Parecer GEOT nº 24 DE 12/01/2022
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 12 jan 2022
Dúvida sobre a tributação incidente no serviço de industrialização por encomenda de corte e solda de estruturas metálicas.
I – RELATÓRIO:
A empresa (...) informa que presta serviço de industrialização por encomenda de corte e solda de estruturas metálicas, cadastrada com o CNAE 2539-0/01 (serviços de usinagem, tornearia e soldas) e CNAE 2599-3/02 (serviços de corte e dobra de metais).
Declara prestar serviços exclusivos dentro do estabelecimento do cliente, não havendo circulação de mercadorias e que os serviços prestados fazem parte do processo industrial do cliente, resultando em produtos que serão destinados tanto à venda como à integração no ativo imobilizado, para locação de bens móveis a terceiros.
Diante do exposto, questiona:
1. Os serviços prestados de corte e solda de metais, com materiais totalmente fornecidos pelo cliente, como parte do processo industrial do mesmo, cujo produto resultante será destinado à venda como produto de fabricação própria, é tributado pelo ICMS?
2. Os serviços prestados de corte e solda de metais, com materiais totalmente fornecidos pelo cliente, como parte do processo industrial do mesmo, cujo produto resultante será destinado à integração ao ativo imobilizado do cliente, é tributado pelo ICMS?
II – DA FUNDAMENTAÇÃO:
Inicialmente, a primeira questão objeto da consulta passa pela análise do conteúdo semântico dos termos bens e mercadorias no direito tributário. Segundo Eduardo Jardim: "No âmbito do direito tributário a palavra [bem] significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio. Opõe-se a mercadoria, que significa produto corpóreo destinado ao comércio. Baleeiro nos propicia um exemplo singelo em expressivo dizer: um sapato exposto numa vitrine é uma mercadoria, enquanto adquirido por alguém e uma vez calçado transforma-se em bem. Essa sutil diferença entre bem e mercadorias pode suscitar consequências relevantíssimas na área tributária"(in Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva. 1995. Pág. 13).
Essa acepção é claramente utilizada pela própria Constituição Federal, quando trata da Tributação e do Orçamento em seu Título VI. Quando o inciso VII do §2º do artigo 155 fixa a alíquota a ser adotada nas operações interestaduais com consumidor final, utiliza o termo "bem", tendo como pressuposto de sua utilização o fato de que o objeto não sofrerá nova circulação econômica. Aqui, tanto o consumidor final contribuinte do imposto quanto o não contribuinte adquirem bens.
Para aquele, por se revelar bens do ativo imobilizado ou bens de uso e consumo, enquanto que para este, bens de consumo.
A distinção mencionada dos termos "bens" e "mercadorias", através da interpretação sistêmica, pode ser colhida na Norma Geral em Direito Tributário Código Tributário Nacional, através, por exemplo, do inciso I do art. 68. Podemos citar, também, o inciso II do art. 2º da Lei Complementar nº 87/96.A Constituição Federal outorgou aos Municípios competência tributária para instituir Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, definidos em lei complementar, excluindo os serviços tributados pelo ICMS (art. 156, III). Até a edição da Lei Complementar nº 116/03, a Lei Complementar nº 56/87, cumpria o disposto no retro citado dispositivo constitucional, cabendo, no caso, citar o item 72 de sua lista de serviços anexa:
72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização;
Havia previsão expressa no item 72 de que o âmbito de incidência tributária do ISS não alcançaria os serviços realizados em objetos que posteriormente seriam comercializados ou industrializados, haja vista que, por se tratar de ciclo econômico de "mercadorias", a incidência tributária era do ICMS.
Com a edição da LC 116/03 o item 72 da LC 56/87 passou a constar no item 14.05 da nova lei, porém, por adoção de nova técnica legislativa, o legislador optou por retirar a expressão "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização" adicionando idêntica limitação no próprio título do item 14, ao utilizar o termo "bens":
14 - Serviços relativos a bens de terceiros.
...
14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.
...
14.13 – Carpintaria e serralheria.
Embora tenha havido modificação de técnica legislativa, a hipótese de incidência tributária do ISS foi mantida, limitando-a as operações de serviços em "bens" de terceiros, ou, de outro giro, nos serviços realizados em "mercadorias" de terceiros, manteve-se a incidência do ICMS. Tal constatação é até mesmo lógica, pois não houve modificação da competência tributária dada pela Constituição Federal aos Estados e aos Municípios, de modo que a novel lei complementar não poderia inserir no campo de incidência do imposto municipal algo que preteritamente era tributado pelo ICMS.
A questão foi fartamente analisada pelos Tribunais Superiores, sendo relevante anotar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN nº 4389 MC/DF fixou entendimento de que não incide o ISS na industrialização por encomenda quando o objeto da industrialização for utilizado subsequentemente em processo de industrialização ou de circulação de mercadoria. O caso analisado tratava de composição gráfica prevista no item 13.05 da LC 116/03. O título deste item, diferentemente do título do item 14, não prevê a limitação da incidência do ISS nas operações com "bens" de terceiros, mas, ainda assim, o Tribunal Supremo entendeu pela incidência do ICMS nas operações com "mercadorias":
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1º, CAPUT E § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
Voto: ...
Até o julgamento final e com eficácia apenas para o futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.
A decisão cautelar proferida pelo Min. Joaquim Barbosa na ADIN nº 4389 tornou-se paradigmática na Corte, sendo citada em recentes julgados, tal como o RE nº 606.960 Agr-Agr/ES da lavra do Min. Dias Toffoli, publicado em 13.05.2014, onde tratou especificamente da industrialização por encomenda com base no item 14.05 da Lista de Serviços Anexa à LC 116/03:
EMENTA Conflito de incidência entre o ISSQN e o IPI e ICMS. Industrialização por encomenda. Prequestionamento. Existência. Efetivo debate dos temas constitucionais no acórdão recorrido. Súmula nº 279/STF. Não aplicação.
...
3. Na industrialização por encomenda, se o bem retorna à circulação, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN, como é o caso dos presentes autos. Nesse sentido: AI nº 803.296/SP-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 7/6/13; ADI nº 4.389/DF-MC, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 25/5/11.
4. Nego provimento ao agravo regimental.
Voto: ...
Conforme registrei na decisão ora recorrida, a incidência indiscriminada do ISSQN sobre os serviços relacionados no subitem 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03, a depender do caso concreto, nem sempre se mostra acertada. Em determinadas hipóteses, pode haver a transfiguração do elemento material desse imposto bem como a incorreta usurpação de situações próprias de outras exações.
...
No mencionado AI nº 803.296/SP-AgR, assentei que, se o bem retorna à circulação após a industrialização por encomenda, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN.
O presente caso, conforme o quadro fático delineado nas demais instâncias, amolda-se a esse parâmetro, isto é, o bem, após o referido processo de industrialização, retorna ao solicitante para posterior comercialização ou nova industrialização.
Tendo em vista esse papel que assume a referida atividade de industrialização por encomenda no processo de produção (ADI nº 4.389/DF-MC), não há que se falar em incidência do ISSQN.
Reconheço, por outro lado, a incidência do IPI e do ICMS. Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Embora o pressuposto da decisão transcrita não tenha sido a diferenciação jurídica entre "bem" e "mercadoria", a conclusão se mostrou idêntica àquela aqui debatida.
No caso concreto, o relato descrito pela consulente evidencia duas operações distintas, a saber: a) a realização de industrialização por encomenda em mercadoria pertencente a contribuinte do ICMS, por sua conta e ordem, e b) a industrialização por encomenda sobre bem pertencente a contribuinte do ICMS destinado ao seu ativo imobilizado. Consequentemente os produtos resultantes serão, respectivamente, objeto de posterior comercialização pelo encomendante ou integrado ao ativo imobilizado deste.
No primeiro caso, o fato de o processo ser realizado no estabelecimento do encomendante, com materiais fornecidos por este, não descaracteriza a operação de industrialização por conta de terceiros, conforme normatizada no Anexo XII do Decreto nº 4.852/97, o Regulamento do Código Tributário Estadual.
A industrialização por conta de terceiros (terceirização), é uma etapa do processo produtivo realizado por meio de serviço de um terceiro, que, independentemente do local onde é desempenhado, o executa sobre mercadoria que, posteriormente, será comercializada (ou submetida a outro processo de industrialização) pelo encomendante. A industrialização por conta de terceiro configura-se, assim, como etapa da circulação de mercadoria e é tributada pelo ICMS.
Por outro lado, se o serviço prestado estiver elencado na lista de serviço anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e ser executado sobre bem (e não mercadoria) pertencente a usuário ou consumidor final, se constituirá fato gerador do ISS. Por oportuno, faz-se necessário enfatizar a nítida distinção existente entre os conceitos de bem e mercadoria. Esta sempre será destinada a posterior operação de comercialização ou industrialização, recebendo essa denominação porque não encerrou seu ciclo econômico. Aquele, ao contrário, já encerrou seu ciclo econômico e encontra-se em poder de seu consumidor ou usuário final, que pode necessitar de eventual beneficiamento para torná-lo mais adequado ao uso ou consumo que se destina.
Portanto, o serviço realizado, mesmo que dentro do estabelecimento do encomendante, com materiais fornecidos ou não por este, pode constituir-se numa operação de industrialização por conta de terceiros (ICMS) ou numa prestação de serviço (ISS). O fato de constar da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, como prestação de serviço sujeita ao ISS, por si só, não inviabiliza que seja, de fato e de direito, apenas uma etapa do processo de industrialização, estando, dessa forma, sob a incidência do ICMS. Assim, a destinação da mercadoria sobre a qual se executa o serviço é determinante para estabelecer a incidência do imposto competente.
III – CONCLUSÃO:
Sendo assim, respondemos aos questionamentos da consulente esclarecendo que:
1. Quando contratada para prestar serviços de corte e solda de materiais como parte do processo industrial do encomendante, cujo produto resultante será destinado à posterior comercialização, estará executando uma etapa do respectivo processo produtivo, ou seja, uma forma de industrialização por conta de terceiro, e tal serviço sujeita-se à incidência do ICMS.
2. Quando contratada para prestar os mesmos serviços em bem destinado ao ativo imobilizado do encomendante, estará prestando serviço em bem de terceiros, contido na Lista de Serviços sujeitos ao ISS, anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
É o parecer.
GERÊNCIA DE ORIENTAÇÃO TRIBUTÁRIA da SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 12 dias do mês de janeiro de 2022.
Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 24/01/2022, às 21:23, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.
Documento assinado eletronicamente por FERNANDA GRANER SCHUWARTZ TANNUS FERNANDES, Auditor (a) Fiscal da Receita Estadual, em 27/01/2022, às 11:58, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.