Parecer ECONOMIA/GEOT nº 13 DE 18/01/2024

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 18 jan 2024

Possibilidade de venda de ativo imobilizado comprado com crédito acumulado de ICMS.

I – RELATÓRIO

(...), solicita esclarecimentos quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária.

Relata que é uma pessoa jurídica de direito privado que, dentre outras atividades, se dedica à industrialização, comercialização, exportação e importação de cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal, conforme consta em seu contrato social.

Cita o Decreto n °10.089/2022 e as Instruções Normativas n° 715/05 e n° 1527/2022, que tratam da possibilidade de transferência de crédito decorrente de saldo credor acumulado para aquisição de bens.

Afirma que a Consulente se enquadra no disposto no artigo 3º, inciso XIV, da Instrução Normativa n. 715/05, alterada pela Instrução Normativa n. 1527/2022.

Expõe que pretende adquirir, de outro contribuinte estabelecido em Goiás, bens para integralização em seu ativo imobilizado, usando o seu saldo credor acumulado de ICMS, dentro das regras e limites permitidos pela citada legislação.

Informa que, eventualmente, as aquisições de tais ativos poderão posteriormente ser alienadas a terceiros.

Questiona se existe algum óbice ou condição para a alienação do bem adquirido por meio de transferência de crédito acumulado do ICMS? Em caso negativo, indaga qual o procedimento correto a ser adotado.

Declara que não existe procedimento fiscal em curso contra a requerente.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os questionamentos formulados pela consulente devem ser respondidos à vista do que prescreve o Código Tributário Estadual - CTE - Lei nº 11.651/91, o Regulamento do ICMS (Decreto º 4.852/97), além da Instrução Normativa GSF nº 715/2005m, nestes termos:

CF/88

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre::

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

.........................................

CTE-GO

Art. 11. O imposto incide sobre:

I - operações relativas à circulação de mercadorias;

(...)

Art. 12. Para os efeitos da legislação tributária:

II - considera-se:

a) mercadoria qualquer bem móvel, novo ou usado, inclusive produtos naturais, semoventes e energia elétrica, extraído, gerado, produzido ou adquirido com objetivo de mercancia;

(...)

Art. 37. O imposto não incide sobre:

I - operações: (...)

m) de saídas decorrentes de alienação de mercadorias integradas ao ativo imobilizado do contribuinte;

(...)

Art. 44. Contribuinte é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Art. 58 (...)

§ 6º A apropriação do crédito decorrente da entrada de bem destinado ao ativo imobilizado é feita à razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês, proporcionalmente aumentada ou diminuída, pro rata die, se o período de apuração for superior ou inferior a um mês, devendo ser observado o seguinte:

I - a apropriação do crédito é o resultado da multiplicação da razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) pelo resultado da divisão entre as operações ou prestações tributadas e o total das operações ou prestações ocorridas no período de apuração, equiparando-se às tributadas as saídas e as prestações com destino ao exterior;

II - a primeira apropriação deve ocorrer no mês de entrada do bem no estabelecimento;

III - o saldo remanescente do crédito passível de apropriação deve ser cancelado, quando:

a) ocorrer o final do quadragésimo oitavo mês, contado da data da entrada do bem no estabelecimento;

b) houver a alienação do bem antes de completado o quadragésimo oitavo mês;

.........................................

RCTE-GO

Art. 78. Não-incidência é a situação que não está contemplada no campo de incidência do imposto ou aquela que a lei elegeu como não sujeita à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

Art. 79. O imposto não incide sobre:

(...)

§ 6º Na operação interna de alienação de bem integrado ao ativo imobilizado do estabelecimento, quando da emissão da nota fiscal, fica facultado ao remetente efetuar o destaque do imposto, observado o seguinte:

I - o valor do imposto não poderá ser superior ao montante que resultar do produto do valor do imposto correspondente à aquisição do bem pelo tempo que faltar para completar o quadriênio, na razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês ou fração;

II - o imposto destacado pode ser creditado pelo destinatário, obedecidas as regras específicas relacionadas à aquisição de ativo imobilizado, não constituindo débito para o remetente.

.........................................

Instrução Normativa GSF nº 715/05

Art. 2º O contribuinte que possuir mais de um estabelecimento no território do Estado pode compensar o saldo credor de um deles com o saldo devedor do outro (RCTE, art. 56-A).

Parágrafo único. A compensação do saldo devedor com o saldo credor dá-se por intermédio de transferência de crédito de um para outro estabelecimento do contribuinte.

Art. 3º Tratando-se de contribuinte que possua saldo credor acumulado em decorrência das seguintes situações específicas, a transferência deve ter como destinatário:

(...)

XIV - outro contribuinte estabelecido no Estado de Goiás do qual tenha adquirido máquinas, equipamentos, veículos ou materiais de construção, desde que destinados à integração ao ativo imobilizado e a obras civis de estabelecimento localizado em Goiás e pertencente à empresa remetente do crédito, após exaurida a possibilidade de compensação prevista no art. 2º, em se tratando de crédito decorrente de saldo credor acumulado relacionado com operação ou prestação abrigada por benefício fiscal ou por tratamento tributário diferenciado previsto em lei específica, associados com o de manutenção de crédito pela entrada (Decreto nº 10.089/2022 ).

(...)

§ 3º Para os efeitos do disposto no item 2 da alínea 'b' do inciso VI e no inciso XIV:

I - a transferência de crédito somente se aplica às máquinas, aos equipamentos, aos veículos ou aos materiais de construção adquiridos após o:

a) período de 12 (doze) meses consecutivos de acúmulo de crédito;

b) dia 1º de julho de 2022, em se tratando da hipótese prevista no inciso XIV.

II - o contribuinte que transferir o crédito deve informar, no 'Registro E115 - Informações Adicionais da Apuração do ICMS - Valores Declaratórios' da Escrituração Fiscal Digital - EFD, referente ao período de apuração em que se efetivar a transferência de crédito, o valor dos investimentos e as respectivas notas fiscais relacionadas à aquisição das máquinas, dos equipamentos, dos veículos ou dos materiais de construção, sem prejuízo do acompanhamento, do controle e da fiscalização pela administração tributária.

(...)

Art. 5º A transferência de crédito a outro contribuinte fica limitada:

(...)

IV - na hipótese prevista no inciso XIV do art. 3º, ao valor:

a) informado como 'Saldo credor a transportar para o período seguinte' na apuração do ICMS devido por operações próprias da EFD, decorrente de crédito acumulado pela hipótese prevista no inciso XIV do art. 3º durante o período mínimo de 12 (doze) meses consecutivos;

b) correspondente a 70% (setenta por cento) do valor das máquinas, dos equipamentos, dos veículos ou dos materiais de construção de que trata o inciso XIV do art. 3º;

Com a edição do Decreto nº 10.089/2022 foi autorizada a transferência de crédito do ICMS, de um contribuinte para outro contribuinte situado neste Estado, para a aquisição de máquinas, equipamentos, veículos ou materiais de construção, desde que destinados à integração ao ativo imobilizado e a obras civis de estabelecimento localizado no Estado de Goiás.

Tal situação refere-se à transferência de crédito decorrente de saldo credor acumulado durante o período mínimo de 12 (doze) meses consecutivos relacionado com operação ou prestação abrigada por benefício fiscal ou por tratamento tributário diferenciado previsto em lei específica, associados com o de manutenção dos créditos pela entrada

Pela leitura dos preceitos normativos supratranscritos, percebe-se que há diversos requisitos a serem observados para a realização da transferência, sendo um deles que o bem adquirido seja destinado ao ativo imobilizado.

A legislação tributária não traz o conceito de ativo imobilizado, que pode ser extraído de normas específicas, a saber:

LEI Nº 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades por ações

“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:

(…)

IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;”

No mesmo sentido, a Norma Brasileira de Contabilidade - NBC TSP 07, de 22 de setembro de 2017, aprovada pela Resolução 2017/NBCTSP07 do Conselho Federal de Contabilidade prevê:

“Ativo imobilizado é o item tangível que:

(a) é mantido para o uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para aluguel a terceiros (exceto se estiver no alcance da NBC TSP 06), ou para fins administrativos; e

(b) se espera utilizar por mais de um período contábil.”

Consoante se percebe, somente pode ser classificado como bem do ativo imobilizado o bem cuja expectativa de permanência no estabelecimento exercendo a função de bem “na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos” seja maior do que um período.

Em que pese o Consulente não deixar claro, ao que tudo indica o bem objeto da consulta foi naturalmente adquirido com o intuito de ser utilizado no desenvolvimento de suas atividades, por lapso temporal superior a um período contábil.

Desse modo, considerando como excepcional e atípica a situação exposta na exordial – venda de bem devidamente classificado no ativo imobilizado em prazo inferior a um período de expectativa de utilização como ativo imobilizado – entendemos restar descaracterizada a habitualidade e intuito mercantil na operação de alienação relatada na exordial.

Importante enfatizar que o bem adquirido para integrar o ativo imobilizado também não pode, evidentemente, estar inserido no rol de mercadorias objeto da atividade mercantil/operacional do estabelecimento da Consulente (e nem ter volume que caracterize intuito comercial), hipótese em que, inobstante a intenção original tenha sido a aquisição para integrar o ativo imobilizado, a alienação posterior fará com que o referido bem se submeta à incidência do ICMS segundo as regras ordinárias de tributação previstas para as operações com as mercadorias em geral. Todavia, consoante relatado na peça de consulta, o bem em tela não se insere na hipótese aventada.

Noutra senda, cediço que o critério material da regra-matriz de incidência tributária é a operação de circulação de mercadoria, e não de qualquer bem. A mercadoria é tão somente o bem móvel que foi adquirido com o intuito comercial. Daí dizer que a mercadoria não está vinculada à natureza do bem, mas sim à destinação dada a ele. O CTE ao prever que o contribuinte é a pessoa que realize operações de circulação de mercadoria com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, implica que não é contribuinte aquele que realize a venda esporádica de um bem. Vale ressaltar que para que a conclusão esteja válida, o objeto da venda não pode estar envolvido com a atividade operacional da alienante.

Acerca do tema, vale a pena citar as palavras do ilustre professor Roque Antônio Carraza:

Também não são mercadorias os bens que, adquiridos para integrar o ativo fixo do estabelecimento (prateleiras, caminhões, máquinas têxteis etc.), tempos depois, quando já não lhe servem, vêm a ser vendidos. É que a venda de bens do ativo fixo não é ato de comércio praticado com habitualidade pelo comerciante, industrial ou produtor. Ademais, os bens que integram o ativo fixo não são mercadorias, já que estranhos ao objeto de seu comércio. (CARRAZA, ROQUE. 2020. P. 52)

A classificação sobre a alienação bem integrados ao ativo imobilizado do estabelecimento já foi objeto de análise nesta Gerência de Orientação Tributária, valendo registrar os excertos a seguir do parecer n° 67/2020 que aborda o assunto:

Como se vê, o emprego e a destinação dada ao bem determinarão sua classificação contábil e jurídica. Será classificado no ativo imobilizado quando adquirido para a manutenção da fonte produtora de receitas, ou seja, da atividade fim da empresa, (...), não se confundindo com mercadoria pelo fato de não ser adquirido com o propósito de mercancia, ainda que ocorra sua venda posterior.

Assim, os veículos adquiridos pela empresa, na condição de consumidor final não contribuinte do ICMS, aos serem integrados ao ativo imobilizado desvinculam-se do conceito de mercadoria, evidenciando que não foram adquiridos para revenda, mas para atendimento de seu objeto social (...).

Revelando-se, portanto, a venda do bem em questão como evento excepcional e esporádico, cuja alienação configura atividade alheia ao seu objeto operacional, resta afastada, no caso concreto submetido à consulta, a presença dos requisitos da habitualidade e do volume que, em tese, poderiam caracterizar intuito comercial, observadas as premissas alhures esposadas.

Desse modo, considerando que inexiste vedação legal, subsiste a possibilidade de alienação de um bem do ativo imobilizado que tenha sido adquirido com a transferência de crédito de ICMS.

Em relação ao procedimento na alienação, importante ressaltar que se trata de hipótese de não incidência, e como tal, nos termos da alínea “a” do inciso II do §2° do Art. 155 da CF, em regra, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes. De sorte que o documento fiscal que amparar a operação deverá indicar o CFOP 5.551/6.551 (“venda de bem do ativo imobilizado”), sem destaque do imposto (artigo 37, inciso I, alínea "m" do CTE).

Todavia, nos termos do Art. 79, §6º do RCTE, na operação interna de alienação de bem integrado ao ativo imobilizado, quando da emissão da nota fiscal, fica facultado ao remetente efetuar o destaque do imposto, observando que o valor do imposto não poderá ser superior ao montante que resultar do produto do valor do imposto correspondente à aquisição do bem pelo tempo que faltar para completar o quadriênio, na razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês ou fração, e que o imposto destacado pode ser creditado pelo destinatário, obedecidas as regras específicas relacionadas à aquisição de ativo imobilizado, não constituindo, porém, débito para o remetente.

Por fim, o alienante do bem do ativo imobilizado deverá cancelar o saldo remanescente de ICMS passível de apropriação quando houver a alienação do bem antes de completado o quadragésimo oitavo mês (CTE, Art. 58, §6°, III, alínea "b").

III – CONCLUSÃO

Com base na legislação transcrita e nas considerações acima, respondemos ao questionamento formulado nos seguintes termos:

Indagação: existe algum óbice ou condição para a alienação do bem adquirido por meio de transferência de crédito acumulado do ICMS? Em caso negativo, indaga qual procedimento correto a ser adotado?

Resposta: Não. É possível a venda de um bem do ativo imobilizado adquirido por meio de transferência de crédito acumulado do ICMS. Tal situação configura hipótese de não incidência do ICMS, de modo que, nos termos dArt. 79, §6º do RCTE,  fica facultado ao remetente efetuar o destaque do imposto, observando que o valor do imposto não poderá ser superior ao montante que resultar do produto do valor do imposto correspondente à aquisição do bem pelo tempo que faltar para completar o quadriênio, na razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês ou fração, e que o imposto destacado pode ser creditado pelo destinatário, obedecidas as regras específicas relacionadas à aquisição de ativo imobilizado, não constituindo débito para o remetente.

É o parecer.

GOIANIA, 18 de janeiro de 2024.

DIOGO TIMES ALVES

Auditor Fiscal da Receita Estadual