Parecer CJ/MPAS nº 2.414 de 16/02/2001

Norma Federal - Publicado no DO em 19 fev 2001

Dispõe sobre serviços e benefícios das entidades beneficentes de assistência social, considerados aplicação em gratuidade.

ASSUNTO: Prestações, serviços e benefícios das entidades beneficentes de assistência social considerados aplicação em gratuidade.

EMENTA: ENTIDADES BENEFICENTES - PRESTAÇÕES, SERVIÇOS E BENEFÍCIOS QUE PODEM SER CONSIDERADOS COMO APLICAÇÃO DE RECEITA EM GRATUIDADE PARA OBTENÇÃO DO CERTIFICADO DE ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS

1. São considerados como aplicação em gratuidade os serviços, prestações ou benefícios de assistência social beneficente concedidos "a quem dela necessitar" (art. 203, CF/1988) para o atendimento de suas "necessidade básicas" (art. 1º, Lei nº 8.742/1993).

2. Não se enquadram nesse conceito os serviços, prestações ou benefícios conferidos a todos indistintamente, os que não se destinam a suprir uma necessidade básica do cidadão e os que têm por finalidade qualificar funcionários ou conceder-lhes benefícios trabalhistas.

3. Eventuais prejuízos ou não realização de receitas não são reputados aplicação em gratuidade.

4. No cálculo do percentual mínimo, deve-se levar em conta a renda bruta da entidade, não podendo ser excluído os custos contábeis.

5. Os percentuais estabelecidos no inciso VI e § 4º do Decreto nº 2.536, de 1998, não podem ser conjugados, não sendo lícito complementar o percentual de 20% de aplicação em gratuidade com eventual atendimento via convênio com o SUS previsto no § 4º, e vice-versa.

Trata-se de consulta sobre quais prestações ou serviços desenvolvidos pelas entidades beneficentes podem ser considerados aplicação em gratuidade para compor os limites traçados pelo art. 2º, VI, do Decreto nº 2.536, de 7 de abril de 1998, que tem o seguinte teor:

"Art. 3º Faz jus ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a entidade beneficente de assistência social que demonstre, nos três anos imediatamente anteriores ao requerimento, cumulativamente:

VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída;

§ 4º O disposto no inciso VI não se aplica à entidade da área de saúde, a qual, em substituição àquele requisito, deverá comprovar, anualmente, percentual de atendimento decorrentes de convênio firmado com Sistema Único de Saúde - SUS igual ou superior a sessenta por cento do total de sua capacidade instalada."

2. Assim, a entidade deve atender, entre outros requisitos, ao percentual mínimo de 20% de sua renda bruta aplicada em gratuidade ou comprovar percentual de atendimento de 60% decorrentes de convênio com o SUS. A discussão, pois, cinge-se em estabelecer o que seja esta aplicação ou atendimento e, principalmente, quais os serviços prestados pelas entidades beneficentes que podem ser enquadrados na disposição em comento.

3. Em relação às entidades que prestam saúde, muito se questiona sobre a possibilidade de conjugar-se os requisitos do § 4º com os do inciso VI do Decreto nº 2.536, de 1998. Assim, a entidade que não atingisse o índice de 60% em atendimentos conveniados ao SUS poderia complementar o restante com aplicação em gratuidade. Cremos ser impossível tal entendimento já que o § 4º do decreto citado determina a utilização do critério de 60% de atendimento em substituição ao critério do inciso VI. É dizer, a instituição de saúde está obrigada a atender o § 4º. Outrossim, vale reafirmar que o atendimento em convênio ao SUS deve ser efetivamente prestado.

4. Em continuidade, tratando-se da regra seguinte, que é a aplicação mínima de 20% em gratuidade, temos que, para a definição do que possa ser considerado aplicação em gratuidade devemos ter em mente as diretrizes impostas pela Constituição Federal, máxime, os destinatários dos benefícios assistenciais. Reza o art. 203 da Carta Magna:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

5. Constata-se, à evidência, que os destinatários do comando normativo encontram-se em situação de hipossuficiência, necessitando, pois, do auxílio social para a satisfação de suas necessidades vitais.

6. Por óbvio, auxílio ou benefício concedido a quem não se encontra em dita situação não pode ser reputada assistência social para os fins do preceito constitucional. Aliás, este entendimento emerge da própria Lei Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que estatui como sua finalidade o atendimento das necessidades básicas do cidadão. In verbis:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

7. Portanto, o conteúdo fundamental do que se deve entender por aplicação em gratuidade é o de assistência social beneficente prestadas "a quem dela necessitar" (art. 203, CF/1988) para o atendimento de suas "necessidades básicas" (art. 1º, Lei 8.742/1993).

8. Ressalte-se que a assertiva acima não contraria o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN 2.028-5, que suspendeu algumas alterações introduzidas no art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, pela Lei nº 9.732, de 1998. Com efeito, extrai-se do voto que concedeu a medida liminar o seguinte trecho:

"Com efeito, a Constituição, ao conceder imunidade às entidades beneficentes de assistência social, o fez para que fossem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios auxiliados nesse terreno de assistência aos carentes por entidades que também dispusessem de recursos para tal atendimento gratuito, estabelecendo que a lei determinaria as exigências necessárias para que se estabelecessem os requisitos necessários para que as entidades pudessem se consideradas de assistência social."

"Aliás, são essas entidades - que, por não serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendimento aos carentes a quem o prestam - que devem ter sua criação estimulada para o auxílio ao Estado nesse setor, máxime em época em que, como a atual, são escassas as doações para a manutenção das que se dedicam exclusivamente à filantropia."

(Trecho do voto na ADIMC-2028/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ 16.06.2000)

(grifei)

9. Do exposto, lícito concluir-se que certos tipos de prestações ou serviços não se subsumem ao conceito de assistência social, sejam porque conferidos a todos indistintamente, sejam porque não se destinam a suprir uma necessidade básica do cidadão ou mesmo então porque se destinam a qualificar funcionários ou conceder-lhes benefícios trabalhistas.

10. Exemplos da primeira hipótese - concessão de benefícios a todos indistintamente - são os descontos ofertados uniformemente a todos os alunos de uma instituição educacional. Sem dúvida que aqui se trata de critérios econômicos da instituição que refogem à questão da carestia. Isto porque estes descontos são determinados pelos custos contábeis da entidade e não por desideratos beneficentes, ou seja, seria inverossímil que todos os seus alunos fossem classificados como carentes e, portanto, destinatários de auxílio social em percentual igualitário.

11. No que toca à segunda hipótese - não se destinar a suprir uma necessidade básica do cidadão - podemos citar a cessão gratuita de salas e espaços de uma escola para empresas ou para a comunidade e a assistência proporcionada aos acadêmicos (palestras, encaminhamentos para estágios, visitas, recepção de calouros etc.). Malgrado se tratar de atitude louvável não tem aptidão para caracterizar benemerência, pois as necessidades envolvidas não podem ser reputadas básicas e muito menos voltadas para o âmbito da assistência social beneficente.

12. Por último, as hipóteses de benefícios que têm cunho trabalhista ou de qualificação de empregados e sócios. Assim podem ser considerados o aperfeiçoamento profissional educativo dos sócios, a qualificação do corpo docente, a assistência educativa prestadas aos professores (cursos, seminários, palestras etc.), os planos de saúde ou assistência médica a funcionários e as bolsas de estudos concedidas aos filhos de funcionários. Todas estas prestações têm nítido caráter trabalhista, alguns de natureza salarial, outros relacionados com a política de aperfeiçoamento profissional da entidade. Portanto, longe estão de se amoldarem ao conceito de aplicação em gratuidade para fins beneficentes.

13. Também não pode ser reputado como aplicação em gratuidade os custos de fabricação ou dos serviços prestados pela instituição que desenvolva atividade econômica em busca de outras fontes de renda para fins de promoção de assistência social. A razão da vedação situa-se no próprio texto do inciso VI do Decreto nº 2.536, de 1998, que estipula a renda bruta como base de cálculo.

14. Nesta proibição incide também a não-realização de receitas a qualquer título, como, por exemplo, a inadimplência, o abandono e o trancamento de matrícula por parte dos alunos. Isto porque, os eventuais prejuízos decorrem da própria atividade desenvolvida pela entidade, caracterizando-se como riscos econômicos a que estão sujeitas. Não são, pois, aplicação em gratuidade.

15. Podemos, então, elencar algumas prestações, serviços ou benefícios que não se subsumem ao conceito de aplicação em gratuidade. Esclareça-se que o rol abaixo não é exaustivo, podendo ser ampliado com outros correspondentes:

a) descontos concedidos uniformemente a todos os alunos;

b) gastos com aperfeiçoamento educativo de sócios e outros serviços gratuitos;

c) qualificação do corpo docente;

d) gastos com cursos, palestras e seminários destinados aos professores;

e) gastos com acadêmicos (palestras, encaminhamento para estágios, visitas, recepção de calouros);

f) cessão de espaço físico a empresas e comunidade;

g) plano de saúde concedido a funcionários;

h) bolsas de estudo concedidas a filhos de funcionários;

i) desconto ou bolsa concedida a alunos irmãos;

j) reduções de anuidades concedidas a alunos matriculados em mais de um curso;

k) valores não recebidos por inadimplência, desistência, abandono, trancamento de matrícula etc.;

l) atendimentos prestados pelos próprios alunos, como atividades curriculares;

m) prestações in natura, como moradia, alimentação etc., fornecidas aos funcionários;

n) outros serviços que não tenham correlação com os objetivos institucionais da entidade;

o) custos da atividade meio desenvolvida pela instituição;

p) conjugação dos critérios do inciso IV com o do § 4º do Decreto nº 2.536, 1998;

16. Por fim, vale assinalar que a aplicação mínima estabelecida no art. 3º, VI, do Decreto 2.536, de 1998, nunca poderá ser inferior à isenção de contribuições sociais usufruída pela entidade. Significa dizer que, para obter o Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos faz-se mister que, na análise dos exercícios anteriores à concessão ou renovação do Certificado, a aplicação em gratuidade seja superior ou igual à isenção das contribuições sociais, que deverá ser sempre demonstrada pela entidade solicitante.

17. Ante todo o exposto, entendemos que somente podem ser considerados como aplicação em gratuidade os serviços, prestações ou benefícios de assistência social beneficente concedidos "a quem dela necessitar" (art. 203, CF/1988) para o atendimento de suas "necessidade básicas" (art. 1º, Lei 8.742/1993). Exclui-se desse conceito os que sejam conferidos a todos indistintamente, os que não se destinam a suprir uma necessidade básica do cidadão e os que têm por finalidade qualificar funcionários ou conceder-lhes benefícios trabalhistas, como os acima mencionados e outros correlatos.

18. Os eventuais prejuízos ou não realização de receitas também não são considerados aplicação em gratuidade.

19. Além disso, para o cálculo do percentual mínimo, deve-se levar em conta a renda bruta da entidade, não podendo ser excluído os custos contábeis.

Por último, os percentuais estabelecidos no inciso VI e § 4º do Decreto nº 2.536, de 1998, não podem ser conjugados, não sendo lícito complementar o critério de 20% de aplicação em gratuidade com eventual atendimento por convênio com o SUS, e vice-versa. À consideração superior.

Brasília, 16 de fevereiro de 2001.

WARNEY PAULO NERY ARAUJO

Chefe da 2ª Divisão de Assuntos Jurídicos

De acordo.

Ao Senhor Consultor Jurídico.

Brasília, 16 de fevereiro de 2001.

INDIRA ERNESTO SILVA QUARESMA

Coordenadora-Geral de Direito Previdenciário

Aprovo.

À consideração do Senhor Ministro, para os fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, 19 de fevereiro de 2001.

ANTÔNIO GLAUCIUS DE MORAIS

Consultor Jurídico

Aprovo.

Publique-se.

Em 19 de fevereiro de 2001.

WALDECK ORNÉLAS