Parecer CJ/MPS nº 2.976 de 10/03/2003

Norma Federal - Publicado no DO em 12 mar 2003

Dispõe sobre a prestação de contas da DATAPREV.

Referência: Oficio/SOC/nº 012/2003.

Interessado: Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social - DATAPREV.

Assunto: Prestação de contas de exercício. Direito Constitucional e Administrativo. Pessoa Jurídica Integrante da Administração Indireta da União - DATAPREV. Necessidade de adequação à legalidade e normas de direito público. A natureza jurídica de direito privado da empresa pública não exclui a vinculação ministerial e menos ainda a subordinação a princípios de direito público, máxime direito administrativo, a que deve se sujeitar toda a Administração Pública. Submete-se à Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social manifestação da Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social - DATAPREV, no sentido de que o Presidente do Conselho de Administração, ora o Senhor Secretário-Executivo do MPS, aprove antecipadamente a prestação de contas do exercício de 2002, sem prévio parecer técnico do Conselho Fiscal.

I

2. A Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social - DATAPREV, é empresa pública instituída pela Lei nº 6.125, de 4 de novembro de 1974, regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 3.457, de 12 de maio de 2000.

3. Cediço que, embora a DATAPREV seja empresa pública, tem natureza jurídica de direito privado. Submete-se em geral, quanto aos atos da civil, perante terceiros, como uma pessoa jurídica comum.

4. Seus empregados são regidos pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT). Não pode ela, enquanto participe do jogo econômico nacional, ter qualquer privilégio ou regalia tributária que não sejam também consignados às outras empresas particulares.

5. Tais princípios estão no nosso direito constitucional (precisamente no art. 173, § 2º).

6. A par desse caráter privatístico, o ordenamento jurídico brasileiro não confere total e inexorável independência aos entes descentralizados, sob pena de se ver frustrada a tutela ministerial.

7. A descentralização do serviço ou da atividade econômica acontece quando o Estado, percebendo a necessidade de que o serviço seja prestado com mais rapidez ou que é necessária a intervenção no domínio econômico (esta só devendo ocorrer quando imperativo da segurança da nação ou interesse público o exigir), cria uma pessoa jurídica autônoma para execução do referido encargo.

8. Ao revés da desconcentração, que se limita à delegação de competência dentro da mesma pessoa jurídica, ou seja, dentro do mesmo Estado, sentido largo, a descentralização se materializa com a criação de uma outra pessoa jurídica, que, para a prestação de serviço geralmente é uma Autarquia, e para atividades econômicas sói consistir numa empresa pública ou de economia mista.

9. Mesmo havendo ganhado foros de pessoa jurídica individualizada, com autonomia financeira e administrativa, a empresa pública não se pode furtar ao cumprimento de normas e princípios do direito público. São as conhecidas normas ou preceitos exorbitantes do direito civil comum.

10. Dessarte, por lidar tais pessoas com dinheiro público, com o erário público pleonasticamente se repita, com o patrimônio material e intelectual de pessoas estatais, há de haver uma submissão ao regime normativo da Administração Pública.

11. Isto é tão assente que a própria lei brasileira deve regulamentar todas as relações da empresa pública, não somente com o Estado, mas também com a sociedade civil.

12. Por obedecer ao regime de zelo com a coisa pública, quando o Administrador público tiver que optar entre dois caminhos, quais sejam, um que atenda a um interesse privado e um outro que leve ao interesse público, sempre deverá prevalecer o segundo. É a expressão de prevalência do interesse público sobre o interesse privado.

13. A doutrina costuma subdividir o interesse em mediato e imediato, para lembrar que a despeito de poder muita vez o administrador praticar um ato visando, e.g., à obtenção de lucro para a empresa pública (interesse imediato), se houver um interesse superior àquele e sua natureza preponderante for de direito público ou coletivo, sempre este (interesse mediato) prevalecerá.

14. Outra nota diferenciadora é que a empresa pública nasce da lei que a cria (manifestação da reserva legal), desde então traçando as diretrizes de sua função social e dispondo sobre os mecanismos de fiscalização pelo Estado e pela sociedade.

15. Nas licitações e contratos administrativos, sejam para aquisição de obra, prestação de serviços, para comprar e vender, sempre deverá o ente descentralizado proceder de acordo com os princípios da administração pública.

16. Deverá ainda prever a lei critérios para avaliação de desempenho e procedimento para apurar responsabilidades dos seus administradores.

17. Não nos resta a mínima dúvida de que a empresa pública, conquanto pessoa jurídica de direito privado, encontra-se subordinada ao cumprimento da legalidade, e à supervisão do Ministério a que se ache vinculada.

II

18. No caso específico da DATAPREV, há a representação do Ministério da Previdência Social na própria estrutura da empresa.

19. Temos como presidente do Conselho de Administração o Secretário-Executivo do MPS, consoante § 1º do art. 10, do Decreto nº 3.457, de 2000.

20. Além desta presentação tópica, diversos outros cargos são de indicação do Senhor Ministro de Estado, e, a par disto tudo, este nunca perde o seu poder-dever de tutela sobre o ente paraestatal.

21. Após a exposição do sistema jurídico-administrativo que rege as relações entre empresa pública, União e sociedade, exsurge a questão de se saber qual o procedimento regular para aprovação das contas da DATAPREV, com a chancela do representante do Senhor Ministro no Conselho de Administração.

22. Prescreve o art. 17 do Decreto nº 3.457, de 2000, que:

"Art. 17. Compete ao Conselho de Administração da DATAPREV:

VI - manifestar-se acerca das demonstrações contábeis, orçamentárias e financeiras, da destinação do resultado líquido, da modificação e integralização do capital, da absorção de eventuais prejuízos com a reserva de lucro, do relatório da administração e do processo de prestação de contas referentes a cada exercício.

23. Por sua vez, a Diretoria-Executiva e o Presidente da DATAPREV, respectivamente, devem:

a) apresentar demonstrações contábeis, orçamentárias, financeiras e patrimoniais, relatório da administração e processo de prestação de contas anuais, dentre outras obrigações; e

b) submeter a prestação de contas anual aos conselhos de Administração e Fiscal até 31 de março, acompanhada da manifestação da Diretoria-Executiva e pareceres dos auditores internos e independentes (art. 18, inciso XI, e art. 19, inciso VI, alínea b, ambos do citado decreto).

24. A leitura do art. 18, inciso XI, pode (mas não deve) levar a uma interpretação obtusa da legislação em prejuízo dos princípios e normas do direito público, como se demonstrará a seguir.

25. Embora o inciso XI do art. 18 do regulamento da DATAPREV se limite a citar como documentos que o Presidente deva submeter ao Conselho de Administração os pareceres dos auditores internos e independentes, tal enumeração não é taxativa. Trata-se de norma exemplificativa, podendo serem exigidos outros documentos ou provas técnicas para que sejam as contas anuais devidamente aprovadas.

26. A análise do problema deve ser sistemática e levar em conta o que o Decreto em seu conjunto pretendeu atingir.

27. Neste ponto, também não resta dúvida que o legislador é norteado pela noção da indenidade do erário, e tem por escopo proteger o patrimônio da empresa, cercando o administrador de cautelas na lida com os bens do Estado.

28. Em dispositivos subseqüentes, o regulamento enumera outros requisitos indispensáveis à análise da regularidade das contas, senão vejamos:

"Art. 21. Compete ao Conselho Fiscal:

III - opinar sobre as demonstrações contábeis, financeiras e orçamentárias e o relatório anual da administração, bem assim sobre os processos de prestação de contas, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias;

Parágrafo único. No cumprimento de suas atribuições, o Conselho Fiscal se utilizará da auditoria interna da Empresa, podendo valer-se também da auditoria independente, na forma da lei.

Art. 28. A prestação de contas anual conterá, além de outros, os seguintes elementos:

I - relatório da administração;

II - demonstrações contábeis, orçamentárias, financeiras e patrimoniais exigidas pela legislação;

III - manifestação do conselho de Administração e pareceres sobre as demonstrações contábeis emitidos, separadamente pela auditoria interna da Empresa, pela auditoria independente e pelo Conselho Fiscal, observado o disposto no parágrafo único do art. 21."

29. Não pairam mais quaisquer dúvidas sobre a necessidade de o Conselho Fiscal ter acesso a toda documentação e aos pareceres e expressar-se formalmente através de parecer (art. 21, III, e parágrafo único do Decreto nº 3.457, de 2000) acerca da matéria objeto da prova técnica, dada a especificidade do órgão.

30. De igual sorte, se por analogia pudéssemos aplicar a empresas públicas a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, o que não vem a ser o caso, chega-se à mesmíssima conclusão, qual seja, a de que antes da apreciação da prestação anual de contas, é indispensável a manifestação do Conselho Fiscal. Diz a lei:

"Art. 163. Compete ao conselho fiscal:

II - opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembléia-geral;

VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar; (grifo nosso)."

31. Resta cristalina a assertiva de que a função do Conselho Fiscal não é homologatória da demonstração anual das contas. A função de homologar, ou aprovar a regularidade da prestação de contas, deve ao contrário ser posterior à análise e manifestação do Conselho Fiscal e somente após o parecer deste órgão é que deve seguir-se a manifestação do Conselho de Administração (art. 17, VI, do Decreto nº 3.457, de 2000).

Ante o exposto, opina esta Consultoria Jurídica pela necessidade de os órgãos da DATAPREV, antes da aprovação de contas de qualquer exercício, façam cumprir as disposições regulamentares contidas no Decreto nº 3.457, de 2000, mormente quanto ao papel do Conselho Fiscal, que, sob pena de apuração de responsabilidades, não pode deixar de emitir pronunciamento específico e circunstanciado acerca da procedência ou não das contas submetidas à apreciação do Conselho de Administração.

À consideração do Senhor Consultor Jurídico.

FÁBIO LUCAS DE ALBUQUERQUE LIMA

2º Coordenador de Consultoria Jurídica

Aprovo. À consideração do Senhor Ministro.

JEFFERSON CARÚS GUEDES

Consultor Jurídico