Parecer ECONOMIA/GEOT nº 184 DE 09/05/2022

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 09 mai 2022

Consulta sobre a possibilidade de dedução do ICMS pago antecipadamente, na importação de farinha de trigo, apenas da parte não financiada do Programa PRODUZIR (27%).

I – RELATÓRIO

A empresa (...), atua no ramo de fabricação de produto de panificação industrial, detentora do TARE nº 001-250/2016-GSF (PRODUZIR).

A consulente traz a informação de que sua matéria prima principal é a farinha de trigo, adquirida em sua maior parte por importação direta, informando ainda que o Decreto nº 6.716/08, em seu artigo 1º, determina que o ICMS incidente nestas operações deve ser pago antecipadamente e que o artigo 8º, parágrafo único, deste mesmo preceito, autoriza o creditamento, diretamente na conta gráfica, do ICMS pago, conforme transcrito no Guia Prático de Escrituração Fiscal Digital, página 50.

Relata, ainda, que o abatimento feito ocorre antes da aplicação do percentual de 73% correspondente ao valor financiado pelo PRODUZIR, o que, no seu entender, representa fomento do dinheiro dispendido com o pagamento do ICMS antecipado. Defende que este valor pago antecipadamente deveria ser levado a abatimento no percentual de 27% não fomentado, durante o mês em curso.

Ao final, pleiteia que a antecipação do ICMS feita quando da aquisição da farinha de trigo, seja escriturada como prevê o artigo 340 do RCTE, e que sejam criados códigos de ajustes para contemplar esta possibilidade, por questão de justiça e coerência, eliminando, assim, os prejuízos que vem suportando, aplicando a estas antecipações a mesma regra prevista na IN nº 598/03, por terem as mesmas características e similitudes.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A consulente, na descrição dos fatos, relata que utiliza como principal matéria prima a farinha de trigo, adquirida em operações interestaduais e por importação, e que sua irresignação reside no fato de ser obrigada a efetuar o pagamento antecipado do ICMS quando da aquisição do referido produto, o qual gera direito ao creditamento, nos termos do decreto nº 6.716/08, procedimento este que, no seu sentir, resulta num indevido fomento do imposto pago antecipadamente.

Visando eliminar a incongruência noticiada, requer que sejam criados novos códigos de ajustes, permitindo que o creditamento do imposto pago antecipadamente seja levado a efeito exclusivamente na parcela do imposto não financiada pelo PRODUZIR e não sobre o valor total (financiado + não financiado), como ocorre hodiernamente.

Toda a argumentação deduzida pela consulente está baseada no Decreto nº 6.716/08, todavia mister esclarecer que o referido diploma normativo  foi revogado pelo Decreto nº 10.031, de 01/02/2022, que introduziu nos arts. 59-A, 59-B, 59-C, 59-D, 59-E e 59-F do Anexo VIII do RCTE a disciplina sobre  os procedimentos a serem adotados na aquisição de farinha de trigo do exterior ou em outros estados, nestes termos:

ANEXO VIII - RCTE:

Art. 59-A.  O contribuinte localizado neste Estado fica obrigado ao pagamento antecipado do ICMS na entrada, no território goiano, de mercadoria relacionada no Apêndice XXVI deste Anexo, oriunda de outro estado, do Distrito Federal ou do exterior, inclusive em transferência (Lei nº 11.65, de 1991, art. 51-B).

Parágrafo único.  O disposto neste artigo não se aplica:

(...)

IV - em relação à farinha de trigo ou de mistura de trigo com centeio, à operação:

a) que destine a mercadoria a estabelecimento que irá utilizá-la como matéria-prima na fabricação de nova espécie de mercadoria, exceto quando destinada à indústria de panificação, ainda que cadastrada sob outro código na Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE; ou

b) de entrada do produto já elaborado destinado à comercialização do qual o adquirente seja seu fabricante." (NR)

1101.00

FARINHAS DE TRIGO OU DE MISTURA DE TRIGO COM CENTEIO

a) acondicionada em embalagem cujo conteúdo seja até 5,0 kg (cinco quilogramas)

b) acondicionada em embalagem cujo conteúdo seja superior a 5,0 kg (cinco quilogramas)

(...)

Art. 59-D.  O valor do ICMS é o resultante da aplicação da alíquota interna sobre o valor tomado como base de cálculo para efeito de antecipação, deduzindo-se, do resultado obtido, o valor do ICMS normal devido e destacado no documento fiscal, relativo à operação e à prestação de serviço de transporte a ela vinculada.

(...)

Art. 59-F.  As operações com mercadorias relacionadas no Apêndice XXVI deste Anexo sujeitam-se às normas comuns de tributação e escrituração com débito e crédito do ICMS (Lei nº 11.651, de 1991, art. 51-B, § 2º).

Parágrafo único. O ICMS destacado no documento correspondente à operação de aquisição e o imposto pago antecipadamente na forma deste regulamento constituem crédito para o adquirente.

Como visto, a mercadoria utilizada como matéria prima pela consulente (farinha de trigo), quando destinada à indústria de panificação, como no caso em tela, está na obrigação de recolher o ICMS antecipado, e após, quando da escrituração, aproveitá-lo como crédito.

Autoridade Fiscal junto à Gerência de Auditoria de Varejo e Serviços – GEAV, manifesta-se da seguinte forma quanto ao pedido do sujeito passivo:

“O Decreto n° 6.716/08 , Art.8°, § único,  autoriza o contribuinte a creditar-se do ICMS pago antecipadamente  e o  TARE N° 001-250/2016 em sua clausula primeira permite ao acordante incluir o tratamento do PRODUZIR ao ICMS devido na importação do exterior de matéria -prima. O contribuinte alega que não usa o benefício do programa previsto no termo de acordo mencionado quanto ao valor do ICMS antecipado, haja vista que registra integralmente o crédito desse imposto em TOTAL DE AJUSTES A CRÉDITO DO IMPOSTO, o qual reduz o saldo devedor, valor esse que é base para a utilização do valor financiado (73%). Já que há uma norma permissiva (TARE) concedendo ao contribuinte o direito de usar o benefício do PRODUZIR (Clausula Primeira, §3°) no recolhimento do ICMS devido pela ACORDANTE, acho pertinente essa discussão tanto em relação à possibilidade jurídica do pedido quanto à forma correta de escrituração, onde o mesmo poderia usufruir de tal benefício se assim fosse confirmado.

O Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital de Goiás ensina que nos casos em que a legislação tributária estadual exigir o registro de crédito do ICMS na linha "OBSERVAÇÕES" do Livro Registro de Apuração do ICMS, em função da necessidade de se controlar a sua utilização, o contribuinte DEVERÁ usar os registros 1200 e 1210 da EFD. O artigo 340 do RCTE descreve em seu §1° os créditos que podem constar na linha "Observações" e por consequência, no registro 1200 da EFD. O contribuinte, ao relatar seu pedido, apresenta algumas opções de registros que poderiam sanar essa "lacuna" que segundo ele, está provocando um fomento pago através de ICMS antecipado, ou seja, criar um código GO09XXXX no registro 1200, que seria utilizado com o fim de controle do ICMS extra-apuração no campo COD_AJ_APUR do registro 1200, situação essa que está descrita no guia da EFD (pg13)”.

De fato, o RCTE traz a seguinte previsão, especialmente em seu inciso I do § 1º do art. 340, no sentido de viabilizar a possibilidade de se abater diretamente do valor a pagar de ICMS o crédito do ICMS autorizado pela legislação. Vejamos:

RCTE

Art. 338. O livro Registro de Apuração do ICMS destina-se a escriturar, por período de apuração do imposto, os totais dos valores contábeis e os dos valores fiscais, relativos ao ICMS, das operações e prestações de entradas e saídas, extraídas dos livros próprios e agrupados segundo o Código Fiscal de Operações e Prestações previsto neste regulamento (Convênio SINIEF SN/70, art. 78);

Parágrafo único. No livro Registro de Apuração do ICMS são, também, escriturados:

I - os débitos e os créditos do ICMS;

II - a apuração dos saldos;

III - os dados relativos ao pagamento;

IV - o valor do estorno relativo ao ativo imobilizado e material de uso e consumo;

V - outras anotações e informações exigidas pela legislação tributária.

(...)

Art. 340. A escrituração deve ser feita nos quadros, nas linhas e nas colunas próprias, da seguinte forma:

(...)

§ 1º A linha OBSERVAÇÕES, além de conter anotações diversas, pode ser utilizada, quando autorizado pela legislação tributária, para escriturar valores:

I - de créditos que possam ser utilizados pelo contribuinte como dedução do imposto a pagar apurado após o confronto dos débitos e créditos, diminuído, se for o caso, das deduções do imposto a pagar previstas na legislação tributária;

(...)

§ 2º A linha OBSERVAÇÕES pode ser utilizada, também, para cálculo do ICMS a pagar após a dedução dos valores mencionados nos incisos do § 1º deste artigo.

§ 3º A utilização dos valores escriturados na linha OBSERVAÇÕES deve ser informada em documento de informação ou apuração do imposto, previsto na legislação tributária.

No caso sob exame, entendemos que pela sistemática do pagamento antecipado da farinha de trigo na entrada no Estado de Goiás, a previsão de creditamento do ICMS destacado no documento fiscal está em consonância com a regra geral de débitos e créditos, impactando a apuração do ICMS PRODUZIR na proporção prevista na Instrução Normativa nº 885/07-GSF.

Entretanto, relativamente ao ICMS pago antecipadamente, mediante DARE, a previsão legal para o aproveitamento do valor pago como crédito para a consulente, constitui em verdadeira autorização para creditamento diretamente no valor a pagar apurado mensalmente via programa PRODUZIR, ou seja, diretamente na parte correspondente ao percentual de 27% (vinte e sete por cento) (parte não financiada), na medida que tal sistemática é inerente à situação prevista para o pagamento antecipado e para fruição dos benefícios do programa PRODUZIR, evitando distorções descabidas na interpretação da norma com consequente prejuízo financeiro para o contribuinte, face ao incentivo financeiro de que é beneficiário mediante a assinatura do TARE 250/2016-GSF.

Cediço que a existência de lacunas normativas torna ainda mais desafiadora a atividade de aplicação da norma, pois além da interpretação reclama o emprego dos métodos de integração do direito, tal como previsto no art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

A Propósito, MAXIMILIANO, ao tratar das regras de hermenêutica jurídica, assevera que:

“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que tome aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.”

A lição do Ilustre professor é, em realidade, reprodução de brocardo amplamente conhecido na seara jurídica, norteador das normativas básicas de hermenêutica: “Interpretatio illa sumenda quoeabsurdum Evitetur", vale dizer: "adote-se aquela interpretação que evite o absurdo".

Pois bem. Analisando a “Tabela 5.1.1” do guia prático da escrituração fiscal digital percebe-se que ali se encontram discriminados os códigos de ajustes da apuração do ICMS”, dentre os quais se insere o código GO020004 referente à “antecipação de ICMS de imposto apropriado em decorrência de pagamento antecipado pela futura operação interna. - Dec. 6.716/08 - Art. 8, § único e IN. 893/08”.

A Instrução Normativa n. 885/07, a seu turno, ao dispor sobre a forma de apuração do saldo de ICMS pelos estabelecimentos beneficiários dos programas Fomentar, Produzir e Microproduzir, traz em seu texto o Anexo III, que elenca os códigos de ajustes da apuração do ICMS relacionados a operações incentivadas pelos programas Fomentar e Produzir.

Da análise do referido Anexo III constata-se que dentre os códigos de ajustes da apuração do ICMS relacionados a operações incentivadas pelo programa Produzir não está incluso o código GO020004, o que conduz à incontornável conclusão de que o imposto apropriado em decorrência de pagamento antecipado pela futura operação interna (de que cuidava o revogado Decreto n.º 6.716/08) escapa à disciplina contida na Instrução Normativa nº 885/07-GSF.

Nesta linha de intelecção, obtém-se o necessário equilíbrio financeiro entre o pagamento antecipado do ICMS da farinha de trigo e a regular fruição do incentivo financeiro do PROGRAMA PRODUZIR em sua integralidade, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade exigidos na interpretação das normas da legislação tributária.

Por fim, vale enfatizar que a legislação tributária estadual estabelece 02 tipos de antecipação: na entrada (como visto) e pela saída (IN 589/03). No caso da antecipação pela saída, as empresas beneficiárias do PRODUZIR/FOMENTAR estão dispensadas do recolhimento antecipado do imposto, com o evidente objetivo de não haver desarrazoada distorção dos objetivos dos programas FOMENTAR e PRODUZIR (IN 598, art. 1º, §3º, inc. I, alínea a, item 1).

No caso em questão, não pode passar ao largo da percepção do intérprete que na interpretação de uma norma deve-se empreender esforços no sentido de compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir, visando fixar-lhe o verdadeiro sentido e alcance, consoante prescreve o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Ora, indene de dúvidas que os recursos oriundos do imposto recolhido antecipadamente ingressam no erário estadual. À toda evidência, há apenas uma antecipação com a consequente exigência de que deve haver um novo débito quando da saída futura do produto resultante do processo de industrialização,  o qual estará ao alcance do financiamento pelo PRODUZIR.

Forte nos argumentos alhures, e com espeque na opinião técnica do setor de Auditoria Fiscal responsável pelo sistema EFD, entendemos que o contribuinte pode utilizar o código GO 09004, que integra o código 1200 da EFD, para lançar o ICMS pago antecipadamente relativamente à entrada no Estado de Goiás do produto farinha de trigo.

III – CONCLUSÃO

Posto isso, respondemos objetivamente ao questionamento da consulente, afirmando que a mesma faz jus ao pleito deduzido na exordial, de sorte que o ICMS pago antecipadamente na aquisição interestadual ou importação de farinha de trigo, mediante DARE, seja abatido diretamente da parte não financiada (27%) da sua apuração do PROGRAMA PRODUZIR, mediante a utilização do código GO 09004, que integra o código 1200 da EFD.

É o parecer.

Gabinete do > do (a) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 09 dias do mês de maio de 2022.

Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 10/05/2022, às 08:59, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por DAVID FERNANDES DE CARVALHO, Auditor (a) Fiscal da Receita Estadual, em 10/05/2022, às 09:41, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.