de julho de 2001, o Sr. Chefe de Gabinete da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República submete à apreciação desta Advocacia-Geral da União o processo administrativo supra indicado, em face de divergência entre a Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e a Procuradoria-Geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, "sobre questões relacionadas com o aproveitamento da energia hidráulica associada à queda d'água proporcionada pela barragem de navegação de Bom Retiro do Sul", no Estado do Rio Grande do Sul.

I - RELATÓRIO

2. A divergência entre os Órgãos diz respeito à necessidade ou não do processo licitatório para o aproveitamento do potencial hidráulico existente em razão da construção da barragem "Bom Retiro", no Estado do Rio Grande do Sul. A análise jurídica efetuada pela Procuradoria-Geral da ANEEL, apontou para a necessidade do processo, tendo em vista o fato de o empreendimento "utilizar bem público de propriedade da União, representado pelo potencial hidráulico existente em razão da construção da barragem de Bom Retiro do Sul, bem como do uso múltiplo desse reservatório." O assunto foi também examinado pelo Ministério dos Transportes, por meio da Secretaria de Transportes Aquaviários, que entendeu não ser necessário nenhum procedimento licitatório, tendo a Consultoria Jurídica daquele Ministério com o Parecer CONJUR/Nº 020/2001, firmado o entendimento de que "não se trata de utilização de bem público, e que, eventual processo licitatório, deverá ser decidido pela ANEEL." Já a análise efetuada pela Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia, por meio do Parecer CONJUR/MME nº 061/2001, concluiu que se cuida de bem público nos termos do art. 176, § 1º, da Lei Maior, que é caso de autorização (art. 26, I, Lei nº 9.427, de 1995) e "que a questão deve ser submetida ao Advogado-Geral da União, pois além do conflito jurídico existente, {a análise da legislação} constatou que referida barragem de Bom Retiro do Sul, foi incluída no Programa Nacional de Desestatização - PND, conforme se verifica no inciso IV do art. 1º, do Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997."

3. Conveniente, para guardar rigorosa fidelidade aos documentos em questão, a sua transcrição integral.

4. A Exposição de Motivos nº 45/MME, de 26 de junho de 2001, em que o Exmº Sr. Ministro de Minas e Energia solicita a audiência desta Instituição, tem a seguinte redação:

"EM Nº 045/MME, de 26 de junho de 2001. (fls. 02 a 03)

Submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, com sugestão de que seja solicitado o exame do Senhor Advogado-Geral da União, o processo nº 27101.000463/89-40, que trata de questões relacionadas com o aproveitamento da energia hidráulica associada à queda d'água proporcionada pela barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, localizada no rio Taquari, Município de Cruzeiro do Sul - RS.

2. Cumpre esclarecer que referida barragem foi construída pela União através da extinta Empresa de Portos do Brasil S.A. - PORTOBRÁS, tendo por objetivo permitir a navegação até o porto de Estrela, localizado no Município de Lajeado - RS, sendo operada e administrada atualmente pela Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP, em função de um convênio firmado com a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes.

3. Objetivando o aproveitamento hidrelétrico dessa barragem, a empresa Bom Retiro Energia Ltda., apresentou à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, estudos acompanhado (SIC) de projeto para fins de geração de energia com potência estimada em 30 MW, tendo sido esse empreendimento listado naquela Agência como o de uma Pequena Central Hidrelétrica , para fins do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996.

4. A análise jurídica efetuada pela Procuradoria-Geral da ANEEL, apontou para a necessidade de abertura de processo licitatório para o empreendimento, a ser conduzido pelo Ministério dos Transportes, tendo em vista do mesmo utilizar bem público de propriedade da União, representado pelo potencial hidráulico existente em razão da construção da barragem de Bom Retiro do Sul, bem como do uso múltiplo desse reservatório.

5. O assunto foi também examinado pelo Ministério dos Transportes, por meio da Secretaria de Transportes Aquaviários, que entendeu não ser necessário nenhum procedimento licitatório, tendo a Consultoria Jurídica daquele Ministério através do Parecer CONJUR/Nº 020/2001, firmado o entendimento de que não se trata de utilização de bem público, e que, eventual processo licitatório, deverá ser decidido pela ANEEL.

6. Considerando os posicionamentos jurídicos conflitantes, a Diretoria Colegiada da ANEEL deliberou por encaminhar a questão para ser dirimida pela Advocacia-Geral da União, nos termos do inciso XI do art. 4º, e §§ 1º e 2º do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

7. No âmbito deste Ministério, a análise efetuada pela Consultoria Jurídica, por meio do Parecer CONJUR/MME nº 061/2001, concluiu que a questão deve ser submetida ao Advogado-Geral da União, pois além do conflito jurídico existente, constatou que referida barragem de Bom Retiro do Sul, foi incluída no Programa Nacional de Desestatização - PND, conforme se verifica no inciso IV do art. 1º, do Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997.

8. Outro ponto a ser considerado, é que este é o primeiro caso em que se examina juridicamente o aproveitamento de barragem existente, construída com recursos públicos para implantação de Pequena Central Hidrelétrica, existindo no país diversos outros empreendimentos dessa natureza, construídos para fins de navegação ou armazenagem de água para abastecimento público e irrigação, passíveis de utilização também para geração de energia, para os quais o presente caso servirá de precedente.

9. Tendo em vista a natureza do assunto, e os reflexos jurídicos sobre os demais casos dessa natureza, considera-se necessária a manifestação da Advocacia-Geral da União, a fim de prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos que já enfrentaram a questão, fixando as diretrizes a serem seguidas." (São meus os destaques em negrito).

5. O Parecer CONJUR/Nº 020/2001, datado de 27 de março de 2001, subscrito pelo Coordenador-Geral de Assuntos Técnicos de Transportes e ratificado pelo Consultor Jurídico, tem a análise do mérito e conclusão transcritas no item 7 do Parecer 055/PGE/ANEEL (fls. 588-599), datado de 9 de abril do corrente ano, da lavra do Dr. CLÁUDIO GIRARDI, Procurador-Geral, que está assim redigido:

"Por meio do Ofício nº 382/GM/MT, datado de 28 de março de 2001, subscrito pelo Sr. RAIMUNDO DANTAS DOS SANTOS, Chefe de Gabinete do Ministério dos Transportes, foi encaminhado a esta Agência para exame e manifestação, por recomendação da Consultoria Jurídica daquele Ministério o Processo nº 50000.001589/2001-21, que trata do pleito da Empresa Bom Retiro Energia, que versa sobre o projeto de captação e restituição das vazões afluentes ao reservatório da barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, no rio Taquari.

2. No supracitado processo esta Procuradoria-Geral manifestou-se por intermédio do Parecer nº 354/2000-PGE/ANEEL, datado de 29 de dezembro de 2000 (fls. 29/33), concluindo que o Ministério dos Transportes deveria pronunciar-se sobre a realização ou dispensa do processo licitatório para a derivação de água da referida barragem para a geração de energia elétrica, considerando que a mesma foi construída com recursos públicos.

3. Após a edição do aludido parecer o Secretário de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes expediu a Portaria nº 5, datada de 14 de fevereiro de 2001, DOU de 15.02.2001 (fls. 24), contendo o seguinte teor:

"O SECRETÁRIO DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, tendo em vista o disposto no art. 8, Anexo I ao Decreto nº 1.642, de 25 de setembro de 1995, e considerando o que consta do processo nº 50000.001589/2001-21, resolve:

I - Aprovar no que diz respeito às atribuições do Departamento de Hidrovias Interiores - DHI, desta Secretaria, o projeto de captação e restituição das vazões afluentes ao reservatório da barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, no rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul, conforme o apresentado nos desenhos nº 8575/US-10-16-0001/REV-0. - Planta de Localização e Acesso e nº 85755/US-3G-16-0003/REV-0 - UHE Bom Retiro - Projeto Básico;

II - Ressalvar os aspectos relativos ao ordenamento do espaço aquaviário, bem como a implantação e manutenção dos requisitos de segurança à navegação no local, exigidos pelo Comando da Marinha, do Ministério da Defesa;

III - Todos os demais aspectos e condicionantes relativos ao empreendimento sujeitar-se-ão às normas e regulamentos da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, do Ministério das Minas e Energia;

IV - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.

WILDJAN DA FONSECA MAGNO" (Os destaques são do original).

4. Ocorre que a referida Portaria fundamentou-se na NOTA INFORMATIVA Nº 007/CGINF/DHI, datada de 13 de fevereiro de 2001 (Fls. 43/45), subscrita pelo Sr. PAULO ROBERTO COELHO DE GODOY, Coordenador-Geral de Infra-Estrutura Hidroviária, na qual, ao abordar a questão da licitação, no item 5, assim dispôs, in verbis:

"5. Esse assunto foi longamente discutido entre os dias 6 e 7 p.p. tendo-se chegado ao consenso, nesta Secretaria, que fica prejudicada a anterior caracterização de que o empreendimento utilizava-se de um bem público sob a guarda deste Ministério, pelas seguintes razões:

A autorização para a geração de energia aproveitando o potencial energético dos cursos d'água transcende à competência deste Ministério, sendo esta regulada pela "Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL", vinculada ao Ministério das Minas e Energia;

O empreendimento pretendido não se situa em terreno próprio da União e, como constatado na Certidão de Registro de Imóveis Lajeado - RS, o bem pertence à firma BOM RETIRO ENERGIA LTDA., conforme o registro R-1-42, de 30 de outubro de 2000 (folha 36 deste);

O rio Taquari não se enquadra como Bem da União, conforme estatui o inciso III do art. 20, da Constituição Federal, pois nasce e morre dentro do próprio Estado do Rio Grande do Sul;

O empreendimento não utilizará a barragem de Bom Retiro do Sul, fugindo esta de seus propósitos específicos;

De todo o exposto, seria equivocado se proceder à abertura de processo de Licitação Pública em terreno que não pertence à União;

Também, a queda d'água provocada pelo desnível da barragem continuará a atender sua função precípua de manter o calado mínimo navegável para a hidrovia do Jacuí-Taquari. Para tanto, será exigida a necessária defesa do direito de se navegar pela Hidrovia Jacuí-Taquari."

5. Sendo procurado pelos interessados na exploração do referido potencial hidráulico, e em nome da economia processual, esta Procuradoria expediu o Ofício nº 023/2001-PGE/ANEEL, datado de 22 de março de 2001 (Fl. 27), no seguinte teor:

"Assunto: Aproveitamento do potencial hidráulico na barragem de Bom Retiro, em trecho do rio Taquari, no Município de Cruzeiro do Sul, Estado do Rio Grande do Sul.

Processo: 27101.000463/89-40

Em atenção ao Ofício nº 002/01, datado de 12 de março de 2001 (fls. 555) dos autos do processo em referência, por meio do qual V. Sª encaminha a documentação necessária à obtenção da autorização para implantação do projeto da UHE Bom Retiro para a execução das atividades relacionadas ao referido aproveitamento hidrelétrico, informamos:

2. Diante das colocações do Parecer ANEEL nº 354/2000 (fls. 548/553) dos mesmos autos, entendemos que os argumentos apontados na NOTA INFORMATIVA Nº 007/CGINF/DHI (fls. 576/578), que fundamentou a edição da Portaria nº 005, de 14 de fevereiro de 2001 (fls. 575), do Senhor Secretário de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes são insuficientes para respaldar o ato autorizativo desta Agência.

3. Assim sendo, é de todo conveniente, para a segurança jurídica do empregador e das demais partes envolvidas, que a fundamentação da referida Portaria tenha base em parecer jurídico que enfoque a desnecessidade de licitação para a derivação da água da barragem de Bom Retiro do Sul, ressalvados todos os interesses da navegação para fins de que esta Agência possa autorizar o aproveitamento do potencial hidráulico, conforme projeto apresentado e aprovado, que faz parte do presente processo."

6. Consta às folhas 34/35 do processo MT 50000.001589/2001-21, remetido a esta Agência, a manifestação subscrita pelo Sr. PAULO ROBERTO COELHO DE GODOY, Coordenador-Geral da Infra-estrutura Hidroviária, representada pela NOTA TÉCNICA Nº 020/2001-DHI/STA, datada de 22 de março de 2001, cujo texto, transcreve-se:

"Cabe-me destacar que os argumentos consubstanciados na NOTA INFORMATIVA Nº 007/CGINF são todos eficazes e bem caracterizam a intenção do pretendente em derivar e restituir as vazões afluentes ao reservatório de Bom Retiro do Sul sem causar prejuízos à navegação interior no Estado do Rio Grande do Sul.

Também, ressalto que já é rotina consolidada no âmbito desta Secretaria de Transportes Aquaviários autorizar, através de Portaria, a aprovação de obras que interferem com a operação do transporte nas vias navegáveis interiores de jurisdição federal, dentre elas: pontes rodoviárias, dutos e linhas de transmissão sobre e sob os rios navegáveis, tomadas d'água para captação de água nos rios navegáveis para irrigação e abastecimento de cidades, etc.

Evidentemente, essas outorgas são dadas em caráter autorizativo, desde que não tragam quaisquer prejuízos à navegação e ao transporte fluvial. Tais procedimentos encontram respaldo, inclusive, nas normas do Ministério da Defesa.

Agrega-se a isso que este Ministério não visa auferir nenhuma vantagem pelas facilidades disponibilizadas aos usuários das hidrovias e sim o disciplinamento e a fiscalização do transporte quando ele é realizado para fins comerciais.

Na situação muito particular do pretendente a gerar energia elétrica na barragem de Bom Retiro do Sul, caso que nunca tinha ocorrido no âmbito desta Secretaria, ficou definido que não se tratava de abrir processo de licitação pública para a realização do empreendimento em face da obra não caracterizar o uso de bem público e que esteja sob a guarda deste Ministério, conforme bem demonstra os §§ 5º, 6º e 7º da NOTA INFORMATIVA Nº 007/CGINF/DHI (folha 43). Grifou-se.

Entretanto, em face da consideração daquela Agência Reguladora, exarada no Ofício nº 023/2001-PGE/ANEEL, não vejo nenhum óbice quanto ao encaminhamento dessa matéria à consideração da douta CONJUR/MT."

7. Consta-se às folhas 39/40/41 do mesmo processo manifestação da Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes representada pelo Parecer CONJUR/Nº 020/2001, datado de 27 de março de 2001, subscrito pelo Coordenador-Geral de Assuntos Técnicos de Transportes e ratificado pelo Consultor Jurídico, donde extrai-se o seguinte in verbis:

"DO MÉRITO

7. Pelo que se depreende da matéria ventilada nos presentes autos, o ato administrativo baixado pelo Secretário de Transportes Aquaviários teve por intuito apenas e tão-somente autorizar a realização de um projeto apresentado pela interessada, bem assim ressalvar os aspectos relativos ao ordenamento de espaço aquaviário, bem como a implantação e manutenção dos requisitos de segurança à navegação no local, exigidos pelo Comando da Marinha, do Ministério da Defesa, tendo ficado claro na multicitada Portaria nº 05/2001, que todos os demais aspectos e condicionantes relativos ao empreendimento sujeitar-se-iam às normas e regulamentos da ANEEL, do Ministério das Minas e Energia.

8. Em assim sendo, parodiando o Departamento de Hidrovias Interiores deste Ministério não vislumbro necessidade, no que pertine ao ato baixado pela STA/MT, de se deflagrar qualquer procedimento licitatório para análise e aprovação do projeto sob comentário, mesmo porque trata-se de outorga autorizativa, que não demanda nenhum procedimento seletivo.

9. Quanto à outorga para implantação da barragem, referida matéria, como não poderia deixar de ser, é de competência da ANEEL, a quem incumbe dizer sobre a necessidade ou não de procedimento licitatório.

CONCLUSÃO 

10. Diante de todo o exposto, sou de parecer que o ato da lavra da STA/MT se reveste de juridicidade e legalidade indispensáveis à sua validade, de vez que está respaldado no ordenamento jurídico vigente."

8. Lendo a NOTA TÉCNICA Nº 020/2001-DHI/STA, datada de 22 de março de 2001 (fls. 34/35) percebe-se que a mesma é contraditória, porquanto no 4º parágrafo afirma "que já é rotina consolidada no âmbito desta Secretaria de Transportes Aquaviários autorizar, através de Portaria, a aprovação de obras que interferem com a operação do transporte nas vias navegáveis interiores de jurisdição federal, dentre elas: pontes rodoviárias, dutos e linhas de transmissão sobre e sob os rios navegáveis, tomadas d'água para captação de água nos rios navegáveis para irrigação e abastecimento de cidades, etc."

9. Mais adiante a referida Nota Técnica, no seu penúltimo parágrafo (fls. 35), assim se expressa:

"Na situação muito particular do pretendente a gerar energia elétrica na barragem de Bom Retiro do Sul, caso que nunca tinha ocorrido no âmbito desta Secretaria, ficou definido que não se tratava de abrir processo de licitação pública para a realização do empreendimento em face da obra não caracterizar o uso de bem público e que esteja sob a guarda deste Ministério, conforme bem demonstra os §§ 5º, 6º e 7º da NOTA INFORMATIVA Nº 007/CGINF/DHI (folha 43)."

10. Da mesma forma no Parecer CONJUR/Nº 020/2001, datado de 27 de março de 2001, a ilustrada CONJUR/MT endossa as referidas Notas Técnicas e diz não ser caso de licitação.

11. Em face de todo o exposto, entendemos que o pensamento jurídico da ANEEL não se identifica com o da CONJUR, do Ministério dos Transportes, no que diz respeito à necessidade de licitação para o uso remunerado por particular do bem público, consubstanciado no reservatório de água formado a partir da construção da barragem Bom Retiro do Sul.

12. No momento em que o Parecer da CONJUR/MT afirma que parodiou a Nota Informativa nº 007/CGINF/DHI do Departamento de Hidrovias Interiores, da Secretaria de Transportes Aquaviários, do Ministério dos Transportes, que originou a Portaria nº 05, de 14.02.2001, aprovando o projeto de captação de água do reservatório em pauta, sem licitação, para que o particular ali indicado possa instalar ao lado do reservatório uma usina privada de energia elétrica, esta Procuradoria Geral insiste em afirmar a necessidade da licitação, sob o ponto de vista jurídico, eis que entende equivocada a referida Nota, nos tópicos que com mais ênfase rebate, conforme a seguir:

NI 007/01:"1. ... condicionava tal autorização ao perfeito entendimento entre o "empreendedor" e o proprietário da barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, no rio Taquari, no caso a União, através do Ministério dos Transportes."

ANEEL: O ponto de vista do antigo DNAEE não foi modificado com o advento da ANEEL, quanto ao perfeito entendimento acima referido. O verbo condicionar empregado não se conjuga no passado "condicionava" e, sim, no presente "condiciona", porquanto a usina, que terá prazo de duração mínimo de 30 anos, nas mãos de particulares, não poderá ser concebida sob frágil autorização, que não cria o necessário direito subjetivo de uso ao empreendedor, a ponto de garantir-lhe perene fornecimento de água, haja vista que a barragem em pauta está inclusa no Plano Nacional de Desestatização, conforme Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997, da Presidência da República.

NI 007/01: "2. ... transferência em licitação pública da operação de diversos segmentos considerados 'monopólios naturais' à iniciativa privada ..."

NI 007/01: "3. ... o referido Processo 50000.010364/93-11, sobre a possibilidade de gerar energia elétrica na referida barragem ... tomou rumos outros e que derivando da atual legislação aplicável ao caso."

ANEEL: Além de não indicar, expressamente, que legislação atual é essa, há contradição entre os itens 2 e 3 da NI 007/01, pois, enquanto o 2 afirma que a transferência ao particular se dá "em licitação pública", o 3 isenta o empreendedor do certame, em nome de uma legislação que não aponta.

NI 007/01: "4. ... foi tomada consciência de que "NÃO SE TRATA DE REAL MOTORIZAÇÃO DA BARRAGEM EM QUESTÃO" e, sim:

- da simples captação de água a montante do reservatório criado pela barragem;

- da retirada do potencial hidráulico dessa vazão pelas turbinas;

ANEEL: O fato de não motorizar a barragem é irrelevante. O que importa é o uso da água do reservatório, que só existe em função de uma obra pública, erguida com recursos públicos, que é a barragem. Ora, o bem público que está em jogo não é o concreto da barragem e sim o reservatório de água que um particular quer usar sem licitação. De nada interessa a barragem sem a água por ela acumulada. Captar essa água acumulada no reservatório é sim usufruir de bem público. Portanto, não é próprio, dada a seriedade do caso, sofismar sobre a hipótese de que a água acumulada não faz parte do bem público podendo ser utilizada por quem aprouver. No presente caso, se não houvesse a barragem não haveria a água para se captar com o fim de produção de energia elétrica. A água poderia ser captada em algum ponto do rio Taquari, abaixo da barragem, por exemplo e não, como se quer, logo a montante do barramento. Outra afirmativa, impossível de se crer, é a que transfere para as turbinas a retirada do potencial hidráulico. Ora, o que as turbinas retiram é a força da água transformada em energia. O potencial hidráulico é essa força sem utilização, propiciada pela água acumulada reservatório. No momento em que se utiliza dessa força o reservatório deixa de ser potencial hidráulico, passando a ser fornecedor do insumo básico da hidrelétrica. Portanto, utilizar-se do reservatório, não se trata de simples captação de água, é sobretudo processo industrial de transformação do potencial hidráulico em energia. O potencial hidráulico está incluído como um bem da União inscrito no inciso III (SIC. A referência deveria ser ao item V), do art. 20 e 176 da CF.

NI 007/01: "5. Este assunto foi longamente discutido entre os dias 6 e 7 p.p. tendo-se chegado ao consenso, nesta Secretaria, que fica prejudicada a anterior caracterização de que o empreendimento utilizava-se de um bem público sob a guarda deste Ministério, pelas seguintes razões:"

ANEEL: Há no processo um mal entendido que merece de todo ser esclarecido. É que no Termo de Cooperação Técnica, firmado entre o Ministério dos Transportes e o de Minas e Energia, que traz endosso técnico, portanto, a aprovação do ilustre Consultor Jurídico do MT, é textual ao afirmar que a barragem de Bom Retiro do Sul foi inaugurada em 1976, com recursos da União e que " esse empreendimento público foi transferido à guarda do Serviço de Patrimônio da União - SPU , tendo sido gravado para a CODESP a sua operação e manutenção". É preciso esclarecer se o que se considera empreendimento público sob a guarda do SPU. Será somente a obra civil? Evidente que não, despiciendas maiores considerações. O reservatório de água é o que interessa como resultado do empreendimento público constituído da barragem, pois é ele, reservatório, que regula as águas do rio para a navegação. Admitir a existência do bem público barragem, isolada do reservatório de água, é algo absolutamente inadmissível.

NI 007/01: "5. .....

A autorização para a geração de energia aproveitando o potencial energético dos cursos d'água transcende à competência deste Ministério, sendo esta regulada pela "Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL", vinculada ao Ministério das Minas e Energia;

O empreendimento pretendido não se situa em terreno próprio da União e, como constatado na Certidão de Registro de Imóveis (SIC. de) Lajeado - RS, o bem pertence à firma BOM RETIRO ENERGIA LTDA, conforme o registro R-1-42, de 30 de outubro de 2000 (folha 36 deste);

O rio Taquari não se enquadra como Bem da União, conforme estatui o inciso III, do art. 20, da Constituição Federal, pois nasce e morre dentro do próprio Estado do Rio Grande do Sul;

O empreendimento não utilizará a barragem de Bom Retiro do Sul, fugindo esta de seus propósitos específicos;

De todo o exposto, seria equivocado se proceder à abertura de processo de Licitação Pública em terreno que não pertence à União;

ANEEL: É indiscutível que a competência para outorgar concessões e autorizações para produção de energia elétrica é desta Agência. Também não se discute que o empreendimento (casa de máquinas) localizar-se-á, ao que indica o projeto, em terras adquiridas pelo interessado na produção de energia elétrica. Todavia, ao assim se expressar a referida Nota Informativa desvia-se do foco principal da questão, qual seja o da DERIVAÇÃO DE ÁGUA DE UMA BARRAGEM PÚBLICA, POR PARTICULAR, COM FINS ECONÔMICOS. Esta e somente esta é a questão que deveria ter sido esclarecida pela área jurídica do Ministério dos Transportes. No que pertine a (SIC) competência sobre o rio Taquari, tendo o mesmo nascente e foz dentro do próprio Estado, é um rio estadual, conforme previsão constitucional. Contudo, não é menos verdade que a Constituição Federal, em seus arts. 20 e 176 incluem os potenciais hidráulicos entre os bens da União. Dizer-se que "o empreendimento não utilizará a barragem de Bom Retiro do Sul ... e que seria equivocado se proceder a abertura de processo de Licitação Pública em terreno que não pertence à União" é um despropósito. A questão já havia sido suficientemente esclarecida no Parecer PGE/ANEEL nº 354/2000, anteriormente emitido.

NI 007/01: "6. ... Nessas condições, a atual interessada BOM RETIRO ENERGIA LTDA. apresenta requerimento à folha 01 deste, solicitando a AUTORIZAÇÃO desta Secretaria para captar e restituir a vazão afluente na referida barragem, para fins de geração de energia elétrica, comprometendo-se não interferir com a atual prática de navegação da hidrovia Jacui-Taquari..."

ANEEL: A interessada não está pedindo a retirada de alguns metros cúbicos de água. Está sim, pleiteando a retirada de água de um reservatório público suficiente para impulsionar máquinas que gerarão 30 MW de energia elétrica, o que lhe permitirá faturar anualmente algo superior a R$ 10 milhões. Também poderá prejudicar a privatização da barragem no que diz respeito à sua vocação de uso compartilhado, especialmente no que pertine a energia elétrica.

13. Ficou, destarte, estabelecido conflito de interpretação legal no confronto dos termos do Parecer nº 354/2000-PGE/ANEEL com os termos da Portaria nº 5, de 14 de fevereiro de 2001, da Secretaria de Transportes Aquaviários, do Ministério dos Transportes, instruída com as informações extraídas da NOTA INFORMATIVA nº 007/CGINF/DHI, retro comentada.

14. Ora, a Portaria estatui, no seu inciso III, que o empreendimento hidrelétrico sujeitar-se-á às normas e regulamentos da ANEEL, esquecendo-se, todavia, de que a eventual autorização da ANEEL, por trinta anos beneficiará um particular (A e não B ou C) porquanto, este, ao fazer o aproveitamento hidrelétrico, o fará sem ter que construir o barramento do rio, posto que este já foi erigido com recursos da União.

15. Acresce, ainda, que o funcionamento da usina gerará direito subjetivo ao interessado, capaz de lhe garantir, pelo prazo da autorização, a captação da água do reservatório.

16. Todavia, o direito subjetivo se dá quando bases jurídicas sólidas o amparam, algo diferente de uma precária outorga declarativa, passível de revogação a qualquer momento. O direito subjetivo exige origem em termo adjudicatório de licitação pública, realizada para este fim e acrescido de contrato administrativo, onde as obrigações do vencedor para com (o) serviço público se definam, bem como o prazo de uso do bem público.

17. Já no inciso II a Portaria do MT faz ressalva aos "aspectos relativos ao ordenamento do espaço aquaviário," determinando a "implantação e manutenção dos requisitos de segurança à navegação no local, exigidos pelo Comando da Marinha do Ministério da Defesa." Percebe-se a partir daí que a situação recrudesce no sentido da obrigatoriedade de se proceder a licitação pública, no resguardo de responsabilidades, já que envolve interesses de terceiros a partir da Marinha, até quem sabe quantos outros, que poderão inclusive embargar a obra da hidrelétrica.

18. Esta Procuradoria Geral (SIC) não está só na tese da obrigatoriedade da licitação, bastando citar Hely Lopes Meirelles, no seu livro Licitação e Contrato Administrativo, 5ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 293 e 294, para sua corroboração:

"Todos os bens públicos, qualquer que seja a sua natureza, são passíveis de uso especial por particulares, desde que a utilização consentida pela Administração não os leva à inutilização ou destruição."

"Ninguém tem direito natural a uso especial de bem público, mas qualquer indivíduo ou empresa pode obtê-lo por contrato com a Administração ou recebê-lo por ato unilateral e precário da autoridade competente. Esse uso será remunerado ou gratuito, por tempo certo ou indeterminado. Atribuído regularmente o uso especial, o beneficiário passa a ter um direito subjetivo público ao seu exercício, oponível a terceiros e à própria Administração, nas condições impostas ou convencionadas. A estabilidade e precariedade desse uso, assim como a retomada do bem público, com ou sem indenização ao usuário, dependerá do título atributivo que o legitimou."

"As formas administrativas para o uso especial de bem público por particulares variam desde as simples e unilaterais autorização de uso e permissão de uso, até os formais contratos de concessão de uso."

"Contrato de concessão de uso de bem público, também denominado de cessão de uso, é o ajuste administrativo pelo qual o Poder Público outorga a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a um particular, para que o explore por sua conta e risco, segundo a sua específica destinação. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos institutos assemelhados (autorização e permissão de uso) é o TRASPASSE CONSTRATUAL (SIC) E ESTÁVEL DA UTILIZAÇÃO DO BEM PÚBLICO, para que o particular concessionário explore-o consoante a sua destinação legal e nas condições convencionadas com a administração concedente." (orig. s/grifo). Tal como ocorre com a concessão das áreas (box) de mercado, ou um hotel, ou um logradouro turístico pertencente ao Poder Público, mas confiado contratualmente à exploração de um particular.

"O contrato de concessão de uso de bem público é ajuste administrativo típico, bilateral oneroso, comutativo e realizado intuitu personae."

"A concessão de uso é normalmente remunerada e excepcionalmente gratuita, por tempo certo ou indeterminado, SEMPRE PRECEDIDA DE CONCORRÊNCIA PARA O CONTRATO (grif. nosso). Sua outorga não é nem discricionária nem precária, pois obedece a normas legais e regulamentos a que se vinculam as cláusulas do ajuste, e imprimem a definitividade relativa dos contratos administrativos, GERANDO DIREITOS INDIVIDUAIS E SUBJETIVOS PARA AS PARTES CONTRATANTES (orig. s/grifo). Tal contrato confere ao concessionário um direito pessoal de exploração do bem concedido, pelo prazo e nas condições avençadas com a Administração, admitindo a remuneração do serviço ou da atividade prestada ao público por meio de um preço, geralmente tabelado pela concedente, que, em contrapartida, receberá o valor periódico ou global da concessão, fixado no contrato, com ou sem reajuste."

O contrato de concessão de uso é intransferível no todo ou em parte, através de subconcessão, porque isto burlaria a escolha pessoal do concessionário em licitação. O que se admite é a subcontratação parcial do uso do bem, mas sob inteira responsabilidade do concessionário e nas mesmas condições do contrato original, desde que haja cláusula permissiva e aquiescência da Administração concedente."

19. Vale acrescer o conceito de bem público, conforme lhe empresta o renomado jurista De Plácido e Silva, no seu Vocabulário Jurídico, 12ª edição, Forense, p. 316, verbis:

"Segundo a definição que nos dá a lei civil brasileira, bens públicos são todos os que fazem parte do domínio da União, dos Estados Federados e dos Municípios, não importando o uso ou fins a que se destinem. Desse modo, a qualidade de públicos atribuída aos bens, decorre precipuamente da condição de pertencerem às pessoas de Direito Público, tal como é condição dos bens particulares pertencerem às pessoas de direito privado."

"Os bens públicos são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis. Entanto, por ato emanado de autoridade competente, podem ser cedidos a particulares."

20. Não resta a menor dúvida quanto ao domínio público da barragem e do reservatório de água formado e denominado Bom Retiro do Sul. A geração de energia hidrelétrica que se requer resultará da água acumulada no reservatório cuja finalidade precípua é manter a navegação dos rios a que se presta. Portanto, trata-se de uso múltiplo de bem público, fato que, por si só, não dispensa licitação. Diferentemente é o caso de aproveitamento de potenciais hidráulicos em seu estado natural, e de potência até 30 MW, em que a Lei nº 9.427, de 1996, art. 26, com redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998, permite que a ANEEL outorgue autorização.

21. Se pode ser também usada a água do reservatório para outros fins, no caso captação para produção de energia elétrica por particular, imprescindível se torna conferir solidez na concessão desse uso, isto é, indispensáveis se tornam a licitação desse uso e a assinatura do contrato bilateral, onde direitos objetivos e subjetivos emergirão e obrigações serão definidas, para a consecução dos serviços comuns. Espera-se, com tal medida, maior segurança no desenvolver dos trabalhos, eis que impedirá, por exemplo, a revogação da Portaria a qualquer tempo, por motivos até mesmo irrelevantes, em detrimento dos muitos então consumidores da energia elétrica produzida.

22. A licitação da cessão de uso e o contrato dela decorrente objetivarão, além da transparência quanto a (SIC) legalidade da operação, garantia robusta para eficiência dos serviços de energia elétrica; ressarcimento para os cofres da União de parte dos gastos efetivados com a construção de barragem; e, também, contribuirá com a sua manutenção.

23. Finalmente é relevante considerar que este é o primeiro caso que se examina juridicamente de geração de energia elétrica a partir de barragem já existente, construída com recursos públicos. Destarte, servindo este caso de precedente, é imprescindível o seu revestimento de toda segurança jurídica, porquanto, certamente, dezenas de outros casos semelhantes surgirão.

24. É oportuno lembrar, ademais, que fomos procurados pelo Senhor Diretor-Geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, com intuito de debater a produção de energia elétrica em barragens administradas por aquele Departamento. Sem muita delonga aquele Diretor-Geral convenceu-se da necessidade e importância de licitação para outorga da respectiva autorização.

25. Diante de todo o exposto conclui-se:

a) ser de natureza complexa o ato administrativo autorizado para a construção da usina hidrelétrica requerida, envolvendo dois Ministérios;

b) que tal fato exige melhor entendimento, não só entre o empreendedor e o órgão federal detentor do bem público que se quer disponibilizado, como, também, entre os órgãos da administração pública envolvidos, cujo conflito de entendimento jurídico restou expresso neste parecer;

c) que o Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997, inclui o aproveitamento hidrelétrico Bom Retiro do Sul no Programa Nacional de Desestatização - PND o que exige licitação para o aproveitamento hidrelétrico, conforme art. 1º, parágrafo único.

É de todo recomendável que a presente controvérsia jurídica seja dirimida no âmbito da Advocacia-Geral da União, nos termos preconizados pelo art. 40 e parágrafo único, da Lei Complementar nº 73, de 10.02.1993." (Todos os destaques são do original).

6. O Ministério de Minas e Energia, pelo Parecer CONJUR/MME 061, datado de 22.06.2001 (fls. 15 a 22), da lavra do Dr. VLADIMIR MUSKATIROVIC, Assessor, discorda da posição da PG/ANEEL. Eis o inteiro teor da sua manifestação:

"A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, por meio do Ofício nº 197/2001 - DR/ANEEL, de 24 de abril de 2001, encaminha a esta Consultoria Jurídica, o Processo Administrativo nº 27101.000463/89-40, solicitando seu envio à Advocacia-Geral da União em razão do conflito de entendimentos jurídicos envolvendo a Procuradoria-Geral daquela Autarquia e a Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, com fundamento no inciso XI do art. 4º, e §§ 1º e 2º do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

2. A questão sobre a qual se pretende dirimir o conflito jurídico, está centrada no fato de que a ANEEL entende ser necessária a abertura de processo licitatório por parte do Ministério dos Transportes para que se possa autorizar o aproveitamento da energia hidráulica associada à queda d'água proporcionada pela barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, uma vez que essa barragem constitui-se em bem da União, sob administração da Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP, enquanto que a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, alicerçada em parecer jurídico de sua Consultoria Jurídica, se posiciona no sentido de que não há necessidade de licitação para análise e aprovação de projeto dessa natureza, haja vista tratar-se apenas de outorga autorizativa, remetendo a questão sobre a licitação do potencial hidráulico dessa barragem à própria ANEEL.

3. Para melhor entendimento do assunto, há necessidade de se relatar todo o processo envolvendo esse pedido de aproveitamento energético, bem como as autorizações e aprovações do projeto, de competência interministerial.

BARRAGEM DE BOM RETIRO DO SUL

4. A barragem de Bom Retiro do Sul, localizada no rio Taquari, Município de Cruzeiro do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, foi construída pela União através da Empresa de Portos do Brasil S.A - PORTOBRÁS, cujas obras foram concluídas em 1976, tendo por objetivo regularizar os níveis no rio Taquari, de modo a permitir a navegação até o porto de Estrela, localizado no Município de Lajeado - RS.

5. Por meio do convênio nº 02/90 - SNT/DNTA, a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, transferiu as atividades de administração dos portos e hidrovias das Bacias do Sul, assim como a cessão de uso gratuito de bens integrantes do seu patrimônio à Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP.

6. Com a extinção da PORTOBRÁS, todos os seus ativos foram redistribuídos, sendo que os bens imóveis passaram a ser geridos pelo Departamento de Patrimônio da União - DPU, vinculado à Secretaria da Fazenda Nacional.

APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO DE BOM RETIRO DO SUL

7. Em 28.09.1989, a empresa Moinho Estrela Ltda., requereu junto ao então Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, a prioridade para o desenvolvimento de estudos de viabilidade objetivando a instalação de unidades geradoras na barragem de Bom Retiro do Sul.

8. Por meio da Portaria nº 29, de 12.03.1991, o DNAEE autorizou a realização dos estudos e elaboração do projeto básico, com potência estimada em 30 MW, sendo que outras Portarias foram sendo expedidas prorrogando o prazo para que o empreendedor pudesse apresentar seus estudos e projeto.

9. Após 10 anos, foi apresentado pela empresa interessada em 17.12.1998 (fls. 375), o projeto para essa usina, que considera o aproveitamento da energia hidráulica proporcionada pela barragem de navegação de Bom Retiro do Sul, sendo que as obras necessárias seriam realizadas na margem direita, e segundo consta do processo, em terreno de propriedade do empreendedor, que captaria água do reservatório para o funcionamento das turbinas, restituindo essa vazão diretamente na calha do rio, à jusante da barragem hoje existente.

10. Conforme informação da ANEEL, a implantação do empreendimento será muito facilitada, uma vez que não necessitará de obras de desvio do rio, da construção da barragem e do descarregador de cheias, pois tais estruturas já existem e estão em operação.

11. Considerando que a barragem foi construída pela União, e a sua operação foi transferida para a CODESP, foi elaborado um instrumento jurídico com o intuito de estabelecer as condições para o uso compartilhado desse bem público, envolvendo o Ministério de Minas e Energia e o Ministério dos Transportes, com interveniência da Companhia Docas do Estado de São Paulo e da Agência Nacional de Energia Elétrica.

12. Referido Termo de Cooperação Técnica não chegou a ser formalizado, em razão de terem sido levantados pela ANEEL, aspectos legais impeditivos que serão detalhados adiante.

13. Outra exigência para compor o processo de análise desse projeto, foi o de que o empreendedor atual "Bom Retiro Energia", sucessor dos direitos da empresa Moinho Estrela Ltda. (fls. 500 e 517), obtivesse a autorização do Ministério dos Transportes. Essa autorização foi expedida em 14.02.2001, por meio da Portaria nº 5, da Secretaria de Transportes Aquaviários daquele Ministério (fls. 579).

PARECERES JURÍDICOS DOS ÓRGÃOS ENVOLVIDOS E DECISÃO FINAL DA ANEEL

14. A fim de compor a análise do processo, a Procuradoria-Geral da ANEEL, elaborou o Parecer nº 354/2000-PGE/ANEEL (fls. 548/553), manifestando-se no sentido de que nos termos do art. 28 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, o fato da (SIC) empresa Bom Retiro Energia Ltda., ter elaborado os estudos técnicos e apresentado à Agência o projeto básico para o empreendimento, não lhe garantiria o direito à autorização.

15. Isto porque, segundo a área jurídica da ANEEL, existe um impedimento legal para essa autorização, representado na necessidade de ser aberto processo licitatório para utilização do potencial hidráulico existente, mesmo que a capacidade de geração seja de 30 MW. Recomendando por fim, o encaminhamento do caso ao Ministério dos Transportes para manifestação a respeito dessa questão.

16. Pela Nota Técnica nº 020/2001-DHISTA, a Secretaria de Transportes Aquaviários do MT, informa que não se trata de abrir processo licitatório em razão da obra não caracterizar o uso de bem público, ressaltando entretanto, que o pleito analisado por aquela Secretaria envolvendo a geração de energia elétrica numa barragem sob a guarda do Ministério dos Transportes, nunca tinha ocorrido.

17. Com base nessas informações, a Consultoria Jurídica daquele Ministério emitiu o PARECER CONJUR/Nº 020/2001, onde reafirma o posicionamento de sua área técnica, no sentido de que o ato baixado pela STA/MT, não caracteriza a necessidade de abertura de processo licitatório. Conclui a seguir, que compete à ANEEL dizer sobre a questão da licitação para outorga da autorização da implantação do empreendimento de geração de energia elétrica.

18. Por sua vez, a Procuradoria-Geral da ANEEL, através de novo Parecer (Nº 055/2001-PGE/ANEEL - fls. 588/599), manifesta-se de forma contundente no sentido de que não há qualquer dúvida sobre o domínio público da barragem e do reservatório formado e denominado Bom Retiro do Sul, uma vez que a geração de energia hidrelétrica pretendida pelo empreendedor privado, resultará da água acumulada nesse reservatório, cuja finalidade atual é manter a navegação dos rios a que se destina. Assim, tratando-se de uso múltiplo de bem público, (geração; navegação; captação d'água; dentre outros), há necessidade de um procedimento licitatório para conferir legitimidade e transparência ao processo, cabendo ao Ministério dos Transportes essa tarefa.

19. Finalizando a questão, a Diretoria Colegiada da ANEEL ao apreciar o assunto, acatou o parecer de sua Procuradoria-Geral, caracterizando-o como ocorrência de conflito de entendimento entre órgãos jurídicos daquela Agência e do Ministério dos Transportes, deliberando pelo encaminhamento da matéria para análise e manifestação da Advocacia-Geral da União.

20. Ressaltou o Senhor Diretor-Geral da ANEEL, que este é o primeiro caso em que se examina juridicamente o aproveitamento de barragem existente, construída com recursos públicos para implantação de Pequena Central Hidrelétrica, existindo no país diversos barramentos semelhantes, sendo que a decisão que for adotada para este caso servirá de parâmetro para as demais situações que brevemente irão surgir.

ENTENDIMENTO DESTA CONSULTORIA JURÍDICA

21. Após relato do caso, e considerando tratar-se de uma situação peculiar e única, haja vista que tanto o Ministério dos Transportes quanto a Agência Nacional de Energia Elétrica, nunca analisaram nenhum caso semelhante, entendemos que cabe à Consultoria Jurídica deste Ministério, emitir suas considerações a respeito, que poderão subsidiar a análise jurídica final a ser efetuada pela Advocacia-Geral da União.

22. Assim sendo, inicialmente temos que na fixação da natureza jurídica no que respeita à prestação de serviços de exploração de instalações de energia elétrica e ao aproveitamento energético dos cursos d'água, temos dois regimes a serem aplicados:

a) de concessão, mediante licitação, para o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 kW, destinados, a execução de serviço público (art. 5º da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995);

b) de autorização, sem licitação, para exploração de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 kW, e igual ou inferior a 30.000 kW, destinado a produção independente ou autoprodução, desde que mantidas as características de Pequena Central Hidrelétrica (inciso I do art. 26, da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996).

23. A essencialidade desses dois institutos é que permite para a sociedade, usufruir da energia gerada a partir do aproveitamento do bem de domínio público, onde a potência dessa exploração e a circunstância de ser a energia gerada destinada ao consumo público ou ao uso exclusivo do produtor, constituem os elementos que diferenciam tais institutos.

24. No presente caso, o empreendimento pretendido pela empresa Bom Retiro Energia, se enquadra no item "b", cuja autorização para outorga do aproveitamento hidrelétrico, segue as diretrizes fixadas pela Resolução nº 395, de 4 de dezembro de 1998, da ANEEL.

25. Essa outorga, que não depende de procedimento licitatório, é utilizada na análise dos aproveitamentos hidrelétricos definidos como Pequenas Centrais Hidrelétricas (definição e características de PCH's contidas na Resolução nº 394/1998, da ANEEL), e seria adequada ao caso ora em análise.

26. Acontece que, referidas normas legais não podem ser utilizadas isoladamente na questão do aproveitamento hidrelétrico da barragem de Bom Retiro do Sul, isto porque, deve-se associá-las a outros dispositivos jurídico-constitucionais próprios, em razão dessa obra ter sido construída e mantida em operação até hoje, com recursos do Poder Público.

27. Assim é que, a água e o reservatório, constituem-se matéria-prima a ser utilizada pelo empreendedor para a movimentação das turbinas e conseqüente geração de energia, sendo de propriedade da União, e não podendo ser entregue à exploração de um particular sem o devido procedimento licitatório.

28. Isto porque, a água tem seu balisamento na Constituição Federal de 1988, conferindo à propriedade da União, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio (inciso III do art. 20).

29. Igualmente, encontramos no art. 176 da CF, outro elemento ensejador desse entendimento, uma vez que o texto constitucional diz expressamente pertencer à União, os potenciais de energia hidráulica para fins de aproveitamento.

30. Neste sentido, a lição de José Cretella Junior: "Igualmente os potenciais de energia hidráulica, ou seja, as fontes produtoras de energia hidráulica, pela primeira vez, por sua importância, em nossos dias, foram incluídos entre os bens da União, ou seja, entre os bens públicos dominicais federais (art. 20, VIII), sendo seu aproveitamento efetuado mediante autorização ou concessão outorgadas pela União, no interesse nacional e por brasileiros ou empresas brasileiras de capital nacional, na forma da lei" (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, 2ª edição, p. 4.145).

31. Ora, se a barragem de Bom Retiro do Sul pertence à União, e dela for possível a exploração de seu potencial hidráulico, está claro que incide sobre a mesma, a regra constitucional acima mencionada, afastando-se a regra geral contida no inciso I do art. 26, da já citada Lei nº 9.427/1996, uma vez que para esses casos a exploração desse potencial é feita diretamente no curso normal dos rios.

32. Desse modo, pouco importa se não haverá a motorização da barragem em seu eixo principal, como alegado pelo empreendedor (decorrente de um rearranjo no projeto), pois o que indica a utilização do bem público, é a retirada da água do reservatório que será desviada para um canal adutor a ser construído na margem direita, onde se localizará a casa de máquinas e as turbinas geradoras de eletricidade.

33. O que possibilita a viabilidade econômica desse projeto, é justamente sua localização à montante da barragem de Bom Retiro do Sul, que pertence à União. Tanto assim, que o próprio empreendedor sugere o pagamento de uma compensação financeira ao Ministério dos Transportes (fls. 312; 437/438), pelo uso desse bem público.

34. Se não se cuidasse de bem público federal, não haveria necessidade de expedição de Portaria autorizativa por parte da Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes.

35. Cabe aqui mais uma vez, fazer a distinção entre coisa pública e privada, pois a classificação dos bens públicos e particulares encontra seu fundamento na maneira diversa pela qual sobre eles se exerce o direito dos respectivos proprietários.

36. Para Affonso Dionysio Gama "A característica essencial é sempre a destinação ao uso público, quer das coisas outrora denominadas comuns, quer das que públicas se chamavam, no sentido que, então, lhes davam. O conceito de domínio público cifra-se, pois, na sujeição da coisa ao uso de todos, não à vontade do primeiro ocupante, mas sob a vigilância da lei e da administração"(Das Águas no Direito Civil Brasileiro, p. 47/48).

37. Não fossem somente esses os argumentos de cunho jurídico, teríamos ainda que a barragem de Bom Retiro do Sul foi incluída no Programa Nacional de Desestatização - PND, conforme inciso IV, do art. 1º, do Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997, sendo que no parágrafo único desse mesmo artigo está estabelecido: "Os aproveitamentos hidrelétricos referidos neste artigo serão explorados, mediante contrato de concessão, pelos vencedores das licitações respectivas, processadas na conformidade da legislação específica".

38. Assim, independente de qualquer outra interpretação, o Poder Executivo fez constar que a barragem de Bom Retiro do Sul é bem público da União, cujo potencial hidráulico lhe pertence nos termos do já citado art. 176 da Constituição Federal, disciplinando a forma como ocorrerá o seu aproveitamento.

39. Qualquer mudança ou pretensão que não coadune com o Decreto, deverá ser apreciada pelo Conselho Nacional de Desestatização, até mesmo porque, o Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998, que regulamentou a lei institucionalizadora daquele Programa, dispõe em seu art. 10, inciso II, que caberá ao CND, aprovar qualquer ato relacionado às empresas e/ou empreendimentos incluídos no PND, relativo à outorga de concessão/autorização para aproveitamento hidrelétrico.

40. Do conseguinte, entendemos que não há interpretação quando a regra é clara, sendo necessária a realização de procedimento licitatório para a exploração e o aproveitamento do potencial hidrelétrico proporcionado pela barragem de Bom Retiro do Sul, localizada no rio Taquari, Município de Cruzeiro do Sul, Estado do Rio Grande do Sul.

41. No tocante aos demais aspectos envolvidos, atinentes à realização de certame pelo Ministério dos Transportes ou pela Agência Nacional de Energia Elétrica, uma das divergências jurídicas existentes, somos da opinião de que caberia à ANEEL essa tarefa, isto porque, a lei que a instituiu (Lei nº 9.427/1996), em seu art. 3º, fixa as competências e o campo de atuação daquela Agência, cabendo-lhe, dentre outros, promover as licitações destinadas à outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos, bem como expedir as autorizações necessárias a essas finalidades.

42. Assim, se aquela autarquia pode licitar concessões, a nosso ver, poderá também, licitar autorizações envolvendo situações específicas, não contempladas pela regra geral fixada na legislação.

43. Em sentido técnico, não caberia ao Ministério dos Transportes tal empreitada, haja vista que conforme exposto pela sua Consultoria Jurídica, à Secretaria de Transportes Aquaviários, caberia tão somente autorização para obras que pudessem interferir com o transporte nas vias navegáveis interiores de jurisdição federal, não lhe competindo legislar e/ou deliberar sobre aproveitamentos hidrelétricos decorrentes dessas barragens fluviais (uso múltiplo do reservatório).

44. Por outro lado, cabe registrar que independentemente da decisão quanto ao órgão federal que se encarregará dessa eventual tarefa, entendemos que haverá necessidade do envolvimento de ambos, haja vista que as questões técnicas pertinentes ao empreendimento pretendido, decorrem de análises e decisões interministeriais.

45. Por fim, entendemos ainda que caso seja definido pela AGU, a realização do processo licitatório, caberia à Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, a revogação da Portaria nº 5, de 14 de fevereiro de 2001, a fim de que nova Portaria seja expedida após o resultado final do certame, àquele que implantará o empreendimento.

46. Essa premissa encontra respaldo no princípio jurídico de que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle interno da legalidade, uma vez que: "O controle da legalidade e da moralidade administrativa deve começar dentro da própria administração, feita pela fiscalização do cumprimento da lei e da observância dos preceitos da moral interna, cabendo ao poder público revogar ou anular os seus próprios atos que se apresentarem eivados de vícios de mérito ou de ilegitimidade formal ou substancial" (Caio Mário da Silva Pereira, "Instituições de Direito Civil", vol. I, p. 100).

47. Assim sendo, cumpre sugerir que o assunto seja remetido à Advocacia-Geral da União, a fim de que, nos termos da legislação já citada pelo Senhor Diretor-Geral da ANEEL, possa a AGU dirimir os conflitos de entendimentos jurídicos verificados entre a Procuradoria-Geral daquela Autarquia e a Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, acompanhado da análise do caso por esta CONJUR." (Todos os destaques são do original).

7. Da leitura atenta dos documentos supratranscritos, verifica-se que o tema central é a divergência sobre a necessidade, ou não, do processo licitatório para a realização do projeto visando ao aproveitamento do potencial hidráulico existente em razão da construção da barragem de Bom Retiro do Sul, no Rio Taquari, no Estado do Rio Grande do Sul. Antes, porém, deve-se examinar se o bem em questão é público ou privado e, se público, a quem pertence: à União ou ao Estado, uma vez divergentes as manifestações dos Órgãos envolvidos. E, por último, o Órgão responsável pelo processo licitatório , se se concluir pela sua necessidade.

8. Registre-se que, seja no Ministério dos Transportes seja no Ministério de Minas e Energia, não se examinou ainda a questão do aproveitamento de potencial hidráulico proporcionado por queda d'água decorrente de construção de barragem pelo Poder Público. Na Exposição de Motivos, salientou o Exmº Sr. Ministro de Estado de Minas e Energia:

"8. Outro ponto a ser considerado, é que este é o primeiro caso em que se examina juridicamente o aproveitamento de barragem existente, construída com recursos públicos para implantação de Pequena Central Hidrelétrica, existindo no país diversos outros empreendimentos dessa natureza , construídos para fins de navegação ou armazenagem de água para abastecimento público e irrigação, passíveis de utilização também para geração de energia, para os quais o presente caso servirá de precedente." (Destaquei).

9. O exame há, pois, de ser minucioso, às vezes repetitivo. Optar-se-á pela clareza e não pela elegância na redação.

II - NATUREZA DO BEM A SER APROVEITADO

10. Não se entendem os Órgãos divergentes quanto à natureza e, nem mesmo, sobre a identidade do bem. Se, segundo consta dos autos, o Rio Taquari tem nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, é ele um rio estadual (CF, art. 26, I). Entretanto, não é o Rio Taquari o bem em discussão. O bem cujo aproveitamento se pretende é o potencial de energia elétrica surgido em conseqüência da construção, pela PORTOBRÁS, da barragem do "Bom Retiro" , no citado rio estadual. Registre-se que a barragem foi construída para viabilizar a navegação , a fim de permitir o transporte de grãos até Porto Estrela.

11. E, nesse sentido, a Constituição é clara demais e não dá margem às dúvidas surgidas:

"Art. 20. São bens da União:

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

"Art. 21. Compete à União:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água , em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

"Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União ;

"Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União , garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União , no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

§ 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida."

12. As águas, em depósito, da Barragem "Bom Retiro", resultaram de obras da PORTOBRÁS (entidade extinta, criada pela União), com a finalidade de regularizar o nível do Rio, de modo a permitir a navegação, para transportes de grãos até Porto Estrela (fls. 536), sendo de registrar-se que a navegação encontra-se em operação desde 1976. A Barragem é do tipo "barragem de regularização", destinando-se, prioritariamente, na definição de Aurélio B. Holanda "a evitar grandes variações do nível de um curso d'água, (...) para melhoria das condições de navegabilidade". As águas da represa são, portanto, na forma do art. 26, I, CF, águas federais, inobstante situadas num rio estadual. A barragem de concreto dotada de comportas permitiu que se criassem condições de navegabilidade no trecho com a construção, pela margem esquerda, de uma eclusa, dando, também, origem a um bem público - a barragem "Bom Retiro". A barragem "Bom Retiro" é, pois, um bem público cuja finalidade é a regularização do nível d'água para permitir a navegação naquele trecho do Rio. Mas, não é ainda isto que está em jogo.

13. Repete-se: as águas em depósito na barragem "Bom Retiro" são águas públicas federais; a barragem, isto é, a construção de concreto mais a eclusa constituem um bem público federal - a barragem "Bom Retiro". A construção do bem público criou um potencial hidrelétrico , um potencial de energia hidráulica, que, nos termos dos arts. 20, VIII, e 176 da Constituição Federal, pertence à União a quem compete explorá-lo diretamente ou mediante autorização ou concessão (art. 21, XII, b, e art. 176, § 1º, CF). Foi, por isso, por ser um bem público da União , que o Decreto nº 2.249, de 1997, o incluiu no Programa Nacional de Desestatização - PND. Aliás, a barragem "Bom Retiro" está inscrita "no Sistema SPIU (SIC) sob o RIP 8547.00001.500-0, cadastro efetuado pela Unidade Gestora (AHSUL/CODESP) sucessora da extinta PORTOBRÁS", conforme mensagem eletrônica recebida em 1º.8.2001, da Chefia do SEDAP/RS (documento às fls. 38 do volume que se inicia com o Ofício nº 1.481/01-SAJ/PR), em resposta a um pedido de informação.

14. São, portanto, como se demonstrará a seguir, dois os bens públicos em questão: o potencial hidráulico (que se deseja aproveitar) e a barragem (cujo uso se pretende, com a captação de parte de suas águas).

III - HÁ NECESSIDADE DE LICITAÇÃO?

15. Antes de verificar se há ou não necessidade de licitação, abre-se um parênteses, para ressaltar que, na verdade há que fazer-se a distinção entre "o aproveitamento energético dos cursos de água" (CF, art. 21, XII, b) e o uso de um bem público existente (no caso, barragem de concreto/eclusa) em virtude de obras do poder público. Para o simples aproveitamento do potencial energético do curso dos rios, o interessado, devidamente autorizado (concessão, permissão ou autorização) pela União, por intermédio da ANEEL, terá que fazer o desvio do rio, o represamento das águas com a construção da barragem, para sua posterior utilização. A barragem "Bom Retiro", como dito, é um bem público e atualmente tem uso definido: regular o nível do rio a fim de permitir a navegação. Pretende-se acrescentar um outro uso: o uso da barragem/eclusa para o aproveitamento do potencial hidrelétrico .

16. Na verdade, dois bens públicos federais estão em discussão: a barragem , as águas represadas que pertencem à União (CF., art. 26, I) e o potencial de energia hidráulica, também pertencente à União (CF., arts. 20, VIII; 21, XII, b; 176, § 1º). O que realmente interessa no caso em estudo, ou melhor dizendo, a finalidade principal do projeto da Requerente é o aproveitamento de potencial hidráulico resultante de queda d'água proporcionada pela barragem. Não se aproveitará o potencial hidráulico do curso do Rio Taquari. O uso do bem público, da barragem/eclusa (que tem finalidade específica já definida) é o meio para obter, com o empreendimento "Usina Hidrelétrica Bom Retiro", por parte da interessada "Bom Retiro Energia Ltda.", a produção de energia . Deseja a Requerente duas coisas distintas: a utilização da barragem existente e o aproveitamento do potencial hidrelétrico. Não existisse a barragem, a Requerente teria que represar as águas, construir a barragem, etc. Em suma, objetiva a Requerente a aprovação do projeto de captação de parte das águas do reservatório da barragem "Bom Retiro" para instalar ao lado dele, reservatório, uma usina privada de energia elétrica . São dois bens distintos: para o aproveitamento do potencial hidráulico, a competência, em princípio , é da ANEEL. Para a utilização da barragem e a derivação da água, a competência é do Ministério dos Transportes ao qual cabe a guarda do bem construído pela PORTOBRÁS. Em conseqüência, duas manifestações serão requeridas, gerando, desse fato, a controvérsia entre os Órgãos envolvidos.

17. Quanto à necessidade ou não de licitação, esqueça-se, por enquanto, o Decreto nº 2.249, de 1997. Examine-se a evolução da legislação relativa à autorização, concessão ou permissão para, no caso destes autos, a exploração do potencial hidrelétrico da barragem "Bom Retiro".

18. A Lei nº 9.074, de 1995, que "Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências", proclama:

"Art. 1º Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão , nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União:

V - exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas;

"Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987 , e das demais.

§ 1º As contratações, outorgas e prorrogações de que trata este artigo poderão ser feitas a título oneroso em favor da União.

§ 2º As concessões de geração de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta e cinco anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato.

"Art. 5º São objeto de concessão, mediante licitação :

I - o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW e a implantação de usinas termelétricas de potência superior a 5.000 KW, destinados a execução de serviço público ;

II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW, destinados à produção independente de energia elétrica ;

III - de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 KW, destinados ao uso exclusivo de autoprodutor , resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.

"Art. 7º São objeto de autorização :

II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 10.000 KW, destinados a uso exclusivo do autoprodutor .

19. A Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que institui a "Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências", estabelece:

"Art. 26. Depende de autorização da ANEEL:

I - o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 10.000 KW, destinado a produção independente ;

20. A Lei nº 9.648, de 1998, alterou, expressamente, o art. 26, I, da Lei nº 9.427, de 1996, que passou a ter a seguinte redação:

"Art. 26. Depende de autorização da ANEEL:

I - o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 30.000 KW, destinado a produção independente ou autoprodução , mantidas as características de pequena central hidrelétrica ;

....." (Os destaques foram acrescentados.)

21. Com a nova redação dada ao inciso I do art. 26 da Lei nº 9.427, de 1996, pela Lei nº 9.648, de 1998, permaneceriam em vigor as normas dos arts. 5º, II e III, e 7º, II, da Lei nº 9.074, de 1995?

22. Preliminarmente, deve-se registrar que a Lei nº 9.074, de 1995, tratou diferentemente o produtor independente (o que produzia energia destinada ao comércio de toda ou de parte da energia produzida - art. 11, hipótese em que, sendo a potência superior a 1.000 KW, seria exigida a licitação nos termos do art. 5º, II, Lei nº 9.074) e o autoprodutor (o que produzia energia para seu uso exclusivo. Se a potência era superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 10.000 KW, o instrumento era autorização; se era superior a 10.000, exigia-se licitação - art. 5º, III, e art. 7º, II, Lei nº 9.074). Cuidou também a Lei do aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW destinado à execução de serviço público, hipótese em que será exigida licitação (art. 5º, I). A Lei nº 9.648, de 1998, ao alterar a redação do inciso I do art. 26 de Lei nº 9.427, de 1996, incluiu o autoprodutor, tratando igualmente os dois (o autoprodutor e o produtor independente), e ampliou para 30.000 KW (era de 10.000) o limite máximo da potência em ambos os casos. Além disso, estabeleceu que a concordância da União se dará por meio de autorização . Com isso ficaram revogados os incisos II e III do art. 5º e o inciso II do art. 7º, ambos da Lei nº 9.074, de 1995. Da mesma forma, o art. 13 (1).

23. Dos dispositivos mencionados e em vigor, vê-se que além da potência , existe outro requisito para caracterizar a forma (regime) como se dará a concordância da União, pela ANEEL, do uso do potencial hidráulico: a destinação da energia produzida. Assim, temos que o instrumento adequado será:

a) autorização:

se a potência é superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 30.000 KW e se o aproveitamento é destinado à produção independente ou à autoprodução, desde que mantidas as características de pequena central elétrica (art. 26, I, da Lei nº 9.427/06, na redação da Lei nº 9.648/98);

b) concessão, mediante licitação :

1 - se a potência é superior a 1.000 KW e se o aproveitamento se destina a execução de serviço público (art. 5º, I, Lei nº 9.074/95);

2 - se a potência é superior a 30.000 KW e se o aproveitamento se destina à autoprodução ou à produção independente.

24. Ora, na fase atual em que se encontra o processo, já se sabe que, segundo o projeto apresentado , o aproveitamento do potencial hidráulico da barragem "Bom Retiro", no Rio Taquari, Município de Cruzeiro do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, se dará com o empreendimento "Usina Hidrelétrica Bom Retiro", cuja potência será de 30.000 KW . De acordo com a legislação atual, não importa saber se a energia produzida se destina ao uso exclusivo (autoprodução) ou à comercialização (produção independente), uma vez que ambos, autoprodutor e produtor independente, são tratados da mesma forma.

25. Abre-se aqui um parênteses para registrar que às fls. 11 do "RELATÓRIO DE VIABILIDADE TÉCNICO-ECONÔMICA FEVEREIRO/97", apresentado pela então Requerente "Moinho Estrela Ltda", consta:

a implantação da UHE Bom Retiro terá a execução muito facilitada porque não necessitarão (SIC) de obras de desvio do rio, normalmente necessárias na construção de empreendimentos hidrelétricos, da construção da barragem e do descarregador de cheias, tendo em vista que estas duas últimas estruturas já estão construídas e com operação satisfatória;

as obras UHE Bom Retiro serão realizadas mediante a construção de um canal de adução revestido, com 20,00m de largura no fundo e 260,00m de comprimento, localizado na ombreira direita, uma casa de força abrigando 5 turbinas axiais tubulares do tipo S com potência nominal de 6 MW e um canal de fuga com 42,00m de largura no fundo e 340,00m de comprimento aproximadamente;

(Os destaques foram acrescentados.)

26. Logo, já se têm os balizamentos para a definição preliminar (a definitiva dependerá de outras circunstâncias) do tipo de instrumento a viabilizar o empreendimento:

a) a Requerente é "Bom Retiro Energia Ltda", sucessora de "Moinho Estrela"; o projeto, o empreendimento da Requerente se denomina "Usina Hidrelétrica Bom Retiro";

b) a Requerente não aproveitará o potencial energético do curso do Rio Taquari; nem fará qualquer barragem para atingir seu fim; em conseqüência, a implantação do projeto "Usina Hidrelétrica Bom Retiro" será muito facilitada e o custo do empreendimento será bastante atrativo, como, aliás, reconheceu a própria Requerente (ver item 24);

c) os objetivos visados pela Requerente são: 1) o uso da barragem/eclusa para, com o empreendimento "Usina Hidrelétrica Bom Retiro"; 2) gerar energia, aproveitando o potencial criado com a queda d'água proporcionada pela construção, pela PORTOBRÁS, da barragem "Bom Retiro". Logo, a Requerente se utilizará de um bem público, a barragem "Bom Retiro" (objetivo meio) para atingir a finalidade maior que é o aproveitamento do potencial hidráulico, não do curso do Rio Taquari, mas da queda d'água proporcionada pela construção da barragem. É de novamente registrar-se que a barragem foi construída com a finalidade de regularizar o nível d'água para permitir a navegação naquele trecho do Rio. A barragem é um bem público que tem uma destinação específica. A Requerente pretende outro uso do bem público em questão;

d) a potência do empreendimento da Requerente, isto é a potência da "Usina Hidrelétrica Bom Retiro" será de 30.000 KW ;

e) a energia produzida pela Requerente com o seu empreendimento se destinará à produção independente, isto é, ao comércio de toda ou de parte da energia produzida (art. 11, Lei nº 9.074/95).

27. Logo, nos termos do art. 26, I, da Lei nº 9.427, de 1996 (na redação dada pela Lei nº 9.648/98), tratando-se de aproveitamento de potencial hidráulico de potência de 30.000 KW (superior a 10.000 KW ) e destinando-se o aproveitamento à produção independente o instrumento adequado é autorização (art. 26, I, Lei nº 9.427/96). É verdade que, em princípio, o empreendimento não poderia classificar-se como pequena central elétrica, uma vez que a área do reservatório da barragem chega a 4,25 km² (fls. 377, quadro 2, item 2.2), ultrapassando, portanto, o limite estabelecido pela Resolução nº 394, de 4 de dezembro de 1998 (art. 2º, só admite como pequena central elétrica o empreendimento com área total de reservatório igual ou inferior a 3,0 km² e com potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 30.000 KW) Entretanto, a mesma Resolução ANEEL nº 394/98, no art. 3º, permite que o empreendimento que "não atender a condição de área máxima inundada," possa, "consideradas as especificidades regionais, ser também enquadrado na condição de pequena central hidrelétrica, desde que deliberado pela Diretoria da ANEEL, com base em parecer técnico, que contemple entre outros, aspectos econômicos e sócio-ambientais." E a ANEEL, em condições semelhantes, têm dado a autorização.

28. Pode-se, então afirmar que, se se levasse em conta, apenas a potência a ser instalada e a destinação da energia produzida, o instrumento adequado para o caso destes autos (geração de energia), seria a autorização a ser dada pela ANEEL , instituída pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996; e que tem por finalidade "regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal." (art. 2º). Mas, outras circunstâncias devem ser examinadas.

29. Uma delas, a inclusão, pelo art. 1º do Decreto nº 2.249, de 11 de junho de 1997 , de diversos aproveitamentos hidrelétricos, dentre eles o de "Bom Retiro", no Rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul, no Programa Nacional de Desestatização - PND (fls. 554). Segundo o parágrafo único do art. 1º, a exploração do aproveitamento se dará por contrato de concessão com o vencedor da licitação . Nos termos do art. 2º do referido Decreto, "O Ministério das Minas e Energia será o responsável , nos termos do § 1º do art. 6º da Lei nº 8.031, de 1990, na sua atual () redação, pela execução e acompanhamento dos procedimentos relacionados com a outorga das concessões dos aproveitamentos a que se refere este Decreto."

30. A Lei nº 8.031, de 1990, foi substituída pela Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que a revogou. O § 1º do art. 6º da Lei nova tem a seguinte redação:

"§ 1º Na desestatização dos serviços públicos , o Conselho Nacional de Desestatização deverá recomendar, para aprovação do Presidente da República, o órgão da Administração direta ou indireta que deverá ser o responsável pela execução e acompanhamento do correspondente processo de desestatização , ficando esse órgão, no que couber, com as atribuições previstas no art. 18 desta Lei"

31. O Decreto nº 2.594, de 15 de maio de 1998, que regulamentou a Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, dispõe:

"SEÇÃO III

Da Vinculação das Empresas Incluídas no Programa Nacional de Desestatização

Art. 59. Sem prejuízo da vinculação técnica prevista no Decreto nº 1.361, de 1º de janeiro de 1995, as empresas incluídas no PND , bem como as empresas titulares de participações acionárias incluídas (SIC) no referido Programa ficarão administrativamente subordinadas ao Ministério da Fazenda que, no âmbito de sua competência, tomará todas as medidas necessárias à efetivação dos processos de desestatização .

§ 1º A partir de sua inclusão no PND a sociedade não poderá praticar os seguintes atos, sem a autorização prévia do Ministro de Estado da Fazenda:

I - proceder à abertura de capital, aumentar o capital social por subscrição de novas ações, renunciar a direitos de subscrição, lançar debêntures conversíveis em ações ou emitir quaisquer outros valores mobiliários, no País ou no exterior;

II - promover operações de cisão, fusão ou incorporação;

III - firmar acordos de acionistas ou quaisquer compromissos de natureza societária ou renunciar a direitos neles previstos;

IV - firmar ou repactuar contratos de financiamentos ou, de acordos comerciais, por prazo superior a três meses, ou quaisquer outras transações que não correspondam a operações e giro normal dos negócios da empresa;

V - adquirir ou alienar ativos em montante igual ou superior a cinco por cento do Patrimônio líquido da empresa.

§ 2º Aplicam-se, no que couber, as disposições deste artigo às participações acionárias, de caráter minoritário, depositadas no FND.

§ 3º O depositante de ações no PND, titular de participações minoritárias em companhia privada que, em decorrência de acordo de acionistas, seja integrante do respectivo grupo controlador deverá, quando se tratar de deliberação sobre as matérias mencionadas no § 1º deste artigo, submeter seu voto, nos órgãos societários daquelas companhias, à prévia anuência do Ministro de Estado da Fazenda.

Art. 60. Caberá ao Ministério do Planejamento e Orçamento coordenar, supervisionar e fiscalizar a execução do PND."

32. O Decreto cuida de vinculação de empresas e determina que elas fiquem administrativamente subordinadas ao Ministério da Fazenda "que, no âmbito de sua competência, tomará todas as medidas necessárias à efetivação dos processos de desestatização. " O Decreto nº 2.594, de 1998, nessa parte , não tem aplicação ao caso de que tratam estes autos, uma vez que aqui se cuida de aproveitamento hidrelétrico e não de empresa já constituída.

33. A exploração dos serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d'água são da competência da União (CF, art. 21, XII, b). A Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que "Altera procedimentos relativos à desestatização, revoga a Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências" dispõe:

"Art. 2º Poderão ser objeto de desestatização:

III - serviços públicos , objeto de concessão, permissão ou autorização;

§ 1º Considera-se desestatização:

b) a transferência , para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade ;

34. O Decreto nº 2.594, de 1998, citado no item 30, e que regulamentou a Lei nº 9.491, de 1997, também dispõe:

"Art. 10. Compete ao CND:

II - aprovar, exceto quando se tratar de instituições financeiras:

a) a modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização;

c) as condições aplicáveis às desestatizações, especialmente no que diz respeito a preço mínimo, objeto de venda, forma de pagamento e critérios de participação, inclusive fixando limites;

§ 1º Na desestatização dos serviços públicos, o CND deverá recomendar , para aprovação do Presidente da República, o órgão da Administração direta ou indireta, que poderá ser diferente do Gestor do FND, para ser o responsável pela execução e acompanhamento do correspondente processo de desestatização.

§ 4º O CND poderá baixar normas regulamentadoras da desestatização de serviços públicos, objeto de concessão, permissão ou autorização, bem como determinar sejam adotados procedimentos previstos em legislação específica, conforme a natureza dos serviços a serem desestatizados.

35. O Decreto nº 2.249, de 1997, portanto, nada mais fez que, em seu texto, deixar expressas disposições relativas ao Órgão responsável pela desestatização (o MME ), à modalidade a ser aplicada à desestatização (contrato de concessão, mediante licitação).

36. A outra das circunstâncias referida no item 28, diz respeito ao Ministério dos Transportes, sob cuja guarda está a barragem "Bom Retiro". É o que será examinado a seguir.

IV - A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES

37. A Barragem "Bom Retiro", no Rio Taquari, "foi construída pela União através da extinta Empresa de Portos do Brasil S.A. - PORTOBRÁS, tendo por objetivo permitir a navegação até o porto de Estrela, localizado no Município de Lajeado - RS , sendo operada e administrada atualmente pela Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP, em função de um convênio firmado com a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes", segundo informa a E.M nº 45/MME, de 26 de junho de 2001.

38. Dispõe a Constituição Federal:

"Art. 21. Compete à União:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

39. A competência relativa ao transporte aquaviário, a União a exerce por intermédio do Ministério dos Transportes. Este, por sua vez, distribui suas diversas atividades entre os diferentes Órgãos que o compõem. Nos termos do Anexo I do Decreto nº 1.642, de 25 de setembro de 1995, à Secretaria de Transporte Aquaviário compete "analisar e submeter à decisão superior propostas e solicitações de concessões, permissões e autorizações (...) que afetem o setor aquaviário" (art. 8º, II).

40. O Ministério dos Transportes deve manifestar-se em duas oportunidades:

a) deve dizer se as obras a serem feitas afetam ou não o setor aquaviário (a barragem foi construída para viabilizar a navegação);

b) se concorda com o uso derivado da barragem, ou, por outra forma, se a água do reservatório pode ser também usada para outros fins por particular, no caso a captação para produção de energia elétrica. Nada impede que as duas manifestações se dêem em um só ato.

41. No Ministério dos Transportes, o Sr. Secretário de Transportes Aquaviários, com a Portaria nº 5, de 14 de fevereiro de 2001 (Processo ANEXO MT Nº 50000.001589/2001-21, fls. 17), invocando o art. 8º do Anexo I ao Decreto nº 1.642, de 25 de setembro de 1995, resolveu:

O SECRETÁRIO DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, tendo em vista o disposto no art. 8º, Anexo I ao Decreto 1.642, de 25 de setembro de 1995, e considerando o que consta do Processo nº 50000.001589/2001-21, resolve:

I - Aprovar no que diz respeito às atribuições do Departamento de Hidrovias Interiores - DHI, desta Secretaria, o projeto de captação e restituição das vazões afluentes ao reservatório da barragem de navegação de Bom Retiro do Sul , no rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul, conforme o apresentado nos desenhos nº 8575/US-10-16-0001/REV 0 - Planta de Localização e Acessos e nº 85755/US-3G-16-0003/REV 0 - UHE Bom Retiro - Projeto Básico;

II - Ressalvar os aspectos relativos ao ordenamento do espaço aquaviário, bem como a implantação e manutenção dos requisitos de segurança à navegação no local, exigidos pelo Comando da Marinha, do Ministério da Defesa;

III - Todos os demais aspectos e condicionantes relativos ao empreendimento sujeitar-se-ão às normas e regulamentos da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, do Ministério das Minas e Energia;

IV - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União." (Os destaques em negrito foram acrescentados).

42. Três observações se fazem necessárias:

a) com a Portaria houve a manifestação do Ministério dos Transportes apenas no que diz respeito à interferência da obra no transporte aquaviário uma vez presente a competência da Secretaria;

b) ainda assim, com a devida vênia, o Secretário de Transportes Aquaviários não tem competência para assinar a referida Portaria. De fato, o dispositivo invocado, apenas, lhe dá poderes para "analisar e submeter à decisão superior propostas e solicitações {1} de concessões, permissões e autorizações , {2} de investimentos e destinação de recursos públicos,{3} de mudanças institucionais e operacionais, e {4} de alterações na legislação, que {as quatro hipóteses} afetem o setor aquaviário " (Art. 8º, II, do Anexo I ao Decreto nº 1.642, de 1995);

c) não se invocou, para a prática do ato, nenhuma delegação de competência, pelo que ao Ministro de Estado dos Transportes cabe decidir quanto à aprovação do projeto, no que diz respeito à sua interferência ou não na navegabilidade do trecho do Rio em questão. Da mesma forma, ao titular da Pasta caberá decidir sobre as condições da concessão de uso.

43. A barragem "Bom Retiro" estava sob guarda e administração do Ministério dos Transportes. Por meio do Convênio nº 02/90/SNT/DNTA, a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, transferiu as atividades de administração dos portos e hidrovias das bacias do sul à Companhia de Docas do Estado de São Paulo - CODESP. Com a extinção da PORTOBRÁS, os bens imóveis foram transferidos para o DPU. Hoje, a barragem "Bom Retiro" está inscrita "no Sistema SPIU sob o RIP 8547.00001.500-0, cadastro efetuado pela Unidade Gestora (AHSUL/CODESP) sucessora da extinta PORTOBRÁS" (fls. 38 do volume que se inicia com o OF. Nº 148/01-SAJ/PR). Se a barragem "Bom Retiro" é um bem público federal destinado a regularizar o nível do Rio Taquari para permitir a navegação, a União deve manifestar-se sobre a sua utilização como meio para a consecução do fim maior que é a geração de energia . O uso privativo (consentido para determinada(s) pessoa(s) física(s) ou jurídica(s) é aquele que a União confere, mediante título jurídico individual, a pessoa ou a grupos de pessoas, para que o exerçam com exclusividade sobre parcela de bem público. Tais títulos são a autorização, a permissão e a concessão. Os dois primeiros são outorgados por ato discricionário e a título precário . A concessão, entretanto, é sempre contratual e, geralmente, onerosa. No caso de que cuidam estes autos a concordância da ANEEL se fará para a exploração do potencial hidráulico por trinta anos, prazo que, por si só, indica a necessidade de regras claras, em instrumento em que sejam definidas as obrigações, os ônus e os direitos de cada parte.

44. Estou, portanto de acordo com o Exmo. Sr. Procurador-Geral da ANEEL quanto à necessidade de licitação para a concessão de uso de bem público . Além da doutrina citada no parecer da Agência, pode-se invocar Maria Sylvia Zanella Di Pietro que ensina no seu "Direito Administrativo" (São Paulo, Atlas, 2001, 13ª ed., p. 555 e 556):

"A concessão é o instituto empregado, preferentemente à permissão, nos casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário. Esta (sic) assume obrigações perante terceiros e encargos financeiros elevados , que somente se justificam se ele for beneficiado com a fixação de prazos mais prolongados , que assegurem um mínimo de estabilidade no exercício de suas atividades . Em conseqüência, a forma mais adequada é a contratual , que permite, mediante acordo de vontades entre concedente e concessionário, estabelecer o equilíbrio econômico do contrato e fixar as condições em que o uso se exercerá , entre as quais a finalidade , o prazo , a remuneração , a fiscalização , as sanções. A fixação de prazo , além de ser uma garantia para o concessionário, sem a qual ele não aceitaria a concessão, é exigência legal que decorre da Lei nº 8.666/93, de 21.06.1993, cujo art. 57, § 3º, veda contrato com prazo indeterminado."

"Quando a concessão implica utilização de bem de uso comum do povo, a outorga só é possível para fins de interesse público. Isto porque, em decorrência da concessão, a parcela de bem público concedida fica com sua destinação desviada para finalidade diversa: o uso comum a que o bem estava afetado substitui-se, apenas naquela pequena parcela, pelo uso a ser exercido pelo concessionário . Além disso, como a concessão é outorgada sob forma contratual e, em geral, por prazos mais prolongados , dela decorre estabilidade para o concessionário, uma vez que não pode ser despojado de seu direito de utilização privativa antes do termo estabelecido, a não ser por motivo de interesse público relevante e mediante justa indenização. Tais circunstâncias afastam a possibilidade de concessão de uso par fins de interesse particular do concessionário, a não ser nas hipóteses em que o uso privativo constitua a própria finalidade do bem. A utilização que ele exercer terá que ser compatível com a destinação principal do bem ou atender a outro fim de interesse coletivo."

"Pode-se, falar, ainda, em concessão autônoma ou acessória , conforme seja ou não conjugada com uma concessão de serviço público; na acessória, o concessionário só pretende o bem como condição material da montagem de um serviço público , como se verifica na concessão da via pública ou do espaço aéreo para colocação de postes e lançamento de fios ou cabos, aéreos ou subterrâneos, de instalações elétricas de interesse público, bem como na concessão de águas públicas para aproveitamentos hidráulicos de interesse público."

45. Em síntese, tem-se:

a) deve-se distinguir entre o aproveitamento hidráulico do curso dos rios e o uso de um bem público (barragem) para a geração de energia;

b) para o aproveitamento hidráulico de curso de rio, o interessado deve desviar o curso do rio, construir barragem/comportas/eclusa, represar as águas, construir casa de máquinas, etc;

c) a Requerente não deseja explorar o potencial hidráulico do curso do Rio Taquari;

d) no caso de que cuidam estes autos, a Requerente deseja utilizar-se da barragem já construída, fazendo a captação de parte de suas águas, para gerar energia; em conseqüência, como não despenderá verba para a construção de barragem/comportas/eclusa próprias, deve pagar parte do que foi gasto na construção já existente, sob pena de enriquecimento ilícito;

e) se fossem consideradas, apenas, a potência do empreendimento (até 30.000 KW) e a destinação da energia a ser produzida, (autoprodução), o instrumento adequado para a exploração do potencial hidrelétrico de "BOM RETIRO" seria a autorização a ser dada pela ANEEL (art. 26, I, Lei nº 9.427, de 1996, na redação dada pela Lei nº 9.648. de 1998);

f) mas, estão em jogo dois bens públicos: a barragem "Bom Retiro" e o aproveitamento hidrelétrico "Bom Retiro". A barragem está sob guarda do Ministério dos Transportes. Por intermédio do "Convênio nº 02/90 - SNT/DNTA, a Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, transferiu as atividades de administração dos portos e hidrovias das Bacias do Sul, assim como a cessão de uso gratuito de bens integrantes do seu patrimônio à Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP."

g) o art. 1º do Decreto nº 2.249, de 1997, incluiu, dentre outros, o potencial hidrelétrico "Bom Retiro" no PND, e o seu parágrafo único determinou que os "aproveitamentos referidos neste artigo serão explorados, mediante contrato de concessão , pelos vencedores das licitações respectivas". Nos termos do art. 2º, o Ministério de Minas e Energia - MME "será o responsável (...) pela execução e acompanhamento dos procedimentos relacionados com a outorga das concessões dos aproveitamentos hidrelétricos" mencionados no caput do dispositivo;

h) a ANEEL é vinculada ao Ministério de Minas e Energia; a CODESP, ao Ministério dos Transportes (Itens XIII e XX do anexo ao Decreto nº 3.280, de 8 de dezembro de 1999);

i) a barragem foi construída com um fim específico: viabilizar a navegação; pretende-se, com o projeto da Requerente, a captação de águas da barragem para geração de energia; isto é, pretende-se o uso de um bem público para obter a geração energia ; o uso da barragem será, portanto, o meio para conseguir-se o objetivo maior que é a geração de energia;

j) sobre as condições de captação das águas da barragem, deve manifestar-se o Ministério dos Transportes, por meio de concessão de uso; o Ministério dos Transportes deve também manifestar-se sobre a interferência, ou não, da instalação do empreendimento "Usina Hidrelétrica Bom Retiro" na navegabilidade do trecho do Rio Taquari, por decisão ministerial, salvo delegação de competência. As duas manifestações podem dar-se num único instrumento.

V - INSTRUMENTO ADEQUADO A VIABILIZAR O EMPREENDIMENTO "USINA HIDRELÉTRICA BOM RETIRO"

46. Com os dados contidos no item anterior, pode-se facilmente chegar a uma conclusão sobre o instrumento adequado para viabilizar o empreendimento de que tratam estes autos: a "USINA HIDRELÉTRICA BOM RETIRO", com a captação de parte das águas da barragem "Bom Retiro", para a geração de energia destinada à autoprodução. Deve-se, antes, registrar que, com o Decreto nº 2.249, de 1997, houve uma decisão presidencial, referendada pelos titulares dos Ministérios do Planejamento e Orçamento e do de Minas e Energia, não só quanto às desestatizações ali referidas, mas também quanto à possibilidade de utilização da barragem de "Bom Retiro" para o aproveitamento hidrelétrico por ela proporcionado. De fato, ao determinar a inclusão no PND do potencial hidrelétrico "Bom Retiro" , no Rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul, o Chefe de Estado não se referia ao potencial hidráulico do curso do Rio Taquari, mas ao potencial hidrelétrico "Bom Retiro", surgido em conseqüência da construção da barragem/comportas/eclusa. Caberá, então, ao Ministério dos Transportes apenas estabelecer as condições em que se dará a concessão de uso, de modo a preservar a finalidade do bem que é regularizar o nível do Rio Taquari para melhorar as condições de navegabilidade .

47. Não parece conveniente que se estabeleçam dois atos governamentais para a exploração do potencial hidrelétrico "Bom Retiro": uma concessão de uso da barragem e uma autorização para a exploração do potencial hidráulico.

48. Como haverá necessidade de manifestação de diversos Órgãos (Ministério dos Transportes e de Minas e Energia, CODESP, ANEEL), necessário se torna um ajuste prévio entre eles, a fim de que se saiba o que será licitado , quais as condições, preço, responsabilidade de cada um, etc.

49. Tal ajuste já foi cogitado, primeiro na forma de Convênio (fls. 352-354) tendo evoluído para uma minuta de "Termo de Cooperação Técnica" a ser celebrado entre o Ministério dos Transportes e o Ministério de Minas e Energia, com a interveniência da CODESP e da ANEEL (472-477). A cláusula Quarta da minuta tem a seguinte redação: "O MT, através da CODESP, concorda e delega ao MME, através da ANEEL, que proceda a necessária ação visando à outorga do potencial hidráulico da queda d'água existente na barragem de Bom Retiro do Sul, cabendo à CODESP e ao autorizado resguardar a finalidade precípua do empreendimento, na forma da legislação e dos regulamentos pertinentes." Não se falou em delegar a competência para o processo de licitação da concessão de uso da barragem. A CONJUR/MME (fls. 525-5526), manifestou-se concordando com a assinatura do Termo. A ANEEL, entretanto, pelo PARECER Nº 354/2000-PGE/ANEEL (fls. 548-553), entendeu que a concessão de uso da barragem deveria ser objeto de licitação pelo Ministério dos Transportes. E sugeriu o encaminhamento dos autos ao MME para sua remessa ao MT, a fim de que este se manifestasse sobre a realização ou a dispensa da licitação. Mesmo assim, foi assinada a Portaria nº 5, de 14.02.2001, já referida (ver item 41). Manifestação da ANEEL motivou novo parecer da CONJUR/MT reafirmando a posição anterior pela desnecessidade da licitação, uma vez que não se cuidava de bem público . Nova manifestação da ANEEL (fls. 588-599; ver transcrição no item 5 deste trabalho) e os autos são encaminhados a esta Instituição.

50. Como dito, a concessão do uso da barragem com a captação de parte de suas águas para a geração de energia (item 44) deve ser precedida de licitação, a fim de que, em contrato, fiquem bem claras e definidas as regras de utilização das águas da barragem, o prazo da utilização, forma de pagamento não só pelo uso da barragem, mas as despesas de manutenção, as decorrentes de necessidade de obras, etc.

51. Se o "Termo de Cooperação Técnica" vier a ser assinado, dele deverá constar cláusula em que o MT delegue ao MME (por intermédio da ANEEL), competência para a realização do procedimento de licitação da concessão de uso da barragem para a captação de parte de suas águas com a finalidade de geração de energia. Mas, parece não ser esta a melhor forma de solucionar a questão.

52. Pela minuta do Termo, vê-se que o MT quis delegar ao MME a responsabilidade pela realização dos procedimentos necessários, embora não o tenha feito de forma clara, como deveria, referindo-se ao processo licitatório. Uma portaria ministerial em que ficassem especificadas as exigências e as responsabilidades do MT com a delegação ao MME para a realização (pela ANEEL) dos procedimentos relativos à licitação e à outorga da concessão de uso seria uma solução mais rápida e eficiente. Ao MME (pela ANEEL) deveria caber a responsabilidade de realização da licitação, mesmo porque o Decreto nº 2.249, de 1997, incluiu o aproveitamento hidrelétrico no PND, prevendo expressamente a concessão e a licitação e a responsabilidade do MME pela sua realização. E, certamente, o fez (1) porque se trata da utilização de bem público, cuja concordância só se pode dar por concessão de uso, mediante contrato, depois de licitação; e (2) a Lei nº 9.427, de 1996, que instituiu a ANEEL é expressa no sentido de que lhe cabe, promover as licitações destinadas à outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos, bem como expedir as autorizações necessárias a essas finalidades. Aliado a este fato, registre-se que a utilização do bem público é, apenas, o meio para a consecução da finalidade maior que é a geração de energia , que propiciará ao vencedor, auferir renda vultuosa.

VI - OUTRAS CONSIDERAÇÕES

53. Inobstante não seja de grande importância, é, todavia interessante, pesquisar a destinação do aproveitamento hidráulico que se pretende. Em diversas ocasiões, mas, quando o Requerente ainda era "MOINHO ESTRELA LTDA", liderando um consórcio de empresas privadas, consta nos autos do processo que o projeto se destinava à autoprodução de energia elétrica (fls. 38-42), que a energia seria utilizada pela postulante , liderando um consórcio de empresas privadas (fls. 14), que a finalidade do projeto era a autoprodução de energia (fls. 74-77, especialmente, fls. 77, item 2), que a implantação do projeto visava a "suprir energia elétrica no modelo autoprodução, não somente a Moinho Estrela {antecessora de "Bom Retiro Energia Ltda.", atual requerente, conforme Termo de Cessão de Direitos, às fls. 502-506} e Coemsa, como também às indústrias abaixo {relacionadas}, que já declararam interesse na participação do empreendimento" (fls. 110).

54. Mas, em 22.09.2000 (fls. 500 e segtes.) a "MOINHO ESTRELA LTDA" comunicou a cessão dos direitos inerentes ao referido "Projeto Básico da UHE Bom Retiro" à "Bom Retiro Energia Ltda.". Às fls. 507-511, consta o contrato social da sociedade por quotas de responsabilidade limitada "Bom Retiro Energia Ltda.", realizado entre uma pessoa física (Leonel Vitor Pretto) com 95% do capital social, e uma pessoa jurídica (Elle Pretto Administração e Participação Ltda.), com 5% do capital social. A cláusula terceira do contrato estabelece o objetivo social:

"3.1 - A sociedade tem por objetivo social:

a) geração, transmissão e comercialização de energia elétrica; b) importação de máquinas e equipamentos em geral, bem como importação e (SIC) quaisquer bens relacionados com as atividades da sociedade; c) participação em outras sociedades comerciais ou civis, nacionais e estrangeiras , como sócia cotista ou acionista; d) desenvolvimento, construção, financiamento, operação, manutenção e exploração da Usina Hidrelétrica Bom Retiro ; e) qualquer outra atividade relacionada com aquelas supramencionadas ." (Todos os destaques foram acrescentados.)

55. Em 23.11.2000 , em carta dirigida à ANEEL (fls. 542), o Diretor da "Bom Retiro Energia Ltda.", de maneira sutil, informa a mudança de objetivos no aproveitamento hidráulico, ou, por outra, na destinação da energia gerada:

"Lajeado, 23 de novembro de 2000.

ILMO SR. José Mário Miranda Abdo

Diretor Geral

Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Brasília - DF

REF.: UHE Bom Retiro

Senhor Diretor Geral

Como é do conhecimento de V. Sa., o processo para obtenção da Autorização da ANEEL para implantação de BOM RETIRO encontra-se na fase final. De nossa parte, apresentaremos nos próximos dias a Licença de Instalação e a documentação da empresa autorizada.

O processo depende ainda das assinaturas finais do Termo de Cooperação Técnica entre MME e MT que, no momento, encontra-se na ANEEL (SIC) para assinaturas de V. Sa.

Nesta oportunidade, desejamos participar que firmaremos um contrato com a ENRON AMÉRICA DO SUL LTDA. no dia 24.11.2000 para implantação da usina no regime BOT (Built, Operate and transfer). Este contrato permitirá a execução da obra em tempo record em se tratando de empresa com recursos suficientes para evitar qualquer interrupção que pudesse prejudicar seu andamento.

Solicitamos a V.Sa. sejam priorizadas as providências para a autorização que esperamos obter ainda neste ano de 2000.

Colocando-nos a disposição de V. Sa.

Atenciosamente

Leonel Vitor Pretto

Bom Retiro Energia Ltda" (Destaques do original.)

56. Releia-se o penúltimo parágrafo da carta:

"Nesta oportunidade, desejamos participar que firmaremos um contrato com a ENRON AMÉRICA DO SUL LTDA. no dia 24.11.2000 para implantação da usina no regime BOT (Built, Operate and transfer) . Este contrato permitirá a execução da obra em tempo record (SIC) em se tratando de empresa com recursos suficientes para evitar qualquer interrupção que pudesse prejudicar seu andamento." (Destaquei).

57. Segundo informações obtidas junto à área técnica da ANEEL, o regime BOT - Built, Operate and Transfer, indica que a Requerente, "Bom Retiro Energia Ltda.", não construirá e nem operará diretamente, por um bom tempo , a "UHE Bom Retiro" e que a ENRON é empresa pertencente a multinacional dos Estados Unidos. De fato, às fls. 580, em papel com o logotipo da ENRON, a "Energia Pura Participações Ltda." - EPP, empresa do GRUPO ENRON, em expediente datado de 24.11.2000, informa à ANEEL:

"Servimo-nos da presente para, em atenção ao disposto na Resolução ANEEL nº 395/98, informar a V. Sas. que a EPP - Energia Pura Participações Ltda. , empresa do grupo estadounidense ENRON, de um lado, e a Bom Retiro Energia Ltda. , de outro lado, celebraram, em 24 de novembro de 2000, um Instrumento Particular de Cessão de Direitos e Obrigações a Título Gratuito e um Instrumento Público de Concessão de Direito Real de Uso, através dos quais a EPP - Energia Pura Participações Ltda., compromete-se a construir, operar, manter e explorar comercialmente a UHE Bom Retiro para o aproveitamento do potencial hidrelétrico existente no Rio Taquari, Município de Cruzeiro do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, nas condições ali estabelecidas.

Para os devidos fins, a EPP - Energia Pura Participações Ltda. , manifesta sua firme intenção de financiar a construção da UHE Bom Retiro através de recursos próprios ou junto à instituições financeiras nacionais ou estrangeiras." (As sublinhas foram acrescentadas).

58. O contrato da cessão de direitos e o Instrumento Público de Concessão de Direito Real de Uso não vieram aos autos e, em conseqüência, não se tem conhecimento do objeto desse contrato, ou por outra forma, não se sabe o que foi realmente cedido e em que condições . Mas, parece que tal fato não tem importância maior do que a que se lhe está dando: o empreendedor só pode ceder o que lhe é concedido.

VII - CONCLUSÕES

59. De tudo o que foi dito, pode-se concluir:

a) tratam estes autos de dois bens públicos: a barragem "BOM RETIRO" e o potencial hidrelétrico dela decorrente;

b) embora o Rio Taquari seja um rio estadual, as águas represadas da barragem são águas públicas da União (CF, art. 26, I). A barragem "Bom Retiro" é um bem público federal, está inscrita no SPIU e permanece sob a guarda do MT, que, por convênio, transferiu sua administração e operação para a CODESP;

c) deve-se distinguir entre o aproveitamento hidráulico do curso dos rios e o aproveitamento hidrelétrico de queda d'água proporcionada pela construção de barragem, com recursos federais;

d) quando se trata de potencial hidráulico do curso de rios, em que a potência é superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 30.000 KW, o instrumento adequado é a autorização a ser dada pela ANEEL (art. 26, I, Lei nº 9.427/96, com a redação dada pela Lei nº 9.648/98);

e) no aproveitamento de potencial hidrelétrico, com a mesma potência referida na alínea anterior, mas proporcionado por barragem construída com recursos públicos, estarão em jogo dois bens públicos: a barragem cujo uso se pretende e o potencial hidrelétrico por ela proporcionado e cujo aproveitamento é o objetivo final visado pelo empreendedor;

f) o uso de bem público (no caso captação de parte das águas do reservatório da barragem) por longo prazo, como é a hipótese de que tratam estes autos - 30 anos, só se pode dar por concessão de uso de bem público , mediante contrato após licitação ;

g) embora a barragem esteja sob a guarda do MT e administração e operação da CODESP, a responsabilidade pela licitação cabe à ANELL, (1) uma vez presente a legislação citada, (2) o fato de que a barragem é, apenas, o meio para a consecução do objetivo final que é a geração de energia com o empreendimento que proporcionará ao vencedor da licitação grandes lucros, e (3) a expressa menção, no Decreto nº 2.249, de 1997 (que incluiu o potencial hidrelétrico de "Bom Retiro" no PND), ao contrato de concessão, à licitação e à responsabilidade do MME;

h) o MT, ouvida a CODESP, deve manifestar-se (1) quanto à utilização da barragem e as condições para isso e (2) quanto à interferência da obra nas condições de navegabilidade do Rio. Tal manifestação poderá dar-se num único instrumento, precederá a licitação e dela deverá constar delegação do MT ao MME para a realização (por intermédio da ANEEL) do procedimento licitatório de concessão de uso da barragem. As condições, prazo, preço, etc., deverão constar do edital. A manifestação do MT deve constar de portaria ministerial;

i) o edital deverá mencionar que a licitação se dará para a concessão de uso (de parte das águas do reservatório da barragem) e para o aproveitamento do potencial hidrelétrico;

j) a fim de evitar confusões e uso indevido de documento público inválido, a Portaria nº 5, de 14 de fevereiro de 2001 (Processo ANEXO MT 50000.001589/2001-21, fls. 17), do Sr. Secretário de Transportes Aquaviários, deve ser revogada.

60. São as reflexões e conclusões que submeto à consideração superior.

Brasília, 21 de agosto de 2001.

MIRTÔ FRAGA

Consultora da União

Adoto, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER Nº AGU/MF-04/01, de 21 de agosto de 2001, da lavra da Consultora da União, Dra. MIRTÔ FRAGA, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR Presidente da República, para os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar.

Brasília, 8 de março de 2002.

GILMAR FERREIRA MENDES

Advogado-Geral da União

(*) A respeito deste Parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da República exarou o seguinte despacho:

"De acordo. 4.4.2002".