Parecer ECONOMIA/GEOT nº 167 DE 18/07/2023
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 18 jul 2023
Solidariedade do credor fiduciário com o devedor fiduciário com débito de IPVA inscrito em dívida ativa, face ao TEMA 1153 do STF de repercussão geral.
I – RELATÓRIO
(...), expondo para ao final consultar o seguinte:
Conforme as informações do Despacho 1542, solicitando desta Gerência análise e manifestação sobre o teor do Ofício nº. 045/2023, interposto pela Caixa Econômica Federal - CEF, solicitando "reconsideração de inscrição de débitos de IPVA em dívida ativa, sendo a Caixa Econômica Federal, como credora, citando o Tema 1153-STF", descrevendo que tomou conhecimento de sua inscrição em dívida ativa junto ao Estado de Goiás, em 258 processos, imputados a instituição financeira na qualidade de credora fiduciária, devido os proprietários dos veículos estarem em mora com o erário. Inadimplência de tributos de IPVA nos veículos financiado.
E conclui: “solicitamos a análise e manifestação da Gerência de Orientação Tributária, sobre o pedido inicial. Solicitando o retorno do processo para conhecimento”.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de consulta que tem como cerne a análise do instituto jurídico da propriedade fiduciária, que ocorre quando há a transmissão do bem ao credor fiduciário, em garantia de uma dívida, sendo o bem resgatado pelo devedor no momento da quitação do débito (condição resolutiva).
No caso, os adquirentes de veículos automotores com débitos inscritos em dívida ativa, adquiriram os aludidos veículos de concessionárias de veículos automotores e transferiram a propriedade dos mesmos ao agente financeiro credor do contrato de alienação fiduciária, no caso a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. A instituição financeira passou a ter a propriedade fiduciária dos veículos, que se constitui em uma propriedade resolúvel, cujo condição resolutiva é a quitação pelos devedores da dívida do financiamento junto à CEF.
Assim, enquanto não implementada a condição resolutiva, a CEF é a proprietária dos veículos, porém, não possui a propriedade plena, mas limitada. A posse direta pertence aos compradores dos veículos automotores que, sob esse título, registram os veículos automotores junto ao DETRAN, constando do registro do veículo junto ao DETRAN que a proprietária fiduciária é a CEF, que passa a ter a posse indireta.
A propriedade fiduciária de bens móveis infungíveis tem suas normas gerais fixadas no Código Civil Brasileiro. Vejamos alguns dispositivos pertinentes logo a seguir:
CAPÍTULO IX - Da Propriedade Fiduciária
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1 o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
§ 2 o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.
§ 3 o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.
(...)
Art. 1.363. Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:
(...)
II - a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.
(...)
Art. 1.367. A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231.
Pois bem. A legislação tributária dos Estados e do Distrito Federal, ao disciplinar a exigência de pagamento do IPVA, costuma vincular fiduciante e fiduciário como contribuinte ou responsável (art. 121, parágrafo único, incisos I e II da Lei nº 5.172/66 – CTN) pelo pagamento do imposto, por terem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador do IPVA ou quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Outrossim, também há a vinculação à obrigação tributária por solidariedade, espécie de responsabilidade (art. 124, inciso I, do CTN), especialmente porque se evidencia que ambos os contratantes da alienação fiduciária têm interesse comum na situação que constitua o fato gerador do IPVA, que é a propriedade do veículo, na medida em que no contrato de alienação fiduciária há interesse comum de ambos os contratantes na propriedade fiduciária. Ademais, não se pode olvidar que o fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor, nos termos do art. 90 da Lei nº 11.651/91 – CTE. Veja-se:
Art. 90. O IPVA incide sobre a propriedade de veículo automotor aéreo, aquático ou terrestre, quaisquer que sejam as suas espécies, ainda que o proprietário seja domiciliado no exterior.
Parágrafo único. O imposto é vinculado ao veículo.
No caso da alienação fiduciária de veículo automotor, o proprietário fiduciário é o credor fiduciário, no caso a Caixa Econômica Federal. Assim, a CEF é o contribuinte do IPVA dos veículos em relação aos quais detenha a propriedade, ainda que resolúvel, nos termos do art. 96 do CTE, a seguir transcrito:
Art. 96. Contribuinte do IPVA é o proprietário do veículo automotor aéreo, aquático ou terrestre.
Entretanto, considerando o fato de que a propriedade do veículo é condicionada a uma condição resolutiva, ou seja, a propriedade é limitada, o legislador goiano houve por bem em atribuir a responsabilidade pelo pagamento do IPVA ao devedor fiduciário, porque esse detém a posse direta do bem. Assim, o fiduciante, devedor fiduciário, é quem deve providenciar o recolhimento do IPVA, na qualidade de responsável, nos termos do art. 97 do CTE. Veja-se abaixo:
SEÇÃO II - DO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
Art. 97. É sujeito passivo por substituição tributária:
I - o fiduciante, no caso de alienação fiduciária em garantia;
Nessa mesma linha de raciocínio, considerando que o art. 97 nomeou o fiduciante como responsável pelo pagamento do IPVA, em primeiro plano e, em segundo plano, a legislação tributária houve por bem em designar o credor fiduciário como solidário pelo pagamento do IPVA com o devedor fiduciário, na medida em que ambos têm interesse comum na propriedade do veículo automotor, sendo um proprietário de forma limitada, mas proprietário, que é o credor fiduciário, no caso a CEF, e o outro possuidor direto do bem. Eis o texto legal a seguir (CTE):
SEÇÃO IV - DO SOLIDÁRIO
Art. 99. É solidariamente responsável pelo pagamento do IPVA:
I - o credor fiduciário com o fiduciante, em relação ao veículo objeto de alienação fiduciária em garantia;
Nesse contexto, exsurge, agora, no pedido formulada pela Caixa Econômica Federal, referência a possível decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, que obstacularizaria a legislação dos Entes federados estaduais e distrital, em fixar a responsabilidade solidária do credor fiduciário, no caso a CEF, com o devedor fiduciário em relação ao pagamento do IPVA. Trata-se de referência a possível julgado do STF que consolidaria o TEMA 1153 STF em sede de repercussão geral.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a legislação processual do Estado de Goiás, determina expressamente que decisões em repercussão geral do STF devem ser observadas pela administração pública do Estado de Goiás. Nesse sentido o art. 32, inciso II, alínea “a” da Lei Complementar nº 1042013 (Código dos Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de Goiás) estabelece nos seguintes termos:
Art. 32. Nos processos administrativos, a Administração Pública deverá observar, dentre outras regras e princípios:
(...)
II – a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, neste último caso em sede de recurso repetitivo:
a) por “jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” deve-se entender as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em recurso extraordinário submetido à repercussão geral ou mesmo em recursos extraordinários processados normalmente, quando se tratar de entendimento reiterado;
No mesmo diapasão, o art. 50, incio VII, da Lei Estadual nº 13.800/2001, também preceitua que:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
(...)
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
Importante acentuar que a Lei Complementar nº 104/2013 (Código dos Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de Goiás) impõe a observância da jurisprudência dos Tribunais Superiores nos atos praticados pela administração pública do Estado de Goiás no âmbito dos processos administrativos.
Portanto, à luz da previsão normativa supratranscrita, entendemos que a atuação da administração pública com observância da jurisprudência emanada dos Tribunais Superiores se alinha com os objetivos almejados pelo princípio constitucional da eficiência, visando, precipuamente, evitar os efeitos multiplicadores de demandas judiciais, com inevitável prejuízo ao erário, em virtude do ônus decorrente da sucumbência processual.
Paira, entretanto, perscrutar se o TEMA 1153 – STF de repercussão geral restou julgado, estando vigente e eficaz, dando solução à questão da solidariedade em tela.
Em consulta ao site do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF, vislumbra-se de modo inequívoco, que o tribunal afetou a questão como sendo de repercussão geral, em decisão proferida na data de 01/07/2022, pelo Plenário Virtual, no RE 1355870, sendo relator o Ministro Luiz Fux, cuja decisão por enquanto apenas se limitou a submeter a julgamento como repercussão geral “à luz dos artigos 146, III, “a”, e 155, III, da Constituição Federal, se os estados-membros e o Distrito Federal podem, no âmbito de sua competência tributária, imputar ao credor fiduciário a responsabilidade tributária para o pagamento do IPVA, ante a ausência de lei de âmbito nacional com normas gerais sobre o referido tributo e, ainda, a qualidade de proprietário de veículo automotor, considerada relação jurídica entre particulares e a propriedade resolúvel conferida ao credor pelo direito privado”.
Consoante se observa, o STF apenas afetou a controvérsia para ser submetida a julgamento sob o rito de repercussão geral, não tendo havido, até o momento, julgamento do mérito.
Dessa forma, ainda não houve o julgamento do mérito do TEMA 1153-STF de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal.
III – CONCLUSÃO
Posto isso, podemos concluir respondendo objetivamente à consulta incidental formulada pela Gerência de IPVA que, tendo em conta que o TEMA 1153 – STF ainda não teve julgamento de mérito, inexiste decisão do Supremo Tribunal Federal que impeça a aplicação do art. 99, inciso I, da Lei nº 11.651/91 – CTE, de modo que persiste a responsabilidade solidária da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL pelos créditos tributários inscritos em dívida ativa na condição de credora fiduciária dos veículos automotores, conforme consta dos autos.
Infere-se, assim, que insubsiste, até o momento, decisão de mérito em sede de repercussão geral do TEMA 1153 – STF apta a obstar a aplicação da legislação tributária goiana, de regência do IPVA, na questão atinente à solidariedade de credor e devedor fiduciários relativamente ao recolhimento do imposto incidente sobre a propriedade de veículo automotor.
É o parecer.
GOIANIA, 18 de julho de 2023.
DAVID FERNANDES DE CARVALHO
Auditor-Fiscal da Receita Estadual