Parecer CJ/MPS nº 2.970 de 28/02/2003

Norma Federal - Publicado no DO em 11 mar 2003

Dispõe sobre a redução de 25% da multa lançada através do Auto de Infração.

Assunto: Redução de 25% da multa lançada através de Auto de Infração.

Ementa: Direito Constitucional e Tributário. Princípio da Isonomia. Processo Administrativo Fiscal. A multa no processo de notificação de lançamento de débito previdenciário é administrativamente irrelevável. A multa objeto do Auto de Infração, fruto da conversão de uma obrigação acessória em obrigação tributária principal, é variável conforme dispuser o regulamento (art. 92, da Lei nº 8.212, de 24.07.1991).

Adentra esta Consultoria Jurídica, pelas mãos da douta Procuradoria-Geral do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a interessantíssima questão de saber-se se o art. 293 do Regulamento da Previdência Social, alterado pelo Decreto nº 4.032, de 26.11.2001, fere ou não o princípio constitucional da isonomia.

2. Passemos a análise do cerne do problema, qual seja o procedimento regulamentar de lançamento de obrigações tributárias, para depois encararmos o apontado mal-ferimento da salvaguarda constitucional.

3. A obrigação tributária principal, no caso dos débitos previdenciários, quando não adimplida no prazo de lei sofre a incidência de multa de mora (art. 35, da Lei nº 8.212, de 1991). E administrativamente é irrelevável essa verba acessória. Somente o próprio legislador pode restringir ou apagar a hipótese de incidência tributária ou conceder uma remissão da referida multa.

4. Caso totalmente diverso é o da presente consulta.

5. A multa imposta via Auto de Infração é regulada pelo art. 92, da citada lei, que merece transcrição:

"Art. 92. A infração de qualquer dispositivo desta lei para qual não haja penalidade expressamente cominada sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, a multa variável de CR$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a CR$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros) conforme dispuser o regulamento."

6. Temos uma hipótese legal em que taxativamente o legislador prevê o nascimento de uma obrigação tributária principal pelo descumprimento de uma obrigação tributária acessória.

7. A obrigação acessória é uma típica obrigação de fazer ou não fazer, podendo pois ser positiva ou negativa. Representa um dever legal do contribuinte. Como num estado democrático de direito, não pode o Fisco obrigar forçosamente o sujeito passivo a praticar o ato ou abster-se dele, a legislação tributária previu a transformação dessa obrigação de fazer em obrigação principal de pagar, para cujo cumprimento conhecemos os mecanismos de cobrança.

8. Assim a obrigação tributária dita acessória, se não cumprida espontaneamente, faz gerar uma outra, de caráter essencialmente patrimonial, que será regularmente constituída em crédito tributário do Estado, através do Auto de Infração.

9. Esse facere ou non facere imposto pelo legislador ao contribuinte é dirigido ao melhor funcionamento da administração tributária, e quando vilipendiado pelo sujeito passivo, exige a resposta do Fisco para que não se faça letra morta a lei e se evite a sonegação fiscal em massa.

10. Resta assente que a multa tem o predicado de obrigação pecuniariamente apreciável e é o fruto do arrepio de preceitos legais garantidores da arrecadação estatal.

11. Decorre também da leitura do art. 92 da lei retrocitada que coube ao poder regulamentar do Presidente da República dispor sobre a gradação e pormenores da aplicação do citado fato gerador da obrigação tributária.

12. Por enfadonha que seja a transcrição dos dispositivos regulamentares, é ela de crucial importância para a discussão do tema:

"Art. 293. Constatada a ocorrência de infração a dispositivo deste Regulamento, a fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social lavrará, de imediato, auto-de-infração com discriminação clara e precisa da infração e das circunstâncias em que foi praticada, dispositivo legal infringido e a penalidade aplicada e os critérios de sua gradação, indicando local, dia, hora de sua lavratura, observadas as normas fixadas pelos órgãos competentes.

§ 1º Recebido o auto-de-infração, o autuado terá o prazo de quinze dias, a contar da ciência, para efetuar o pagamento da multa com redução de cinqüenta por cento ou impugnar a autuação.

§ 2º Impugnando a autuação, o autuado poderá efetuar o recolhimento com redução de vinte e cinco por cento até a data limite para interposição de recurso.

13. O hermeneuta tem a seu dispor, enquanto operador de direito positivo, algumas ferramentas de interpretação. Digo do direito positivo, porquanto na seara da filosofia do direito as ferramentas são inúmeras.

14. Há o método de interpretação autêntico e o doutrinal, e como subtipos deste: o gramatical, o histórico, o sociológico, o lógico, o sistemático. Embora Carlos Maximiniano critique as classificações, pela razão de que não deve dissociar-se nenhum destes métodos na consecução do melhor entendimento, é didática a distinção e socorre superiormente o plumitivo que ora escreve.

15. E dentre os princípios gerais de interpretações o que se manifesta mais diretamente é o de que se deve buscar com afinco e sem descanso a vontade de norma sub óculo.

16. Deixado de lado o método gramatical, que resolveria a matéria de uma maneira perfunctória, e sempre no sentido da inocorrência de redução da multa sem a apresentação da defesa, vejamos o que nos falam os outros métodos.

17. Pelo método histórico, se o regulamento anterior, que permitia a redução com ou sem impugnação, foi propositadamente modificado por ato normativo posterior, é clara a intenção de modificar-se o status quo.

18. Pelo método lógico de interpretação, vamos nos encontrar com as águas do princípio constitucional da igualdade.

19. A Constituição da República assegura o princípio norteador da isonomia. Tal princípio é corolário de lutas (muitas, a maioria delas, sangrentas) surgidas no seio da sociedade civil contra discriminações sociais e políticas, ganhando importância acentuada quando se trata da desigualdade econômica.

20. E embora a legislação constitucional desde a época do regime monárquico a assegure, é ela um preceito cujo alcance deve ser buscado todos os dias, e tal como a liberdade, é um verdadeiro fito que devemos ter à nossa frente.

21. Além dos percalços metajurídicos que tem de enfrentar a isonomia, temos no campo da aplicação da lei outro problema a bater em nossa testa: a lei é sempre geral e abstrata e as pessoas e os casos são específicos e concretos.

22. Pois bem. Os arts. 282 e seguintes do Regulamento da Previdência Social, cumprindo delegação que legalmente lhe cabia, traçou os casos de aplicação de multa por descumprimentos de obrigações acessórias.

23. Dentre estas regras, encontra-se o dispositivo que manda reduzir a multa em 25% (vinte e cinco por cento) no prazo de recurso, e após o prazo de defesa, mas desde que esta tenha sido apresentada sob a forma de impugnação.

24. Como se vê, a norma não restringe o acesso a nenhum dos contribuintes ou interessados para que obtenham o benefício da redução.

25. Não há sequer de longe qualquer traço de descrimine por razões de sexo, idade, cor, raça origem, ou tamanho da empresa.

26. O fato de um contribuinte, que contesta o débito, ter um desconto e outro que não o fez, pagá-lo na integralidade, não afronta, a nosso humilde juízo, o princípio da isonomia.

27. Bem ao contrário. A modificação veio assegurar o principio da igualdade, senão vejamos.

28. A mesma consulta nos trouxe à baila o brocardo de que tratar com igualdade significa por vezes tratar desigualmente os desiguais.

29. Esse é exatamente o nosso caso: um contribuinte pensa ser indevida a exação, pugna por um direito que acredita deveras existir em seu favor, é diligente, cumpre os prazos procedimentais.

Resolve adimplir, face ser temerável a firmeza de sua tese. Mesmo recuando em sua luta, esta não pode lhe ser em vão. Exsurge como efeito dela uma redução da multa.

30. Um outro contribuinte viola obrigações acessórias, dificulta a administração tributária, não apresenta qualquer impugnação ao lançamento fiscal. Se a legislação der a este o mesmo tratamento que dispensou aqueloutro, teríamos agora sim uma situação de desigualdade.

31. Ele deve pagar o tributo de forma integral, como todos nós cidadãos pagamos os impostos, taxas e contribuições a que nos achamos vinculados como sujeitos passivos.

32. Vejo nisto, na manifestação espontânea de efetuar o pagamento sem impugná-lo, um reconhecimento nobre do contribuinte de que o Fisco está absolutamente certo naquela exação.

33. Os casos apresentados afiguram-se-nos portanto, completamente diferenciados, vindo à norma a tratá-los de maneira consentânea com os princípios gerais de direito, assegurando o tratamento justo para os contribuintes da Previdência Social, sem criar privilégios desmotivadamente em prejuízo dos cofres e da dignidade do erário.

Ante o exposto, opina esta Consultoria Jurídica no sentido de que o art. 293, e parágrafos, do Regulamento da Previdência Social, cumpre fielmente seu papel regulamentador da Lei nº 8.212, de 1991, e que inexiste o direito à redução da multa em 25% para o devedor que não impugna o Auto de Infração no prazo, aplicando-se tal sistemática desde a da edição do Decreto nº 4.032, de 26.11.2001.

À consideração do Senhor Consultor Jurídico.

FÁBIO LUCAS DE ALBUQUERQUE LIMA

Coordenador da 2ª Coordenação de Consultoria

Jurídica

Aprovo. À consideração do Senhor Ministro, para fins do disposto no art. 42, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

JEFFERSON CARÚS GUEDES

Consultor Jurídico