Parecer CJ nº 2.584 de 24/09/2001

Norma Federal - Publicado no DO em 26 set 2001

Serviço de Praticagem. Constituição de Empresa pelos Práticos

INTERESSADO: Diretoria de Arrecadação ASSUNTO: Serviço de Praticagem - Constituição de Empresa pelos Práticos. Serviço de Praticagem. Constituição de Empresa pelos práticos. Possibilidade. Inexistência de Vedação Legal. O art. 13 da Lei nº 9.537/97 ao disciplinar que o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas, não veda, neste último caso, que estas pessoas jurídicas tenham em seu quadro de sócios os próprios práticos, revestindo-se da condição de empresário. A contribuição patronal a cargo da empresa constituída pelos práticos incidirá sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais/empresários que lhe prestem serviços, conforme o inciso III do art. 22 da Lei nº 8.212/91 (acrescentado pela Lei nº 9.876, de 26.11.1999).

Trata-se de consulta formulada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, encaminhada por sua Diretoria de Arrecadação, no intuito de obter manifestação desta Consultoria sobre a exegese do art. 13 da Lei nº 9.537/97, face a possibilidade de serem defendidas duas interpretações, conforme menciona o item 30 da Nota Técnica PG/CGC/DCT nº 362/2000.

Os autos foram objeto de Nota Técnica PG/CGC/DCT nº 362/2000 da Coordenação-Geral de Consultoria do INSS, concluindo:

30. Diante do exposto, infere-se ser possível extrair do art. 13 da Lei nº 9.537/97 duas interpretações:

a) que o citado dispositivo legal autoriza a prestação de serviços pelos práticos na condição de autônomos, avulsos, empregados ou empresários, não havendo óbice à constituição de empresas em conformidade com os estatutos apresentados em anexo, sendo esta a posição desta Consultoria. Nesta hipótese, as contribuições previdenciárias incidirão sobre o total das remunerações pagas aos segurados contribuintes individuais/empresários, inclusive sobre a parte variável vinculada aos resultados das empresas;

b) que seria possível apenas a prestação de serviços pelos práticos individualmente, seja na condição de autônomos, seja organizados em associações, na condição de avulsos, ou contratados por empresas, como empregados. Em assim sendo, não seria lícita a constituição de empresas nas quais os sócios, na condição de empresários, exerceriam também atividades de praticagem.

31. Considerando, dessa forma, versar a presente consulta sobre questão previdenciária de relevante interesse público face à repercussão do enquadramento dos práticos na arrecadação de contribuições pelo INSS, sugerimos, com fundamento no art. 309 do Decreto nº 3.048/99, com a redação do Decreto nº 3.452/2000, o encaminhamento do presente à Consultoria Jurídica do MPAS, solicitando manifestação em tese sobre a possibilidade de constituição de empresas pelos próprios práticos e seu enquadramento na condição de empresários, bem como a base de cálculo a ser considerada para a cobrança das contribuições, para definição da melhor interpretação do disposto no art. 13 da Lei nº 9.537/97, que deverá ser a adotada pelo INSS".

Tendo em vista o disposto no trecho supratranscrito, o processo foi encaminhado à Consultoria Jurídica/MPAS na forma do art. 309 do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 3.452, de 09.05.2000.

É o sucinto relatório, necessário ao parecer que se segue.

Primus, vejamos o que reza o art. 13 da Lei nº 9.537/97:

"Art. 13. O serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas."

Secundus, para esclarecermos a indagação, devemos recordar que Prático define-se como sendo o aquaviário não-tripulante que presta serviços de praticagem embarcado. Este serviço, por sua vez, consiste no conjunto de atividades profissionais de assessoria ao Comandante requeridas por força de peculiaridades locais que dificultem a livre e segura movimentação da embarcação.

As disposições normativas sobre serviço de praticagem estão previstas na Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional.

A divergência interpretativa surge da leitura do art. 13, ao dispor que o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas.

A quaestio vexata reside na possibilidade ou não de constituição de empresas pelos Práticos e seu enquadramento na condição de empresários, bem como a base de cálculo a ser considerada para a cobrança das contribuições sociais.

Importante ressaltar que não há dissensão quanto à possibilidade dos Práticos prestarem serviços na condição de autônomos, empregados ou avulsos, nesta última situação como prescreve o art. 9º do Decreto nº 3.048 - de 6 de maio de 1999, in verbis:

"Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: (...)

VI - como trabalhador avulso - aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados: (...)

h) o prático de barra em porto."

Portanto, soam uníssonas as vozes sobre a possível qualidade dos práticos de atuarem individualmente, caracterizados como contribuintes individuais/autônomos; ou desempenhando suas funções como empregados contratados por empresas em caráter não eventual, sob subordinação e mediante remuneração; ou ainda, na posição de segurados avulsos organizados em associações.

A dúvida reside em saber se existe ou não restrição, no ordenamento jurídico vigente, dos Práticos constituírem empresas, enquadrando-se, por conseguinte, na categoria de segurados contribuintes individuais na modalidade de empresários.

Sobre o âmago da questão, a Nota Técnica PG/CGC/DCT nº 362/2000 elaborada pela Coordenação-Geral de Consultoria do INSS, averbou: "Ademais, considerando que não existe qualquer restrição por parte da lei, os próprios práticos poderão criar sociedades por quotas, de forma que poderão ser caracterizados como empresários, em conformidade com o disposto no art. 12, V, f da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99, que define empresário nos seguintes termos (...)".

Realmente, a conclusão acima não merece reparos, conforme se percebe ao analisar o ordenamento pátrio, em especial, o Diploma Maior, como a seguir faremos.

Dois princípios fundamentais devem ser trazidos à colação, como vetores à solução interpretativa da norma jurídica sob comento.

Inicialmente, o princípio da legalidade ou princípio da legalitariedade (cf. Pontes de Miranda), uma das vigas mestras do Estado Democrático de Direito, regra centenária em nosso Direito (art. 72, § 1º da Constituição de 1891), elevando a LEI à posição de veículo supremo da vontade estatal, acolhido no inciso II do art. 5º da Carta Magna:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

O princípio da legalidade, pelo seu próprio texto, não proporciona qualquer trabalho ao leitor, em virtude da clareza do seu comando "voltado tanto aos comportamentos sociais quanto às próprias atividades estatais" (Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, 2º v, 1989, p. 28), estabelecendo que só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações (fazer ou deixar de fazer alguma coisa) para o indivíduo.

Entendido que tanto a obrigação de facere como a de non facere depende de lei, significando a vinculação de TODOS ao mundo do direito, é oportuno, para o deslinde desta consulta, trazer à memória outro princípio constitucional, que se reveste numa das "expressões fundamentais da liberdade humana" (Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, op. cit., p. 76), previsto no inc. XIII, art. 5º da Constituição Federal:

"Art. 5º (...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."

Trata-se da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, dando-se proteção não só a escolha do labor, como o trabalhar ou não, assim bem lembrou os profs. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins ao lecionarem: "Embora o ócio possa parecer socialmente condenável, como de fato o é, desde contudo que o indivíduo disponha de meios dignos de sobrevivência, o não trabalhar está abrangido pelo artigo em epígrafe" (op. cit., p.76).

Conjugando-se o princípio da legalidade com o princípio da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, podemos extrair que não havendo, nas leis pátrias, vedação à constituição de empresas pelos práticos, não há como se defender mencionada tese proibitiva, pois se assim fosse, estar-se-ia proclamando uma obrigação, no caso, uma vedação, sem amparo legal.

Ademais, observe que caso se entenda que o prático não poderia ser sócio de empresa que realize serviços de praticagem, indiretamente, estar-se-ia formando um obstáculo ao seu livre exercício de profissão, haja vista que, mediante a exegese literal/restritiva ora repelida, caso exerça a praticagem, o prático não poderá ser empresário e constituir uma empresa com este objeto social; no entanto, poderá ser sócio/empresário desde que não preste serviços de praticagem. Ora, tal raciocínio se aproxima do absurdo.

Outrossim, aqueles que defendem a impossibilidade dos práticos construírem empresas realizam processo de interpretação do art. 13 da Lei nº 9.537/97 regido, prioritariamente, pelo elemento literal.

A experiência tem demonstrado que a interpretação guiada, de exclusivo, pelo elemento literal (ou gramatical) leva-nos a compreensões restritas do conteúdo da norma e, por que não dizer, entendimentos pouco produtivos em alcance e utilidade.

Dissertando sobre o tema da interpretação das normas jurídicas, José de Albuquerque Rocha destaca que o "processo gramatical de interpretação jurídica é considerado por muitos como o menos adequado para determinar o sentido da norma, já que se limitaria a investigar o significado dos vocábulos e as suas relações recíprocas sem preocupação com a realidade social a que estes vocábulos se referem" (In Teoria Geral do Processo, 3ª ed., Saraiva, 1996, p. 70).

Destarte, melhor será fazer sempre o emprego, muitas vezes combinado, de outros elementos da hermenêutica, tais como o elemento teleológico, o histórico-evolutivo e o sistemático, este último sempre com atenção à primazia constitucional.

Em epítome, o art. 13 da Lei nº 9.537/97 ao disciplinar que o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas, não veda, neste último caso, que estas pessoas jurídicas tenham em seu quadro de sócios os próprios práticos, revestindo-se da condição de empresário. E nesta hipótese, não há como se impedir que o Sócio Empresário/Prático exerça livremente sua profissão, prestando serviços de praticagem, como assegura a Constituição Federal no inciso retro mencionado.

Superada a controvérsia e admitindo a possibilidade dos práticos se revestirem da qualidade de empresários, nesta condição, serão enquadrados como segurados obrigatórios/contribuintes individuais, com supedâneo no art. 12, V, f, da Lei nº 8.212/91, contribuindo com alíquota de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição, na forma do art. 21 da mesma lei. Já a empresa destinará à Seguridade Social contribuição de vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais/empresários que lhe prestem serviços, como reza o inciso III do art. 22 da Lei nº 8.212/91 (acrescentado pela Lei nº 9.876, de 26.11.1999).

Saliente-se, que a contribuição social a cargo da empresa constituída pelos práticos incidirá sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais/empresários que lhe prestem serviços, o que inclui a parcela remuneratória variável vinculada aos resultados das pessoas jurídicas, definida pelo ato constitutivo da sociedade como sendo parte da contraprestação pelos serviços executados, ou seja, tendo natureza jurídica de remuneração.

Diante do exposto, esclarecidos os questionamentos levantados, submetemos à consideração superior.

Brasília-DF, 24 de setembro de 2001.

SÉRGIO FIÚZA T. DE SOUSA BRASIL

Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União

Consultoria Jurídica do MPAS

Aprovo.

À consideração do Consultor Jurídico.

Brasília, 24 de setembro de 2001.

INDIRA ERNESTO SILVA QUARESMA

Coordenadora-Geral de Direito Previdenciário

Aprovo.

À consideração do Exmo. Sr. Ministro da Previdência e Assistência Social, para os fins do art. 42, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, 24 de setembro de 2001.

ANTÔNIO GLAUCIUS DE MORAIS

Consultor Jurídico