Parecer AGU nº 169 de 06/10/1998

Norma Federal - Publicado no DO em 08 out 1998

Dispões sobre isenção de contribuição de cota patronal e de terceiros.

Mensagem nº 1.207, de 07 de outubro de 1998. Encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal de informações para instruir o julgamento do Mandado de Segurança nº 23.220.

Advocacia-Geral da União Parecer Nº GQ - 169, de 06 de outubro de 1998. "Aprovo. Em 6-x-98".

(Processo nº 35000.005292/95-96).

Processo nº 35000.005292/95-96

Origem: Ministério da Previdência e Assistência Social.

Assunto: INSS. Isenção de contribuição de cota patronal e de terceiros.

Parecer nº GQ-169

Adoto, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 , o anexo Parecer nº AGU/MP-01/98, de 02 de outubro de 1998, da lavra do eminente Consultor da União, Dr. Miguel Pró de Oliveira Furtado, e submeto-o ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar .

Brasília, 06 de outubro de 1998.

Geraldo Magela da Cruz Quintão

Advogado-Geral da União

Parecer nº AGU/MP-01/98 (Anexo ao Parecer GQ-169)

Processo nº 35000.005292/95-96

Assunto: INSS. Isenção de contribuição de cota patronal e de terceiros.

Ementa: A criação, por lei, de entidade filantrópica supre o certificado ou registro que ateste tal finalidade, e isenta a entidade das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.112, de 24.07.1991 , desde que atendidos os demais requisitos prescritos no art. 55 da mesma lei.

Parecer

A Exposição de Motivos em que o Sr. Ministro da Previdência e Assistência Social solicita ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República seja ouvida a Advocacia-Geral da União história com clareza e concisão a natureza da dúvida. Eis o texto da E.M. nº 86, de 12 de junho de 1998:

"Submeto a elevada consideração de Vossa Excelência processo administrativo de cobrança de créditos previdenciários no qual se discute a natureza jurídica da Associação das Pioneiras Sociais e se esta entidade encontra-se acobertada pela isenção a que se refere o art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991 .

2 - A Consultoria Jurídica deste Ministério concluiu tratar-se de autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde e, como tal, excluídos estariam os seus servidores do Regime Geral da Previdência Social e, na linha do precedente do Supremo Tribunal firmado no caso do Banco Central, incluídos no Regime Jurídico da União.

3. De outro tanto, se se entender que a Associação das Pioneiras Sociais é uma sociedade de direito privado com empregados regidos pelo Regime da CLT, se não for sucessora - em termos jurídicos - da extinta Fundação da Pioneiras Sociais, não possuirá os privilégios desta última, uma vez que, entende o órgão jurídico, à época dos fatos geradores não cumpria todos os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991 , para ser isenta de contribuições sociais.

4 - Como este Ministério não tem atribuição para definir a natureza jurídica de entidade vinculada a outra pasta, e como s.m.j., esta definição é pressuposto básico para se verificar da incidência ou não da norma tributária, proponho a Vossa Excelência seja solicitada a manifestação do Advogado-Geral da União para dirimir a controvérsia."

2 - A dúvida - que controvérsia não existe - consiste preliminarmente em saber se a Associação das Pioneiras Sociais, tal como definida pela Lei nº 8.246, de 22 de outubro de 1991 , constitui autarquia ou pessoa jurídica de direito privado. Uma vez respondida a questão, urge saber se se amolda ao quadro de isenção traçado pelo art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 .

3 - As Pioneiras Sociais - Devidamente autorizado pela Lei nº 3.736, de 22 de março de 1960, o Poder Executivo, por meio do Decreto nº 48.543, de 19 de julho de 1960, instituiu a Fundação da Pioneiras Sociais. A entidade sobreviveu por mais de três décadas, até que a Lei nº 8.246, de 22 de outubro de 1991 , conferiu ao Executivo poderes para extingui-la, e para instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais:

"Art. 1º É o Poder Executivo autorizado a instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com o objetivo de prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da população e de desenvolver atividades educacionais e de pesquisa no campo da saúde, em cooperação com o Poder Público.

Art. 2º O Poder Executivo é autorizado a promover, no prazo de noventa dias a contar da publicação desta Lei, a extinção da Fundação das Pioneiras Sociais, cujo patrimônio será incorporado ao da União pelo Ministério da Saúde.

§ 1º O Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais será incumbido de administrar os bens móveis e imóveis que compõem esse patrimônio, aí incluídas as instituições de assistência médica, de ensino e de pesquisa, integrantes da rede hospitalar da extinta fundação.

§ 3º (Omissis).

Quer porque se considerassem sucessoras da Fundação, quer porque continuassem a agir precisa e exatamente como sempre o fizeram, as Pioneiras Sociais que, facticamente, se consideravam com a mesma identidade, a despeito das modificações jurídicas, continuaram a ver-se como beneficiárias dos favores de que antes gozavam.

4 - Personalidade privada ou pública - Dúvida sobre a natureza da personalidade das entidades cuja criação ou instituição é autorizada por lei pode surgir, quando o ato autorizativo silencia a respeito. 1 No caso do Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, porém, o art. 1º da Lei nº 8.246, de 22.10.1991 , é claro, quando autoriza a instituição de entidade com personalidade jurídica de direito privado. Ora, como a unanimidade da doutrina (J. Cretella Júnior 2, Hely Lopes Meirelles 3, Celso Antônio Bandeira de Mello 4, Diógenes Gasparini 5) confere às autarquias personalidade de direito público, pode concluir-se que a entidade de que se trata autarquia não é. E Pontes de Miranda até erige o ter personalidade de direito privado em critério excludente do universo das autarquias:

"Teremos ensejo de ver que o critério de ser pessoa de direito público não basta, posto que baste para excluir a figura da ‘entidade autárquica’ o fato de ser de direito privado a pessoa."6

5 - Requisitos da Isenção - Resolvida a questão da personalidade da Associação das Pioneiras Sociais, cumpre verificar se ela cumpre todos os requisitos legais para ver isenta das contribuições que a Lei nº 8.212, de 24.07.1991 , impõe às empresas. Tais requisitos são enumerados na mesma lei:

"Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

II - seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos;

III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;

IV - não percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas atividades."

Dos cinco requisitos arrolados pela lei, o único que a Consultoria do Ministério da Previdência e Assistência Social tem por descumprido é o segundo. Pelo menos durante o período que vai de sua criação até 1995, a nova Associação das Pioneiras Sociais descurara de obter o Certificado ou o Registro de Entidade de Fins Filantrópicos e, por isso, não gozaria da isenção prevista no art. 55.

6 - Sucessão ou transformação? - A situação de continuidade fáctica da Associação das Pioneiras Sociais suscita a indagação se houve justaposição de sociedades ou simples transformação de uma sociedade em outra. A Exposição de Motivos nº 57/GM, de 28.05.1991, ajuda-nos e compreender o que tinha em mente o Governo, quando encaminhou ao Congresso o projeto que veio a transformar-se na Lei nº 8.246, de 22.10.1991 .

7 - Conforme esse documento, o Hospital Sarah Kubitschek, da Fundação das Pioneiras Sociais, "umas das poucas instituições governamentais que escapou do processo de decadência da rede pública de assistência médica", na qualidade de fundação instituída por lei e mantida com recursos orçamentários da União, via-se a braços com o grave problema de política de pessoal, decorrente do regime jurídico único instituído pela Constituição de 1988. "A aplicação desse modelo de organização ao setor da saúde não se pode fazer de maneira indistintamente generalizada. Determinadas instituições, como os referidos hospitais, devem obedecer, em matéria de recursos humanos, a regime compatível com o padrão de centros de excelência que deles se espera. Em tais casos, é preciso adotar princípios de administração de pessoal que não se conciliam com as garantias corporativistas e igualitárias, próprias do regime do servidor público." Urgia, portanto, permitir que seu pessoal se desvinculasse da rigidez remuneratória dos servidores públicos. "Para implementar esse novo modelo, é necessário extinguir a Fundação das Pioneiras Sociais", substituindo-a por entidade que disponha de tal flexibilidade.

Com esse objetivo em mente, fez-se o projeto de que acima demos notícia e que, transformado em lei, gerou o atual Serviço Autônomo Associação das Pioneiras Sociais.

8 - Ao que se vê do exposto, o Executivo quis tão-só adaptá-la a regime que lhe desse liberdade de iniciativa na área de pessoal. Para atingir esse objetivo, abriam-se duas vias, do ponto de vista jurídico:

a) extinguir a entidade existente, criando nova para justapô-la à anterior; ou

b) transformar a Fundação em Serviço Social Autônomo. Como desconhecia - ao que parece - o segundo caminho, achou "necessário extinguir a Fundação das Pioneiras Sociais".

9 - Ora, necessidade não havia, como pareceu ao redator do anteprojeto, de extinguir a Fundação das Pioneiras Sociais, nem mesmo para privatizá-la, porque, conforme a lição de Pontes de Miranda 7.

"A transformação pode consistir em publicização da pessoa jurídica, ou em privatização. A transformação não implica, necessariamente, que se troque de personalidade. O tipo legal pode ser mudado, sem que a pessoa seja outra" (o negrito não é do original).

10 - O caminho natural que se abria, portanto, era o da trans-formação, por meio do qual, sem solução de continuidade de qualquer espécie, poderiam ser alcançados os objetivos almejados, com manutenção até mesmo da própria personalidade. Todavia, agindo como agiu, a despeito de não estar o intérprete sujeito a rótulos, parece não haver dúvida de que uma personalidade foi destruída e outra foi criada. Houve, portanto, justaposição de entidades diversas.

11 - Contudo, se transformação não houve, o mesmo não se pode dizer da sucessão. O texto que vem induzindo o entendimento contrário diz respeito tão-somente à sucessão patrimonial. Realmente, de acordo com o art. 2º da Lei nº 8.246, de 22.10.1991 , o patrimônio da primitiva entidade transfere-se para a União, mas não será a sucessão patrimonial que caracterizará a sucessão pretendida para isentar a nova entidade dos encargos de que aqui se trata. No ponto principal da questão, que consiste na finalidade do empreendimento, sucessão houve. E além da sucessão no aspecto teleológico, o que se vê da Lei nº 8.246, de 22.10.1991 , é que há sucessão no saldo das dotações orçamentárias (art. 2º, § 3º), em contratos e convênios (art. 3º, II, do Decreto nº 370, de 20.12.1991), como no dever de tratar os pacientes que se encontravam internados. Até mesmo no tocante aos bens, se é verdade que ele passa ao domínio da União, não é menos verdade que à entidade recém-criada incumbe administrá-los, atestando a sucessão e reforçando a idéia de que o autor do projeto não se valeu da transformação simplesmente por não lhe ter ocorrido oportunamente.

Portanto, sucessão houve.

12 - Finalidade filantrópica - Todavia, parece ainda poder prescindir-se de ter havido sucessão. É que o que importa saber é se o Certificado ou Registro de Entidade de Fins Filantrópicos - único requisito ausente - é exigível para que a nova Associação das Pioneiras Sociais goze das isenções de que trata o art. 55 da Lei nº 8.212, de 24.07.1991 . E a mim me parece que não.

13 - A prática da filantropia pelas demais entidades que a elas se dedicam, ainda que tal objetivo figure nos seus atos institutivos, é algo que se lhes adiciona, é algo que lhes é externo, tanto que pode e, por vezes, acontece de o título servir-lhes apenas de fachada. Diferentemente é o que sucede com a nova Associação das Pioneiras Sociais.

Nessa, quer ela queira quer não, a filantropia constitui sua finalidade; a entidade é filantrópica por natureza; por reconhecimento legal; porque foi criada para a prática da filantropia. E, em sendo assim, a declaração legal supre o reconhecimento de um órgão burocrático da administração.

14 - Por todo o exposto, considerando que, conforme o Parecer acostado ao processo, o único requisito faltante para que a Associação das Pioneiras Sociais se veja isenta das contribuições previstas nos arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24.07.1991 , - o certificado de filantropia - é suprido pelo reconhecimento legal que institui a pessoa jurídica como entidade filantrópica, entendo que se lhe aplicam as isenções das contribuições referidas.

É como me parece, S.M.J. de V. Exª.

Brasília, 02 de outubro de 1998.

Miguel Pró de Oliveira Furtado

Consultor da União

1. Celso Antônio Bandeira de Mello, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. S. Paulo: RT, 1968, p. 319 e 320.

2. Tratado de Direito Administrativo. V, VII. Rio: Forense, 1970, p. 31 e ss.

3. Direito Administrativo Brasileiro. 16 ed., 2, tirag. S. Paulo: RT, 1991, p. 301.

4. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. S. Paulo: RT, 1968, p. 319 e 310.

5. Direito Administrativo, 4ª ed. rev. e ampl. S. Paulo: Saraiva, 1995, p. 224.

6. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. Tomo III, 2ª ed. rev. 2. tirag. S. Paulo: RT, 1973, p. 224.

7. Tratado de Direito Privado. Tomo LI. Rio: Borsoi, 1966. § 5.353, 2.