Parecer ECONOMIA/GEOT nº 17 DE 23/01/2024
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 23 jan 2024
Consulta sobre diferença de quantidade de produto agrícola entre o que consta da nota fiscal de produtor e o que o armazém geral deu entrada por meio de nota fiscal de entrada própria.
I – RELATÓRIO
(...), formula consulta nos seguintes termos:
“Nestes autos, (...) a, vem perante esta Regional para requerer nova análise acerca de uma diferença de saldo identificada pelo Setor de Fiscalização e Monitoramento do Agronegócio da DRF JATAÍ.
A requerente está credenciada a receber grãos de produtores goianos mediante Credenciamento baseado no Protocolo 10/98. No período entre 14/07/2023 e 06/10/2023, recebeu milho em grãos do produtor rural pessoa jurídica (...).
Ocorre que as notas de remessa do depositante totalizaram 10.644.777 KG de milho em grãos. Já as notas de entrada emitidas pelo depositário (requerente) totalizaram 10.566.600, daí a diferença de saldo no total de 78.177 KG apurada pela fiscalização.
No pedido, a requerente justifica a diferença alegando que as notas de remessa têm o peso apenas estimado, uma vez que no momento da colheita não seria viável (logística e economicamente) encaminhar os caminhões para balança a fim de aferir o peso líquido correto bem como umidade e outros motivos de quebra, uma vez que essa atribuição é justamente do armazém credenciado pelo Protocolo 10/98.
Lado outro, o Setor da DRF JATAÍ responsável pela fiscalização dessas operações alega que por se tratar de operação interestadual com suspensão de ICMS, não é possível desconsiderar a diferença apurada, uma vez que a faculdade de se considerar o peso do tíquete da balança seria tão somente para as operações internas.
Na pesquisa que fizemos à legislação pertinente não encontramos nenhum dispositivo que regulamenta os procedimentos tendentes a apurar o peso correto das cargas a serem remetidas.
Por certo que a remessa para depósito em armazém situado em outra unidade da federação é considerada uma operação interestadual, tão somente com a suspensão do imposto devido. Tanto é assim que nos casos em que o produto não retorna no prazo correto incide a alíquota interestadual e o ICMS deve ser pago ao estado do depositante, com a solidariedade do armazém depositário.
Porém, argumenta a requerente, exigir que as notas de remessa para depósito retratem fielmente o peso que será apurado na entrada para depósito tornaria inviável a própria operação baseada no Protocolo já citado.
Dessa forma, diante do (aparente) silêncio da legislação, bem como da grande quantidade de produtores circunscritos a esta Regional que se utilizam de armazéns situados próximo à fronteira com o estado do Mato Grosso do Sul, e que se deparam com situação semelhante ao caso em tela, entendemos que seria prudente uma manifestação da Gerência de Orientação Tributária acerca da seguinte indagação: o produtor rural que remete grãos para depósito em armazéns situados em outra unidade da federação, mediante o Protocolo 10/98, deve fazê-lo já ciente do peso líquido exato que será utilizado pelo depositário na nota fiscal de entrada no armazém?
Assim, retornamos à Assessoria com a sugestão de que os autos sejam encaminhados à GEOT para que aquela especializada deslinde a presente questão, para que o parecer, uma vez adotado pela Superintendência, balize as futuras decisões acerca da mesma matéria”.
II – FUNDAMENTAÇÃO
O início do presente processo ocorreu com o expediente dirigido pela empresa de armazéns gerais (...) à Delegacia Regional de Fiscalização de Jataí, requerendo manifestação acerca de diferença constatada em armazenamento de milho em grãos recebidos de produtor goiano, cujo introdução é vazada nos seguintes termos:
A REQUERENTE, atuando como armazém geral no Estado de Mato Grosso do Sul, desde o ano de 2001, sendo detentora dos Termos de Credenciamento nº 92169 – GO e 20/2023 – MS, nos termos do Protocolo 10/98, recebeu milho em grãos do produtor rural, (...), para depósito em sua unidade armazenadora.
Havendo a necessidade de permanência do saldo depositado por período superior a 90 dias, ingressou com o pedido de prorrogação do prazo de depósito, nos termos do § 4º, da cláusula primeira, do mesmo Protocolo, dando origem ao processo nº 202300004089718.
Durante a análise dos documentos, a autoridade apurou divergência no saldo do estoque, objeto do pedido de prorrogação, enviado para depósito e o estoque efetivamente depositado no armazém, conforme as contra notas, da ordem de 78.177 kg de milho em grãos.
Tal diferença foi apontada em virtude de as notas fiscais de remessas para depósito no armazém, emitidas pelo produtor rural depositante, serem feitas com peso estimado do produto, frente ao peso efetivo, apontado pelo armazém geral nas notas fiscais de entradas (contra-notas) emitidas após pesagem e de acordo com os tíquetes de balança.
Ao trazer a questão a esta Superintendência de Política Tributária – SPT, a DRF de Jataí busca conferir tratamento tributário uniforme a todos os produtores e armazéns gerais.
Nesse aspecto, observamos que o tratamento tributário para as operações com cereais também deve ser uniforme nas operações internas e interestaduais entre produtores rurais e armazéns gerais com a mesma finalidade, qual seja, imediatamente após a colheita em propriedade rural o milho será levado para armazenamento em armazém geral.
Compulsando a legislação tributária do Estado de Goiás, notamos que há um tratamento tributário específico para armazém geral, na mesma situação da aquisição por estabelecimento industrial ou atacadista ou de cooperativa, é dizer, quando o produto é colhido na lavoura e ato contínuo é levado para o comprador, onde se faz a pesagem na entrada do estabelecimento industrial ou atacadista ou armazém geral ou cooperativa.
Nesse ponto da explanação, insta chamar a atenção para o fato de que o caso concreto exige análise sob a ótica da previsão legal de aplicação da integração da legislação tributária pela analogia, na ausência de dispositivo expresso, a qual encontra previsão no art. 108 da Lei nº 5.172/66 - CTN, a seguir transcrito:
Código Tributário Nacional - CTN
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
(...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
A doutrina conceitua a analogia como sendo “a transposição de uma regra, dada na lei para a hipótese legal (A), ou para várias hipóteses semelhantes, numa outra hipótese B, não regulada na lei, ´semelhante´ àquela”.
A analogia é forma de integração da legislação, na medida em que há um vazio legislativo que precisa ser preenchido, diferentemente da interpretação, que consiste em estabelecer o significado e alcance de uma norma existente.
É preciso, antes de tudo, que a situação concreta em que não há previsão legislativa seja semelhante, em linhas gerais, à hipótese normativa a ser aplicada, por analogia, àquela situação concreta.
Semelhança não quer dizer igualdade, posto que se assim fosse, a situação concreta já estaria normatizada, mas que seja muito parecida, sendo que as diferenças não sejam tantas a inviabilizar a integração.
No presente caso, verifica-se que a situação concreta posta à consulta se assemelha muito às disposições regulamentares do art. 5º e do art. 6º do Anexo VIII do Decreto nº 4.852/97, que disciplina as operações INTERNAS (e não interestaduais) de remessa de cereal por produtor agropecuário para depósito em armazém geral.
Com efeito, o art. 5º do Anexo VIII do Decreto nº 4.852/97 determina que o armazém geral, a cooperativa, o industrial ou o comerciante atacadista com termo de credenciamento emita uma nota fiscal para acompanhar o trânsito do milho com destino ao seu estabelecimento (destinatário). Entretanto, tal determinação refere-se às operações internas. Nas operações interestaduais, ex vi do disposto nesse art. 5º, e fazendo uso da analogia das operações internas com as interestaduais, o próprio produtor rural fica com a obrigação de emitir a nota fiscal de simples trânsito, que pode ser através da repartição fiscal, para o produtor rural não credenciado à emissão de sua própria nota fiscal, ou pelo próprio produtor, caso esteja credenciado à emissão de nota fiscal própria.
Nessa nota fiscal emitida pelo produtor rural deverá constar a seguinte expressão, conforme art. 5º, § 1º, alínea “a”, item 2, do citado Anexo VIII do RCTE: "TRÂNSITO DE PRODUTO DESTINADO A DEPÓSITO, no caso de remessa diretamente do produtor ou extrator para depósito em armazém geral ou cooperativa".
Alfim, observe-se que tal nota fiscal de trânsito deverá ser registrada com valor da operação igual a zero (§ 3º do art. 5º).
Eis a seguir os dispositivos do art. 5º do Anexo VIII do RCTE, que disciplinam tal operação de trânsito:
Art. 5º Fica autorizado o uso de nota fiscal, modelo 1 ou 1-A, previamente emitida pelo destinatário, como documento hábil para acobertar a operação interna de circulação que envolva produto agropecuário e substância mineral ou fóssil, relacionados no art. 2º, nas seguintes situações:
I - aquisição efetuada pela indústria, diretamente do extrator ou produtor;
II - remessa, diretamente do estabelecimento extrator ou produtor, inclusive de arroz e feijão, para depósito em armazém geral ou cooperativa da qual o remetente faça parte;
III - aquisição de substância mineral em estado natural efetuada diretamente por estabelecimento comercial.
§ 1º Esta faculdade:
I - pode ser estendida à aquisição de produto agropecuário ou fóssil realizada por estabelecimento comercial eleito substituto tributário pela operação anterior mediante Termo de Credenciamento, conforme dispuser ato do Subsecretário da Receita Estadual.
II - não abrange a operação em que o remetente emita nota fiscal própria e adote regime periódico de apuração e pagamento do ICMS.
III - exige que a nota fiscal contenha, além das indicações previstas na legislação tributária, as seguintes:
a) como natureza da operação, as expressões:
1. TRÂNSITO DE PRODUTO ADQUIRIDO PELA INDÚSTRIA, no caso da aquisição efetuada pela indústria diretamente do produtor ou extrator;
2. TRÂNSITO DE PRODUTO DESTINADO A DEPÓSITO, no caso de remessa diretamente do produtor ou extrator para depósito em armazém geral ou cooperativa;
3. TRÂNSITO DE SUBSTÂNCIA MINERAL EM ESTADO NATURAL, no caso de aquisição efetuada diretamente por estabelecimento comercial;
b) revogada;
c) a observação: EMITIDA PARA EFEITO DE TRÂNSITO;
d) o número do conhecimento de transporte rodoviário de carga.
(...)
§ 3º A nota fiscal deve ser registrada no livro próprio, com a indicação do valor da operação igual a zero e na coluna OBSERVAÇÕES anotar o número da nota fiscal de entrada correspondente, bem como os demais esclarecimentos necessários.
Na sequência, na entrada do produto no armazém geral, este deverá emitir uma nota fiscal de ENTRADA, que valerá para documentar os valores da operação de entrada do milho em grãos no armazém geral respectivo, consignando o peso do milho, declarando-se o teor de umidade na primeira via da nota fiscal de entrada e afixando-se o tíquete da balança que efetuou a pesagem do produto, com a indicação do peso liquido apurado, tal como consta do art. 6º, inciso I, do Anexo VIII do RCTE, a seguir transcrito:
Art. 6º Na entrada do produto ou substância no estabelecimento, o destinatário deve declarar, se for o caso, o teor de umidade, na primeira via do documento fiscal que acobertar a operação, além de afixar ao mesmo uma via do tíquete da balança, hipótese em que, com base no relatório de impureza e umidade do produto ou substância, deve ser emitida nota fiscal, modelo 1 ou 1-A, contendo, além das indicações previstas na legislação tributária, as seguintes:
I - peso líquido apurado;
II - valor da base de cálculo;
III - destaque do ICMS devido;
IV - número da nota fiscal emitida para efeito de trânsito.
§ 1º A base de cálculo do imposto é o valor da operação, não podendo ser inferior à pauta de valores elaborada pela Secretaria da Fazenda, vigente no dia da emissão da nota fiscal que acobertou o transporte do produto ou substância.
§ 2º A nota fiscal deve ser registrada no livro próprio e o imposto nela destacado constitui crédito ao substituto tributário no respectivo período de apuração.
(...)
§ 4º Se a nota fiscal que acobertar a operação interna de circulação de produto agropecuário e substância mineral ou fóssil for de emissão do produtor ou da repartição fazendária, o seu registro no livro próprio deve ser com a indicação do valor da operação igual a zero e na coluna OBSERVAÇÕES anotar o número da nota fiscal de entrada correspondente, bem como os demais esclarecimentos necessários.
Desse modo, à vista do disposto nos preceitos da legislação tributária retrotranscrita, não pairam dúvidas de que a pesagem do cereal no estabelecimento do armazém geral, com o correspondente tíquete e nota fiscal de entrada, é que prevalecerá para efeito de quantificação do ICMS devido.
III – CONCLUSÃO
Posto isso, concluímos orientando à DELEGACIA REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO DE JATAÍ que à vista do disposto nos artigos 5º e 6º do Anexo VIII do Decreto nº 4.852/97, e por integração analógica, face à ausência de norma específica na legislação tributária, que deve ser aplicado às operações interestaduais o mesmo tratamento conferido às operações internas quando da remessa de cereais (incluindo-se milho) de estabelecimento de produtor rural com destino a depósito em armazém geral, situação em que o produtor rural emitirá uma nota fiscal de simples TRÂNSITO, competindo ao armazém geral, quando da entrada do cereal em seu estabelecimento, promover sua pesagem e, à vista do respectivo tíquete de pesagem, emitir a respectiva nota fiscal de entrada da mercadoria, a qual prevalecerá relativamente à quantidade de mercadoria e cálculo do ICMS devido.
E o parecer.
GOIANIA, 23 de janeiro de 2024.
DAVID FERNANDES DE CARVALHO
Auditor-Fiscal da Receita Estadual