Parecer AGU-SF nº 3 de 04/10/2000

Norma Federal - Publicado no DO em 10 jan 2001

Anulação da cobrança relativa ao pagamento de encargos legais decorrentes do pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados fora do prazo determinado.

Parecer nº AGU-SF-03/2000 (Anexo ao Parecer nº GM-015)

Processo nº 10805.002147/90-99

Origem: Casa Civil da Presidência da República

Assunto: Recurso hierárquico contra decisão do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Fazenda que indeferira, em resposta a recurso anterior, o pleito de anulação da cobrança relativa ao pagamento de encargos legais decorrentes do pagamento do imposto sobre produtos industrializados fora do prazo determinado.

Ementa: Recurso hierárquico com o escopo de cancelamento de exigência de acréscimos legais de crédito tributário exigidos pelo não cumprimento de metas estabelecidas como condição à dilação de prazo para o recolhimento do IPI, concedida pelo Ministro da Fazenda com base no art. 2º do DL 1.056/69. Não ocorrência, no caso, de decadência, nem de prescrição. No âmbito da Administração tributária federal, consagrou-se o entendimento, com a corroboração da jurisprudência iterativa STF e do STJ, de que o não pagamento ou o pagamento a menor de débito tributário declarado pelo contribuinte, possuindo a mesma natureza da confissão de dívida, caso de auto apuração, declaração e apuração estas aceitas pela Secretaria da Receita Federal, se submete a cobrança administrativa do crédito, sem a necessidade de constituição formal do crédito tributário, daí a desnecessidade de instauração de processo administrativo fiscal litigioso. É também entendimento do Fisco Federal da desnecessidade de lançamento de ofício de consectários legais decorrentes de liquidação de débitos declarados pelo contribuinte e não pago com os acréscimos no vencimento, bastando, nesses casos, a notificação de cobrança do que não foi pago ou pago a menor, e se mesmo assim não houver a extinção do crédito, cabe a imediata inscrição do débito em dívida ativa com a expedição do título executivo extrajudicial - a certidão de dívida ativa, e a conseqüente execução fiscal. No caso em tela, a Delegacia da Receita Federal em Santo André concordou com a apuração do imposto devido, feita pelo contribuinte, mas, em virtude da realização de sua regular atividade fiscalizadora, através do Termo de Verificação Fiscal de 31.07.1990, constatou que o pagamento do tributo estava incompleto, por não terem sido recolhidos os acréscimos legais, devidos em razão de não terem sido atingidas as metas que condicionaram a dilação do prazo de pagamento. A Volkswagen do Brasil S/A foi então notificada, em 06.08.1990, para efetivar o pagamento dos encargos legais. Tem-se tais atos da Administração tributária federal como verdadeiro lançamento por homologação expressa, nos termos do artigo 150 caput do Código Tributário Nacional. Destarte, o questionado crédito foi liquidado por declaração e confissão do próprio contribuinte, sem que tenha sido pedido retificação da confissão da dívida, tendo sucedido a homologação dessa apuração pela Delegacia da Receita Federal/Santo André, não tendo ocorrido, portanto, a decadência do direito de constituir o crédito tributário. Por força dos sucessivos recursos interpostos pelo contribuinte, e o reconhecimento, por parte da Administração, do direito à ampla defesa, a exigibilidade do crédito, no que tange aos consectários legais, continua suspensa (CTN, art. 151, III), enquanto não suceder decisão final na esfera administrativa, de modo que, em verdade, o prazo prescricional se encontra impedido de correr diante da não constituição definitiva do crédito no que concerne aos acréscimos legais (CTN, art. 174, caput). Portanto, não há de se cogitar, no caso, em prescrição. Tal declaração antecipada do imposto a ser pago futuramente não se confunde com o instituto da denúncia espontânea do art. 138 do CTN, que sempre pressupõe a prática de infração tributária e o pagamento integral do tributo devido com os consectários legais. A imposição dos acréscimos moratórios se dá em face da lei. Pelo fato de o não pagamento do tributo no prazo originariamente fixado pela legislação tributária. A prorrogação do prazo foi concedida sob a condição da exportação ao nível de dólares pactuados. Não tendo sido atingido o prometido, não tendo sido realizada a condição, volta o prazo legal original com todas as suas conseqüências em decorrência do pagamento após o termo final do prazo. O pedido de incidência de multa proporcional ao descumprimento do acordado não tem apoio em norma legal. A responsabilidade do contribuinte pelo não recolhimento do tributo com os acréscimos legais é objetiva, bastando o descumprimento da obrigação, independentemente da intenção da empresa, não lhe sendo cabível argüir qualquer eximente, salvo se a lei expressamente o admitisse (CTN, arts. 161, caput, e 136). No caso, não há previsão legal dispensado o pagamento dos acréscimos legais decorrentes do recolhimento intempestivo do tributo (CTN, 97, VI). Não ocorrência, in casu, de força maior. Inocorrência de transgressão ao princípio da isonomia, primeiramente por não ter sido comprovada a ocorrência dos fatos em relação a outro contribuinte, que recebera deferimento do seu pedido de dispensa de acréscimos legais, mesmo com inadimplência parcial do ajustado; os motivos alegados nos dois casos não são coincidentes e, por fim, em razão da impossibilidade de extensão de uma eventual ilegalidade a outro contribuinte em nome da observância do princípio da isonomia, em detrimento ao princípio da legalidade. Improcedência do recurso.

PARECER

I - O ENCAMINHAMENTO

O Excelentíssimo Senhor Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, através do Aviso nº 2.034/99, encaminha a esta Advocacia-Geral da União, para exame e parecer, nos termos do art. 4º, incisos VIII, X e XI, da Lei Complementar nº 73, de 10.02.1993, o Aviso nº 589/99 do Ministério da Fazenda, acompanhado do respectivo processo, que trata do recurso hierárquico dirigido pela empresa VOLKSWAGEN DO BRASIL S/A ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, no qual a Recorrente aspira ao cancelamento da exigência de crédito tributário referente aos acréscimos legais cobrados pelo não atingimento das metas estabelecidas como condição à dilação de prazo para recolhimento de Imposto sobre Produtos Industrializados, prorrogação esta requerida pela Recorrente e concedida pelo Ministro de Estado da Fazenda, com base no art. 2º do Decreto-lei nº 1.056/69, relativos aos fatos geradores consumados no período de novembro de 1985 a abril de 1986.

II - HISTÓRICO

2. Em 06 de dezembro de 1985, a Volkswagen do Brasil S/A, parte interessada no recurso em apreciação, solicitou ao então Ministro da Fazenda a postergação de prazo para recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados em relação aos fatos geradores consumados no período de novembro de 1985 a abril de 1986. A empresa recorrente comprometeu-se, para a obtenção da concessão da dilação do prazo do recolhimento do tributo, a atingir a meta de exportação no valor de US$ 171,94 milhões no primeiro semestre de 1986.

3. Atendendo ao pleito da parte interessada e com base no art. 2º do Decreto-lei nº 1.056/69, o Excelentíssimo Senhor Ministro da Fazenda de então concedeu uma prorrogação do prazo para o recolhimento do IPI por 45 dias, sob a seguinte condição:

"O direito ao prazo adicional de que trata este despacho fica condicionado ao desempenho da Volkswagen do Brasil S/A nas exportações líquidas correspondentes ao período de 1º de janeiro a 30 de junho de 1986, conforme estimativas feitas pela Empresa, constantes deste processo.

O não cumprimento das exportações estimadas implicará no recolhimento dos encargos legais decorrentes de pagamento do imposto fora do prazo previsto no Ato Declaratório nº 02, de 28 de janeiro de 1986, do Secretário da Receita Federal."

4. Esta é a redação do art. 2º do Decreto-lei nº 1.056/1969:

"Art. 2º O Ministro da Fazenda, atendendo a conveniência da política financeira governamental, poderá prorrogar, por período não superior a 120 (cento e vinte) dias, o prazo de recolhimento de impostos federais incluídos na área de competência do respectivo Ministério."

5. A Volkswagen do Brasil S/A efetuou os pagamentos do tributo nas datas previstas pelo ato que concedeu a dilação de prazo sem os acréscimos legais, mas não atingiu as metas que condicionavam a concessão do prazo de 45 dias, ou seja, apresentou um volume de exportação no primeiro semestre de 1986 de apenas US$ 122,45 milhões. Esse fato foi constatado pela análise da tabela junta pela própria interessada, em 07.06.1990, após ser notificada para apresentar os documentos necessários à comprovação do efetivo cumprimento das exportações líquidas no período mencionado.

6. Dessa forma, constatou a Delegacia da Receita Federal em Santo André, no exercício regular da atividade fiscalizadora, que o pagamento do tributo estava incompleto, por não terem sido recolhidos os acréscimos legais, devidos em razão de não terem sido atingidas as metas que condicionaram a dilação. A Volkswagen do Brasil S/A foi então notificada, em 06.08.1990, através de aviso de cobrança com base no Termo de Verificação Fiscal de 31.07.1990, para efetivar o pagamento dos encargos legais.

7. A Volkswagen do Brasil S/A impugnou o aviso de cobrança em 17.08.1990, perante o Delegado da Receita Federal de Santo André/SP, peça, aliás, recebida como informação, tendo em vista não decorrer de lançamento de ofício, não tendo sido, portanto, objeto de julgamento em 1ª Instância, de modo que tal exigência foi entendida como mera cobrança de crédito declarado pelo contribuinte e não pago no vencimento, argumentando que a não implementação das metas teria se dado em razão de caso fortuito e força maior, decorrentes de fatores internos e externos (Plano Cruzado I e o tabelamento de preços, que estimulou o aumento da demanda interna, a Guerra entre o IRAN e o IRAQUE, sendo o Iraque o seu maior mercado exportador, que favoreceu a baixa de preço do petróleo, produto que era trocado por automóveis). Requereu a empresa, ora recorrente, que os acréscimos legais, caso fossem cobrados, incidissem apenas sobre o percentual da meta que não fora atingido, ou seja, sobre 36,22%.

8. Em 13.05.1991, as autoridades fiscais responsáveis pela notificação pronunciaram-se negativamente quanto ao pleito do contribuinte por falta de previsão legal. Em seguida, essas autoridades propuseram o envio do processo à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição na Dívida Ativa e, conseqüente, execução fiscal.

9. Diante de tais manifestações, o Delegado da Receita Federal em Santo André/SP considerou que o arrazoado, que invoca os motivos alheios a vontade do contribuinte e de força maior que teriam impedido o cumprimento do acordo firmado, deveria ser submetido à apreciação do Senhor Ministro da Fazenda, sugestão acolhida pelo Superintendente da 8ª Região Fiscal em 01.07.1991.

10. Encaminhado o processo à Coordenação-Geral do Sistema de Tributação, tal órgão, por meio do Parecer MF/SRF/COSIT/DITIP nº 1.239, de 08.10.1993, manifestou-se no sentido do não reconhecimento da ocorrência de força maior, tendo sido a interessada novamente notificada, em 19.01.1994, para pagar, no prazo de trinta dias, os valores constantes da exigência.

11. A Recorrente, em 07.02.1994, apresentou recurso voluntário dirigido ao Segundo Conselho de Contribuintes, aduzindo, além dos fundamentos empregados na defesa anterior, não ter havido correção monetária no período (Plano Cruzado I), a não-incidência de multa moratória em razão da ocorrência de denúncia voluntária da dívida e que os acréscimos legais somente devem incidir sobre os quarenta e cinco dias, após esse lapso o tributo já se encontraria pago, bem como, em 08.01.1996, interpôs recurso hierárquico dirigido ao Ministro da Fazenda.

12. Em 14 de fevereiro de 1996, o Ministro de Estado da Fazenda deixou de conhecer do recurso hierárquico interposto em razão de pendente pronunciamento jurisdicional do Segundo Conselho de Contribuintes.

13. A seu turno, em 30.10.1996, o Segundo Conselho de Contribuintes não conheceu do recurso, explicando sua incompetência para apreciar o feito especialmente pelos seguintes motivos:

1º) foge à competência do 2º CC manifestar-se sobre matéria estranha ao contencioso fiscal, vez que o entendimento, no seio da Administração, é de que a exigência de acréscimos legais, incidentes sobre tributos declarados e recolhidos fora do prazo, não enseja a instauração de litígio administrativo;

2º) a matéria, em baila, versa sobre decisão do Ministro da Fazenda, cuja apreciação somente a este caberia.

14. A Volkswagen requereu o encaminhamento do processo ao Ministro da Fazenda, em atendimento à orientação do Conselho de Contribuintes. Com base nisto, interpôs, em 17.06.1998, novo recurso hierárquico em face do Ministro da Fazenda, requerendo o cancelamento da cobrança, alegando:

- que prorrogação semelhante teria sido concedida à Ford do Brasil, a qual também não cumpriu as metas estabelecidas e ainda assim foi dispensada dos acréscimos legais;

- que não era conveniente e oportuna a penalidade imposta à Volkswagen do Brasil S/A, pois o incremento das exportações também aproveitou ao país;

- que o não atingimento das metas decorreu de caso fortuito e força maior, conseqüentes dos fatores externos e internos;

- que a penalização da Volkswagen do Brasil S/A feriria o princípio da legalidade, pois as exportações da solicitante beneficiaram ao país, além de o Ministro que concedeu a dilação já ter conhecimento, à época, de que um novo plano econômico seria iniciado (Plano Cruzado I); e

- que o valor que vinha sendo cobrado, pelos mesmos argumentos já expostos, eram excessivos.

15. A Secretaria da Receita Federal se pronunciou no sentido de não ser cabível o recurso apresentado pela recorrente, bem como pelo não reconhecimento da ocorrência de força maior, razões pelas quais não foi o mesmo remetido ao Ministro da Fazenda.

16. O crédito foi inscrito na dívida ativa no dia 30.06.1998, consistindo em um valor total de R$ 2.987.858,09, e a ação executiva fiscal proposta em 14.09.1998.

17. A Volkswagen do Brasil S/A impetrou Mandado de Segurança contra o ato que indeferiu a remessa do processo administrativo ao Ministro da Fazenda, a inscrição na dívida ativa e no CADIN e o ajuizamento da execução fiscal, alegando que tais atos feririam o direito ao livre exercício de suas atividades econômicas e o princípio da ampla defesa.

18. Foi concedida medida liminar em 17.09.1998, determinando a suspensão do processo administrativo fiscal, bem como da inscrição do devedor no CADIN, sendo-lhe fornecida certidão positiva de débito com efeito negativo, além da emissão da guia de exportação. No mérito, a segurança foi concedida em parte, desta forma:

"Concedo a segurança, em parte, para anular a inscrição na dívida ativa do débito objeto do Processo Administrativo nº 10805.002147/90-99, que deve ser imediatamente submetido ao Ministro da Fazenda para apreciação do recurso interposto pela Volkswagen do Brasil S/A. Ficam também anulados os atos praticados com fundamento do art. 7º da Medida Provisória nº 1.699-40, de 28.09.1998, e suas reedições. Mantém-se a liminar (fl. 129).

Se requerido, levante-se a quantia depositada em favor da impetrante (fl. 132). A suspensão da exigibilidade do crédito está suspensa em virtude da interposição do recurso administrativo ao Ministro da Fazenda (Código Tributário Nacional, art. 150, III).

19. A Secretaria da Receita Federal, além de descartar a ocorrência de prescrição ou decadência do crédito tributário, pronunciou-se acerca do recurso hierárquico, aduzindo, dentre outros argumentos:

"Cumpre lembrar que a responsabilidade tributária é objetiva, consoante o art. 136 do Código Tributário Nacional, e não foram excepcionados os motivos de força maior ou caso fortuito no acordo celebrado entre a Interessada e a Administração. Assim, a tese da pretensa exclusão de responsabilidade por parte da Interessada, em razão de fatos alheios à sua vontade e bem assim a ocorrência de caso fortuito, não são contemplados e portanto não reconhecidos como excludentes da cláusula penal estabelecida no ato jurídico perfeito e acabado firmado pelo Governo Federal Brasileiro e a Volkswagen do Brasil S/A ..."

20. Sob a alegação de não terem sido analisados todos os seus argumentos, a Volkswagen do Brasil S/A peticionou requerendo melhor pronunciamento acerca do recurso hierárquico.

21. O processo foi então remetido à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo sido emitido Parecer PGFN/CAT/Nº 1.012/99, do qual destacam-se os seguintes trechos:

"7. Portanto, esse é o crédito objeto da cobrança da SRF, cuja existência a empresa não questiona, já que, formalmente, solicitou apenas que a exigência observasse uma proporcionalidade em virtude de ter alcançado 63,78% da meta de exportação a que estava obrigada. Como não há previsão legal para a aplicação desse critério, a SRF, acertadamente, desconsiderou o pedido e, após inúmeras tentativas frustradas de receber o crédito amigavelmente, pela via administrativa, o encaminhou à PGFN, para a devida inscrição na Dívida Ativa da União e conseqüente cobrança judicial.

8. Também não serve de argumento, para a dispensa dos encargos, a alegação de que fatores externos impediram o cumprimento das metas de exportação, pois tal situação não estava prevista como excludente da obrigação imposta à empresa em contrapartida à dilatação do prazo de pagamento da exação.

9. Nem mesmo o art. 2º do Decreto-lei nº 1.056, de 1969, pode ser invocado, como pretendeu a requerente, porque a autorização ali contida ... não inclui a competência para dispensar o pagamento de encargos legais incidentes pelo não cumprimento de metas fixadas pelo próprio ato que concedera a dilatação do prazo de recolhimento do tributo.

15. Em face do exposto são essas as conclusões deste trabalho:

I - não há previsão legal expressa para a impugnação da empresa, nos termos em que este instituto foi concebido pela legislação regente do processo administrativo fiscal, não obstante pudesse o órgão competente ter apreciado o pleito valendo-se, por analogia, de regras gerais aplicáveis aos processos da espécie;

II - não se justifica mais discussão na esfera administrativa acerca da admissibilidade do recurso hierárquico ao Ministro de Estado da Fazenda, em face da Sentença judicial nº 18/99, proferida no Mandado de Segurança nº 98.23278-1/DF, devendo o processo ser imediatamente submetido à apreciação da referida autoridade;

III - no mérito, são absolutamente improcedentes as alegações da interessada, que têm objetivos meramente protelatórios, sendo recomendável o indeferimento do pleito ..."

22. O Excelentíssimo Sr. Ministro de Estado da Fazenda, com base no retrofocalizado Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, indeferiu o recurso e determinou o prosseguimento da cobrança e seus consectários. Essa decisão foi publicada no Diário da Justiça do dia 23.08.1999.

23. Irresignada, a Volkswagen do Brasil S/A interpôs recurso hierárquico para o Excelentíssimo Senhor Presidente da República.

24. No entanto, determinou o Procurador-Geral da Fazenda Nacional que, antes da remessa do processo ao Presidente da República, a Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Fazenda Nacional se pronunciasse acerca das alegações de prescrição e decadência.

25. Esclarecendo o tema, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, através do mesmo autor do Parecer supra o Procurador da Fazenda Nacional Dr. MANOEL FELIPE RÊGO BRANDÃO, aduziu:

"4. Da alegação de decadência ou de prescrição da exigência: A tese sustentada pela Interessada, no sentido de que o crédito foi extinto pela aplicação do inciso V do art. 156 do CTN (prescrição e decadência), é absolutamente improcedente. A premissa de onde partiu esse raciocínio, suscitado inicialmente pelo então Presidente do 2º Conselho de Contribuintes, que, mesmo determinando a exclusão do processo da pauta de julgamento, pelas razões consignadas em seu despacho (fls. 215 a 220), antecipou-se em sinalizar para uma eventual decadência do direito da Fazenda de lançar o crédito, é irremediavelmente falsa, pois, in casu, não se fazia necessário o lançamento, uma vez que o crédito fora exigido com fulcro na declaração prestada pelo próprio contribuinte e aceita pela SRF, que verificou, todavia, o pagamento a menor do crédito tributário (Termo de Verificação Fiscal, fls. 54 a 58) e, por conseqüência, expediu a "NOTIFICAÇÃO/AVISO DE COBRANÇA" (fl. 59), para a constituição do crédito, pois este já se formalizara, com base na própria declaração do contribuinte, o que afasta, em definitivo a discussão sobre a decadência.

4.2 Quanto à tese de que teria ocorrido prescrição, só se pode entender como mero exercício do direito de reivindicar, pois é evidente que a Fazenda Pública simplesmente garantiu à Interessada o exercício pleno do seu direito à ampla defesa, no presente processo, e o prazo prescricional não poderia correr, enquanto a matéria estava sendo discutida na esfera administrativa ...

4.3 De qualquer forma, se o art. 174 do CTN servisse para sustentar a prescrição alegada, seria de bom alvitre lembrar que o parágrafo único, inciso IV, deste artigo prevê que esta se interrompe 'por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor', e consta do processo que a empresa, formalmente, solicitou que a exigência observasse uma proporcionalidade em virtude de ter alcançado 63,78% da meta de exportação a que estava obrigada. Ou seja, reconheceu, expressamente, a existência do crédito da Fazenda Pública, tendo apenas pedido que a exigência fosse proporcional à parcela do compromisso descumprido. Destarte, esse ato inequívoco teria interrompido o lapso prescricional, o que invalidaria a argumentação da Interessada."

26. No que respeita à alegação de quebra do princípio da isonomia, tomando como parâmetro um caso ocorrido com a empresa Ford do Brasil, houve o seguinte pronunciamento:

"5.1 Acerca desta questão, cabe observar, de logo, que inexistem nos autos submetidos ao exame desta PGFN documentos que permitam verificar todos os detalhes que compuseram o caso da FORD. No entanto, é de se observar que, em princípio, não havia autorização legal para a SRF conceder a dispensa dos encargos, incidentes sobre tributos devidos, quando pagos no prazo prorrogado pelo prazo ministerial, sem o cumprimento das metas que se constituíam em condições essenciais para o gozo do benefício. Destarte, se a SRF não detinha competência para dispensar o pagamento de créditos tributários previstos em lei, cuja exigência estava dispensada por ato do Ministro da Fazenda, mas condicionada ao cumprimento de metas de exportação por ele fixadas, qualquer remissão consistiria em uma liberdade desmotivada da Administração.

5.2 Isto posto, considerando-se notadamente que a Administração Pública rege-se pelo princípio da estrita legalidade, não seria possível encontrar tratamento eventualmente atribuído à FORD o fundamento jurídico, com esforço no princípio da isonomia, para a concessão da remissão pleiteada pela Interessada."

III - OS FUNDAMENTOS DO RECURSO HIERÁRQUICO DIRIGIDO AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

27. O Recurso Hierárquico interposto pela Volkswagen do Brasil S/A fundou-se nas alegações abaixo transcritas:

"Nestas razões recursais, pretende a Recorrente demonstrar a Vossa Excelência que a r. decisão do Exmº Sr. Ministro contraverteu, data venia, os princípios da isonomia, da razoabilidade, da conveniência, e o do interesse público, os quais são requisitos indispensáveis à validade dos atos administrativos.

O princípio da isonomia restou inobservado, considerando que, em idêntica situação de fato, a FORD DO BRASIL S/A, que, até novembro de 1995, com a Recorrente, formava a AUTOLATINA S/A, não havendo cumprido tempestivamente seu compromisso de exportação, teve dispensado, nos autos do processo administrativo nº 10168.000529/85-46, o pagamento de correção monetária e acréscimos moratórios, os quais seriam incidentes sobre seu IPI com prazo de pagamento prorrogado.

A r. decisão recorrida mostrou-se irrazoável, assim entendida aquela que não atenta para aspectos fáticos fundamentais - in casu, entre outros, (i) uma conjuntura econômica interna e externa altamente desfavorável, e (ii) o fato de a VWB, mesmo inserida naquele contexto adverso, atingir sua meta de exportação, logo no mês de outubro de 1986 - os quais somente poderiam levar à conclusão de que, apesar dos contratempos incorridos, a VWB atendeu à conveniência da política financeira governamental, de modo pleno e irretorquível, pelo que revela-se inconveniente e inoportuna a penalização da Recorrente, nos termos da r. decisão recorrida, contrária que é, data venia, ao interesse público.

Acresce, ainda, que, conforme manifestação muito oportuna e perspicaz do então Exmº Sr. Presidente do E. 2º Conselho de Contribuintes, a exigência fiscal estaria, como está, decaída ou prescrita (pág. 4 do Doc. nº 36 - anexo ao recurso ao Exmº Sr. Ministro).

Pretende a Recorrente, por esses motivos, o reexame da r. decisão recorrida e sua substituição por outra, na qual Vossa Excelência dê pelo cancelamento da exigência fiscal."

IV - O DIREITO

28. No âmbito da Administração tributária federal, consagrou-se o entendimento de que o não pagamento ou o pagamento a menor de débito tributário declarado pelo contribuinte, possuindo a mesma natureza da confissão de dívida, caso de auto apuração, declaração e apuração estas aceitas pela Secretaria da Receita Federal, se submete a cobrança administrativa do crédito, sem a necessidade de constituição formal do crédito tributário. É também entendimento do Fisco Federal da desnecessidade de lançamento de ofício de consectários legais decorrentes de liquidação de débitos declarados pelo contribuinte e não pago com os acréscimos no vencimento, bastando, nesses casos, a notificação de cobrança do que não foi pago ou pago a menor, e se mesmo assim não houver a extinção do crédito, cabe a imediata inscrição do débito em dívida ativa com a expedição do título executivo extrajudicial - a certidão de dívida ativa, e a conseqüente execução fiscal.

29. Em conseqüência, tem entendido a Administração Tributária Federal que a exigência de tributo, inclusive com os conseqüentes consectários legais (multa, correção monetária, juros), declarado ou confessado e não pago integralmente no prazo previsto não enseja a instauração de processo administrativo fiscal litigioso.

30. Tais entendimentos da Administração são corroborados pela jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, conforme ilustram trechos das seguintes Ementas:

"EMENTA: TRIBUTÁRIO. DÉBITO FISCAL DECLARADO E NÃO PAGO. AUTOLANÇAMENTO. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA COBRANÇA DO TRIBUTO.

Em se tratando de autolançamento de débito fiscal declarado e não pago, desnecessária a instauração de procedimento administrativo para a inscrição da dívida e posterior cobrança.

Agravo regimental improvido."

(STF, 2ª T., AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 144.609-9-SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, in DJU de 01.02.1995).

Precedentes do STF: RE 113.798-3-SP, 2ª T., Rel. Min. CÉLIO BORJA (in DJU 18.12.1987); RE 93.039-SP, 2ª T., Rel. Min. DJACI FALCÃO (in RTJ 103/667-671); Ag 72.611-0-(AgRg)-SP, 2ª T., Rel. Min. CORDEIRO GUERRA (in DJU 30.06.1978); RE 87.229-SP, 2ª T., Rel. Min. CORDEIRO GUERRA (in DJU 31.03.1978); RE 84.995-SP, 1ª T., Rel. Min. BILAC PINTO (in DJU 25.04.1977).

"Processo Civil. Tributário. ICMS. Acórdão. Motivação. Omissão. Artigos 128, 458, II, e 460, CPC. Débito Declarado e Não Pago. Dispensa de Prévia Notificação Administrativa para a Inscrição e Cobrança Executiva da Dívida Fiscal. Correção Monetária...

2. Tratando-se de débito declarado e não pago pelo contribuinte, torna-se despicienda a homologação formal, passando a ser exigível independentemente de prévia notificação ou da instauração de procedimento administrativo fiscal. Descogita-se de ofensa ao devido processo legal.

5. A aplicação da multa é conseqüência do procedimento fiscal, decorrente da falta de pagamento do tributo declarado. Não é ilegal a sua imposição.

(STJ, 1ª T., REsp 98.805-SP, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, in DJU 30.03.1998).

"TRIBUTÁRIO - ICMS - EXECUÇÃO FISCAL - DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO - AUTOLANÇAMENTO - PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO - DESNECESSIDADE...

- Tratando-se de débito declarado e não pago (CTN, art. 150), caso típico de autolançamento, não tem lugar a homologação formal, dispensado o prévio procedimento administrativo.

(STJ, 2ª T., REsp 120.699-SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, in DJU 23.08.1999).

"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS À EXECUÇÃO FISCAL DE DÉBITO DE ICMS DECLARADO E NÃO PAGO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO COM BASE EM DECLARAÇÃO DO PRÓPRIO CONTRIBUINTE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO.

- Fica dispensado o prévio processo administrativo desde que a inscrição e a cobrança do débito fiscal, sujeito inicialmente ao lançamento por homologação, sejam de acordo com a declaração prestada pelo próprio contribuinte..."

(STJ, 1ª T., REsp 60.001-4, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, in DJU 08.05.1995).

"TRIBUTÁRIO - DÉBITO FISCAL - LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO - MULTA E JUROS - ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA...

I - Tratando-se de débito declarado e não pago, caso típico de autolançamento, não tem lugar a homologação formal. II - A multa imposta pelo não pagamento do crédito à época do vencimento está sujeita a correção monetária, dispensado o procedimento administrativo. III - Os juros serão contados a partir da data do vencimento da obrigação, consoante iterativa jurisprudência do STJ.

(STJ, 1ª T., REsp 85.080-SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, in DJU 01.07.1996).

31. No caso vertente, a Recorrente declarou o seu débito relativo ao IPI e solicitou prorrogação do termo final do vencimento, com base no art. 2º do Decreto-lei nº 1.056/69, sob a condição de exportar veículos para o exterior em valor em dólares avençado. Foi deferido o pedido e estabelecido o acordo.

32. Em momento algum, a empresa Volkswagen requereu a retificação de sua confissão de dívida sob a alegação de erro ou qualquer outra razão, o que lhe cumpria.

33. Mesmo sem ter cumprido integralmente a meta de exportação no valor em dólares prometido, a Volkswagen do Brasil S/A efetuou os pagamentos do IPI nas datas previstas pelo ato que concedeu a dilação de prazo sem os acréscimos legais.

34. A Delegacia da Receita Federal em Santo André concordou com a apuração do imposto devido, feita pelo contribuinte, mas, em virtude da realização de sua regular atividade fiscalizadora, através do Termo de Verificação Fiscal de 31.07.1990, constatou que o pagamento do tributo estava incompleto, por não terem sido recolhidos os acréscimos legais, devidos em razão de não terem sido atingidas as metas que condicionaram a dilação do prazo de pagamento. A Volkswagen do Brasil S/A foi então notificada, em 06.08.1990, para efetivar o pagamento dos encargos legais.

35. Tem-se tais atos da Administração tributária federal como verdadeiro lançamento por homologação expressa, nos termos do art. 150 caput do Código Tributário Nacional.

36. Caso se advogue que não houve, no caso, homologação expressa, nada se pode contestar acerca da ocorrência, então, da homologação tácita nos termos do § 4º do art. 150 da Lei nº 5.172, de 25.10.1966.

37. O fato é que o crédito foi liquidado por declaração e confissão do próprio contribuinte, sem que tenha sido pedido retificação da confissão da dívida, tendo sucedido a homologação dessa apuração pela Delegacia da Receita Federal de Santo André, não tendo ocorrido, portanto, a decadência do direito de constituir o crédito tributário.

38. Ressalte-se que a mera exigência de acréscimos legais ao crédito tributário principal não leva à necessidade de lançamento de ofício e dispensa o processo administrativo litigioso.

39. Ocorreram, após, informações sobre os motivos do descumprimento do pactuado e o pedido de incidência proporcional da multa apenas em relação à parte inadimplente e a interposição de recursos, inclusive ao Ministro da Fazenda, todos sem sucesso, culminando com o recurso dirigido ao Chefe do Poder Executivo.

40. Como vimos, o crédito tributário foi constituído pela apuração do contribuinte e homologação por parte da Administração, mas, por força dos sucessivos recursos interpostos pelo contribuinte, a exigibilidade do crédito no que tange aos consectários legais, embora já lançados, não havendo como se cogitar em decadência também em relação a eles, continua suspensa (CTN, art. 151, III), enquanto não suceder decisão final na esfera administrativa, de modo que, em verdade, o prazo prescricional se encontra impedido de correr diante da não constituição definitiva do crédito no que concerne aos acréscimos legais (CTN, art. 174, caput). Portanto, não há de se cogitar, no caso, em prescrição.

41. Ressalte-se que a Sentença do Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, proferida em 17.02.1999 nos autos do Mandado de Segurança 98.23278-1, que concedeu a segurança para anular a inscrição na dívida ativa do débito em questão, e determinar a remessa do recurso administrativo da Volkswagen do Brasil S/A à apreciação do Ministro da Fazenda, reconheceu a suspensão da exigibilidade do crédito em virtude da interposição do recurso administrativo ao Ministro da Fazenda (Código Tributário Nacional, art. 150, III).

42. Insta realçar que existe torrencial jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que consuma-se o lançamento fiscal, ainda que provisoriamente, com a lavratura do auto de infração, ou a determinação, por outra forma, do valor do crédito tributário, impedindo com isso a decadência, não sendo necessária, para o fim de afastar a decadência, a constituição definitiva do crédito ou o exaurimento da via administrativa, ou seja, a decisão definitiva administrativa favorável à Fazenda.

43. Essa mesma jurisprudência do STF tem explicitado que, no período entre a lavratura do auto de infração ou outra forma qualquer de determinação ou liquidação do crédito, mesmo que provisoriamente, e até enquanto não for decidido definitivamente recurso interposto pelo contribuinte, ou seja, até que não caiba mais recurso na esfera administrativa, não corre mais prazo para decadência, e, ainda não se iniciou a fluência do prazo de prescrição, que se encontra impedido de correr, uma vez que, nos termos do art. 174 do Código Tributário Nacional, dispõe que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de sua constituição definitiva.

44. Transcrevam-se as seguintes Ementas do STF a esse respeito:

"ICM. Correção monetária. Acréscimo. Decadência.

Com a lavratura do auto de infração consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do CTN). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para a interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que se tenha valido o contribuinte, não mais corre prazo para decadência, e ainda não se iniciou a fluência do prazo de prescrição; decorrido o prazo para a interposição do recurso administrativo, sem que ela tenha ocorrido, ou decidido o recurso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o art. 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do Fisco.

Recurso extraordinário conhecido em parte, mas não provido."

(STF, 2ª T., RE 91.019-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, in RTJ 94/382).

"Crédito tributário: Constituição. Lançamento fiscal: Efeitos. Decadência e prescrição.

II - Com a lavratura do auto de infração consuma-se o lançamento fiscal, o qual, ainda que provisório, impede a decadência. III - A interposição do recurso administrativo, tem o efeito, apenas, de suspender a exigibilidade do crédito, obstando, outrossim, o início do prazo da prescrição, o qual passa a fluir somente após o respectivo julgamento. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (RE nºs 88.967, 91.019 e 91.812). IV - Recurso extraordinário não conhecido."

(STF, 1ª T., RE 90.926-5/SP, Rel. Min. THOMPSON FLORES, in DJU 30.05.1980).

"Crédito tributário. Decadência constituição do crédito tributário. Lançamento fiscal. CTN, art. 142. - Com a lavratura do auto de infração fica consumado o lançamento do crédito tributário, não havendo, pois, que se falar em decadência. A interposição de recurso administrativo pelo contribuinte tem o efeito, tão-somente, de suspender a exigibilidade do crédito tributário. Razoável interpretação dada pelo acórdão ao dispositivo legal questionado. Recurso extraordinário não conhecido."

(STF, 1ª T., RE 91.812-4/SC, Rel. Min. RAFAEL MAYER, in DJU 08.02.1980).

45. Por outro lado, a apuração e a declaração do débito pelo próprio contribuinte, sem que houvesse pedido de retificação, e o acatamento dessa confissão de dívida por parte da Receita Federal, que apenas exigiu a mais os acréscimos legais pela mora, caracterizam o lançamento do crédito.

46. Tal declaração antecipada do imposto a ser pago futuramente não se confunde com o instituto da denúncia espontânea do art. 138 do Código Tributário Nacional, que sempre pressupõe a prática de infração tributária e o pagamento integral do tributo devido com os consectários legais (Nesse sentido: STF, 2ª T., RE 93.039/SP, Rel. Min. DJACI FALCÃO, in RTJ 103/668; STJ, 2ª T., REsp 143.183/RS, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, in DJU de 21.02.2000).

47. Aplica-se simplesmente ao caso a regra do caput do art. 161, da Lei nº 5.172/66, que dispõe que o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e de aplicação de quaisquer medidas de garantia prevista nesta Lei ou em lei tributária.

48. A imposição dos acréscimos moratórios se dá em face da lei. Pelo fato de o não pagamento do tributo no prazo originariamente fixado pela legislação tributária. A prorrogação do prazo foi concedida sob a condição da exportação ao nível de dólares pactuados. Não tendo sido atingido o prometido, não tendo sido realizada a condição, volta o prazo legal original com todas as suas conseqüências em decorrência do pagamento a destempo. Assim, os acréscimos são legais, não sendo necessário que os mesmos estivessem também previstos no contrato, ou no ato ministerial que concedeu a prorrogação do prazo de pagamento do IPI.

49. Já o pedido de incidência de multa proporcional ao descumprimento do acordado não tem apoio em norma legal.

50. Aduziu ainda a Volkswagen do Brasil S/A, em seu recurso hierárquico, que deixara de atingir as metas estabelecidas como condicionantes à dilação do prazo de recolhimento do IPI em razão de caso fortuito e força maior, decorrentes de fatores externos e internos.

51. Inicialmente, cabe ressaltar que a responsabilidade do contribuinte pelo não recolhimento do tributo com os acréscimos legais é objetiva, bastando o descumprimento da obrigação, independentemente da intenção da empresa, não lhe sendo cabível argüir qualquer eximente, salvo se a lei expressamente o admitisse. Estes são os teores dos arts. 161, caput, e 136, ambos do Código Tributário Nacional:

"Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato."

"Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária."

52. Matérias relativas à incidência de correção monetária, de juros, e de multa, pelo não pagamento atrasado de tributos, bem como sobre a redução de tributos ou penalidades, ou a dispensa dos mesmos estão no âmbito da reserva legal, a teor também do art. 97 do Código Tributário Nacional:

"Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução;

IV - a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades."

53. Isto decorre da aplicação do princípio da legalidade que, em relação à Administração, aplica-se estritamente. Somente sendo-lhe facultado realizar os atos que a lei expressamente autorizar.

54. Verifica-se, portanto, que somente poderia a Volkswagen do Brasil S/A ser dispensada do pagamento dos acréscimos legais decorrentes do recolhimento intempestivo do tributo se houvesse previsão legal para tal escusa, o que não existe na hipótese.

55. Destarte, não cabe falarmos em caso fortuito e força maior como aspectos eximentes da responsabilidade tributária, quando não há norma que preveja a dispensa do pagamento dos acréscimos legais no caso de sua ocorrência. Aliás, nem mesmo o ato administrativo que concedeu, sob condição, a dilação do prazo, previu qualquer espécie de exclusão do dever de pagar os referidos acréscimos.

56. Dessa forma, resta insubsistente a alegação de que os acréscimos deveriam ser dispensados em função das alegações de caso fortuito e força maior.

57. Ademais, as alegações da recorrente, em verdade, de força maior, que na lição de HELY LOPES MEIRELLES, é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato, e de fato do príncipe, ato geral do Poder Público que só reflexamente desequilibra a economia do contrato ou impede a sua plena execução (Direito administrativo brasileiro, 17ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1992, páginas 221 a 223), não se verificaram.

58. O tabelamento de preços em vez de prejudicar às exportações, trazia estímulo a elas, uma vez que, para exportação, embora congelado o câmbio, os preços estavam livres. Por outro lado, o conseqüente aumento de consumo interno, poderia ser enfrentado pela recorrente com o aumento suficiente da produtividade e a disponibilização de mais postos de trabalho. A Guerra Iran versus Iraque não é suficiente para se tolerar o descumprimento do contrato, primeiro porque o avençado não estipulava que as exportações deveriam se dar apenas para o Iraque, cabendo à empresa buscar o incremento de outros mercados. Depois, poderia à recorrente tomar todas medidas necessárias para cumprir o seu contrato com o Iraque, vencendo as dificuldades de contratação de frotas de caminhões-tanques para o transporte de petróleo (já que este produto era trocado por automóveis) entre o Basrah e Acqaba, e respectiva armazenagem até que petroleiros da PETROBRÁS lá chegassem para trazer o óleo cru para o Brasil.

59. Portanto, ao decidir, dentro de sua política administrativa, de não tomar as medidas que poderiam contornar as dificuldades, estas aliás comuns às áleas e aos riscos de toda atividade comercial, o que poderia viabilizar o cumprimento do acordo com a Receita Federal no momento oportuno, não se pode dizer que a recorrente não concorreu com a menor parcela de culpa pelo não alcance completo das metas.

60. A recorrente ainda não comprovou que as dificuldades apontadas teriam gerado um abalo financeiro insuportável e intransponível, e pondere-se que o fenômeno da instabilidade financeira faz parte dos riscos dos negócios.

61. Por outro lado, da mesma forma que a União não tem participação nos lucros da atividade comercial privada, já que não é sócia da empresa, também não deve participar em seus insucessos.

62. Como pondera HELY LOPES MEIRELLES (obra já citada, páginas 221 e 222), a força maior poderá deixar de se verificar, se não afetar totalmente o cumprimento do ajuste, ou se o contratado contar com outros meios para contornar a incidência de seus efeitos no contrato. Evento imprevisível mas evitável, ou imprevisível e inevitável mas superável quanto aos seus efeitos incidentes sobre a execução do contrato, não constitui caso fortuito nem força maior. Como é corrente na doutrina, o impedimento resultante de força maior ou do caso fortuito não é apenas o obstáculo físico, mas todo e qualquer óbice intransponível à realização do ajuste, dentro dos esforços exigíveis das partes. O essencial é, portanto, que possua um caráter impeditivo absoluto do cumprimento das obrigações assumidas, o que não ocorre, p. ex., com a simples dificuldade, facilmente superável, ou com a maior onerosidade de que não resulte prejuízo extraordinário, pois em todo negócio são de esperar-se áleas e riscos próprios do empreendimento.

63. Destarte, o Ministro de Estado da Fazenda, ao indeferir anterior recurso interposto, não acatando a ocorrência de força maior, agiu dentro da juridicidade com a observância do princípio da moralidade administrativa, ciente de que a teoria da imprevisão é uma teoria excepcional, cabendo ser aplicada restritivamente e não extensivamente.

64. Repita-se, no que tange à solicitação de que os acréscimos fossem cobrados somente sobre o percentual das metas que deixaram de ser atingidas, também não procede, diante da inexistência de autorização legal nesse sentido.

65. Também em razão da aplicação do princípio da legalidade estrita (CTN, art. 97, VI), não há que se falar de transgressão ao princípio da isonomia.

66. O princípio da legalidade implica na vedação da prática de qualquer ato, pelo Administrador público, que não esteja expressamente previsto em lei. No âmbito tributário, o princípio da isonomia consiste na vedação de tratamento fiscal discriminatório entre contribuintes.

67. A Volkswagen do Brasil S/A pleiteou a dispensa do pagamento dos acréscimos legais, apesar de carecer de fundamento normativo para tanto, aduzindo que igual prerrogativa teria sido concedida à empresa Ford do Brasil S/A.

68. No entanto, a recorrente nada provou a respeito de suas alegações, não tendo providenciado a juntada de documentos relativos aos autos do processo administrativo do caso da Ford.

69. No entanto, deixa claro que os motivos alegados pela Ford pela sua inadimplência (greves e paralizações parciais na empresa, problemas com seus fornecedores, falta de componentes, atraso no aportamento do navio transportador, etc.) não são os mesmos apontados pela Volkswagen, o que já afasta a argüição de descuramento ao princípio da igualdade.

70. No entanto, ainda que restasse demonstrada a ocorrência de situações idênticas e mesmo assim tivesse ocorrida a dispensa em favor apenas da Ford do Brasil S/A, há de se convir que tal dispensa se deu em desobediência ao princípio da legalidade, haja vista não haver autorização legal para tanto em caso de ocorrência de caso fortuito ou de força maior.

71. Estando o princípio da legalidade em igual hierarquia ao princípio da isonomia, conclui-se não ser possível a aplicação deste em situação ilegal, ou seja, não se pode exigir que uma ilegalidade seja igualmente aplicada a outro contribuinte.

72. Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência pátria, conforme se depreende das Ementas abaixo transcritas:

"ISONOMIA: alegada ofensa por lei que concede isenção a certa categoria de operações de câmbio, mas não a outra, substancialmente assimilável àquelas contempladas (DL 2.434/88, art. 6º): hipótese em que, do acolhimento da inconstitucionalidade argüida, poderia decorrer a nulidade da norma concessiva da isenção, mas não a extensão jurisdicional dela aos fatos arbitrariamente excluídos do benefício, dados que o controle de constitucionalidade das leis não confere ao Judiciário funções de legislador positivo." (STF, RE 191.526-9/SP, in DJU de 30.05.1997).

"PRINCÍPIO DA ISONOMIA E FAVORECIMENTOS PESSOAIS - O princípio da isonomia não pode ser levado ao extremo de equiparar-se empregado devidamente situado em regular quadro de carreira com alguns beneficiados irregularmente pelo administrador público. O contrário fosse, e estar-se-ia aplicando o princípio isonômico para se conceder benefícios emergentes da ilegalidade que a alguns, teriam sido concedidos. O correto, o razoável, e a busca de restauração dos princípios que devem reger a administração pública, com a informação, a quem de direito, dos desmandos notificados." (TRT 9ª R. - RO 8.301/91 - Ac. 3ª T. 7.145/93, in DJPR 16.07.1993).

73. Por conseguinte, constata-se a inocorrência de transgressão ao princípio da isonomia, primeiramente por não se ter comprovado a ocorrência dos fatos em relação à Ford do Brasil S/A, os motivos alegados nos dois casos não são coincidentes e, por fim, em razão da impossibilidade de extensão de uma eventual ilegalidade a outro contribuinte em nome da observância do princípio da isonomia, em detrimento ao princípio da legalidade.

74. De fato, as situações, que ensejaram os pedidos, por parte das duas empresas, de dispensa de correção monetária e de acréscimos moratórios não são idênticas. Os problemas foram diferentes, e as decisões teriam sido também. Se injuridicidade foi praticada em outro caso por erro de direito, ainda assim, não há como transferir, em nome do princípio da igualdade, tal erro e a mesma ilicitude para beneficiar também a empresa recorrente. Em casos assim, desde que ainda oportuno, caberia a Administração rever o ato eventualmente ilegítimo em decorrência de ilicitude ou de errônea interpretação da Administração.

75. Para encimar, esclareça-se que, no erro de direito, a Administração pode anular o seu ato por padecer o mesmo de injuridicidade, não gerando o ato ilegítimo, por essa razão, direito, enquanto não suceder decadência ou prescrição. Já, na alteração de critério jurídico, que se dá quando a Administração tem a autorização da lei para agir de uma ou de outra forma, e após seguir uma delas, adota ou exige posteriormente o outro comportamento, a Administração só pode utilizar o novo critério no que respeita a mesma parte que já fora contemplada com o critério anterior, a partir das relações ulteriores a essa alteração.

V - CONCLUSÃO

76. Rejeitados todos os argumentos do recurso diante da total improcedência, opina-se pela rejeição do presente recurso hierárquico, mantendo-se o ato do Senhor Ministro da Fazenda, publicado no DOU de 23.08.1999, que havia indeferido o pleito da recorrente.

77. Estas, Senhor Advogado-Geral da União, as considerações reputadas cabíveis, e que são submetidas à elevada apreciação de Vossa Excelência.

Brasília, 04 de outubro de 2000.

OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO

Consultor da União