Parecer GEOT nº 111 DE 05/06/2017

Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 05 jun 2017

Consulta incidental da Coordenação de ITCD.

Nestes autos ........................., atendendo o disposto no artigo 56, § 1º, da Lei nº 13.800/01, encaminha a esta Gerência, para apreciação e manifestação, o presente processo.

Trata-se de um pedido de reconsideração da decisão proferida pelo Despacho nº .........................., que denegou o pedido de declaração de inexistência de débito tributário, ou a não incidência, ou ainda, a declaração de quitação integral do ITCD referente à doação de imóveis, com reserva de usufruto vitalício, ocorrida, em dezembro de 1988,  no município de ................. Para tanto, o contribuinte requerente, apresenta os seguintes argumentos: a) que o imposto foi totalmente quitado, conforme legislação tributária aplicável à época do fato gerador (Lei nº 7.730/73), b) que o direito da SEFAZ-GO constituir o crédito tributário, através do lançamento, já foi alcançado pela decadência tributária, conforme o artigo 173, do CTN, c) que na extinção do usufruto não ocorre fato gerador do imposto (ITCD), logo, este não deve ser cobrado em razão da baixa da reserva de usufruto.

Primeiramente, é importante destacarmos a cronologia dos acontecimentos atinentes ao presente processo:

1)    30/12/1988: data em que foi lavrada a escritura de doação dos imóveis com reserva de usufruto vitalício;

2)    24/10/1990: data do registro da escritura em cartório;

3)   19/12/2015: data em que se consolidou a propriedade plena na pessoa do nu-proprietário.

Em relação à Legislação Tributária que deveria ter sido aplicada a este caso: a que estava em vigor na data da lavratura ou a que estava na data do registro púbico, é pacífico o entendimento desta Gerência no sentido de que o momento da ocorrência do fato gerador do ITCD na transmissão de bem imóvel é a data do registro da escritura pública em cartório, quando produz efeitos erga omnes. Este é, inclusive o entendimento aplicado nos processos de restituição de indébitos tributários, quando as partes lavram a escritura de transferência do bem imóvel, recolhem o ITCD e, após, desistem da transferência, não efetuando o registro em cartório. Nestas situações, a SEFAZ-GO tem deferido os pedidos de restituição, haja vista não ter se efetivado o fato gerador do imposto. Ademais, este posicionamento está em consonância com o disposto na Lei nº 10.406/2002, que institui o Código Civil, vejamos:

[...]

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

[..]

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.  

Quanto à ocorrência da decadência, prevista no artigo 173 do Código Tributário Nacional e 182 do Código Tributário do Estado de Goiás, especificamente em relação ao ITCD, o tema já foi reiteradas vezes analisado no âmbito desta Gerência por meio dos Pareceres nºs 115/2009-GPT, 379/2014-GEOT, 348/2015-GTRE, 010/2016-GTRE e 243/2016-GTRE.

Por esta razão, como resposta, segue transcrição parcial acerca do tema, extraída dos Pareceres números 115/2009-GPT e 348/2015-GTRE:

Parecer nº 115/2009-GPT:

A regra geral de prazo decadencial aplicável aos tributos está insculpida no artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, CTN, segundo o qual o prazo decadencial para que se promova a exigência de crédito tributário é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado (grifamos). Assim, a despeito de já ter ocorrido o fato gerador do tributo, o início do curso do prazo decadencial somente se dará após o fisco tomar conhecimento da ocorrência do respectivo fato gerador, isto porque somente após o conhecimento do evento descrito na lei como fato gerador de uma obrigação tributária é que o fisco possuirá os elementos indispensáveis para a efetivação do lançamento (art. 142, do CTN).

Parecer nº 348/2015-GTRE (conclusão):

Assim, ficou patente que a Fazenda Pública Estadual somente tomou conhecimento do negócio jurídico em 17/07/2015, embora a escritura pública de compra e venda tenha sido lavrada em 05/02/2001. A escritura não registrada não produz efeitos erga omnes.

Ainda sobre a matéria, a Procuradoria Geral do Estado de Goiás, exarou o entendimento de que o prazo decadencial somente inicia a partir do momento em que o fisco toma conhecimento da ocorrência do fato gerador do tributo, conforme o Parecer nº 005729/08-PTr, ratificado pelo Despacho nº 010960/2008.

Finalmente, citamos o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual tem exarado remansosa jurisprudência sobre a matéria ora em foco, conforme os julgados cujas ementas transcrevemos abaixo:

Ementa: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - ITCD - FATO GERADOR - ÓBITO - INÍCIO DO PRAZO DECADENCIAL - LANÇAMENTO - IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 142 DO CTN. “O lançamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD, depende de procedimento administrativo que identificará o sujeito passivo, os bens pertencentes ao Espólio, elementos que não podem ser apurados pela Administração Fazendária na data do óbito do Inventariado, razão pela qual não se pode ter aquele lapso temporal como início do prazo decadencial, consoante o ordenamento tributário vigente". (Agravo de Instrumento nº1.0145.05.214504-5/001(1); Relator: Des. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA; Publicação: 16.12.2005).

[...]

Temos que o ITCD apresenta características de tributo sujeito a lançamento por declaração (ou, para alguns, lançamento misto?), cabendo ao contribuinte a iniciativa de noticiar a ocorrência do fato gerador do tributo. Assim, enquanto o contribuinte não cumprir a sua obrigação, não possui o fisco as informações (elementos) que lhe permitam exercer a prerrogativa do lançamento (art. 142, CTN). Situação diferente ocorre, por exemplo, com o ICMS (tributo sujeito ao lançamento por homologação), porque neste caso o contribuinte antecipa o pagamento, oferece informações ao fisco (declarações, arquivos magnéticos) ou, mesmo que omitidas estas informações, o fisco toma conhecimento das atividades desenvolvidas pelo contribuinte, devendo promover as fiscalizações necessárias à aferição da conformidade e veracidade dos pagamentos e das informações prestadas pelo contribuinte. Em tais circunstâncias, justifica-se a regra da contagem da decadência a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ser efetuado, isto porque o fisco já possui conhecimento das atividades do contribuinte. Tal fato não ocorre com o ITCD, quando o contribuinte não informa ao fisco sobre atos ou negócios jurídicos que ensejam a incidência deste tributo.  

No caso em tela, observa-se que a doação dos imóveis, com reserva de direito real de usufruto aos doadores, teve seu registro efetuado em cartório em 24/10/1990, devendo, portanto, ser aplicada a Legislação Tributária Estadual vigente à época, ou seja, a Lei Estadual 10.721/88, que instituiu o Imposto sobre Transmissão Causa Mortes e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, que, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto nº 3.514/90, que entrou em vigor em 27/08/90, retroagindo, porém, seus efeitos a 1º de março de 1989. Transcrevemos abaixo as referidas normas:

Lei nº 10.721/88:

[...]

Art. 2º O imposto de que trata esta Lei tem como fato gerador a transmissão “Causa Mortes ou a doação, a qualquer título de:

I -  propriedade ou domínio útil de bens imóveis;

II – direitos reais sobre imóveis;

[...]

Decreto nº 3.514/90:

[..]

Art. 5º - Ocorre o fato gerador do ITD:

[...]

II - na transmissão por doação:

a)  na data da instituição do usufruto convencional;

b)  na data em que ocorrer o fato ou ato jurídico determinante da consolidação da propriedade na pessoa do nu-proprietário, na extinção do usufruto;

[...]

Art. 12 - A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens imóveis ou direitos ou o valor dos bens móveis, dos títulos ou créditos transmitidos ou doados, apurado, se for o caso, mediante avaliação procedida pelo Departamento de Arrecadação da Superintendência da Receita Estadual da Secretaria da Fazenda.

§ 1º - Nas transmissões de direitos reais de usufruto, uso, habitação ou renda expressamente constituída sobre imóveis, a base de cálculo corresponderá ao rendimento presumido do bem durante o período de duração do direito real, limitado, porém, a um período de 5 (cinco) anos, ainda que tenha caráter vitalício.

§ 2º - Nas transmissões não onerosas de bens imóveis, com reserva o transmitiste de direitos reais, a base de cálculo ser o valor da avaliação, excluída a parcela referente ao direito real, calculado conforme o disposto no parágrafo anterior.

[...]

Art. 21 - A alíquota do imposto é de 4% (quatro por cento).

Verifica-se que na transmissão por doação, com reserva de direitos reais, havia a previsão da ocorrência de fato gerador na data da instituição do usufruto e na data da extinção deste. Assim, em relação ao caso em análise, inferimos que, em 24/10/1990, data do registro da escritura de doação em cartório, ocorreu o fato gerador previsto no artigo 5º, inciso II, alínea “a”, do Decreto nº 3.514/90. Por conseguinte, no cálculo do imposto devido, deveria ter sido utilizada a base de cálculo e a alíquota previstas nos artigos 12, § 2º e 21, respectivamente, do referido Decreto.

Aqui, cabe informar e esclarecer que a Lei nº 7.730/73, que serviu de base para o cálculo do imposto em questão, foi alterada pala Lei nº 10.147/86, vejamos:

LEI nº 10.147/1986:

Art. 1º - Os dispositivos do Código Tributário do Estão, instituído pela Lei nº 7.730, de 30 de outubro de 1973, adiante anumerados, passam a vigorar com as seguintes alterações:

[...]

Art. 123 - As alíquotas do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos são as seguintes:

[...]

III - quaisquer outras transmissões:

[...]

4% (quatro por cento).

Art. 124 - .................................................................................

§ 1º - Nas transmissões “inter vivos” em que houver reserva em favor transmite, do usufruto, uso ou habitação sobre o imóvel, a base de cálculo é o valor vernal do imóvel menos o valor venal do direito reservado e será obtida na forma do disposto no art. 126.

Art. 9º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo, porém os efeitos do art. 2º a 7 de janeiro de 1986, revogadas as disposições em contrário.

Desta forma, verifica-se que o cálculo do imposto devido foi efetuado de forma equivocada (foi utilizada a alíquota de 2% sobre o valor venal dos bens imóveis) quer tenha se fundamentado na Lei nº 7.730/73 ou na Lei nº 10.721/88.  

No que se refere ao fato gerador ocorrido na data da extinção do usufruto, para melhor compreensão, é importante destacar os artigos 116 e 117 do CTN:

Lei nº 5.172/66 – CTN:

[...]

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

[...]

 II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;

Assim, no caso em tela, o implemento da condição jurídica, para efeito da ocorrência do fato gerador previsto no artigo 5º, inciso II, alínea “b”, do Decreto nº 3.514/90, aperfeiçoou-se em 19/12/2015, com a consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário. Nesta data, já estava em vigor a Lei nº 18.002/13, que a respeito do ITCD devido na extinção do usufruto prevê:

Lei nº 18.0002/13:

[...]

Art. 2º O ITCD é devido na extinção do direito real relativo à transmissão de bem gravado anteriormente à vigência desta lei, desde que:

I - tenha incidido apenas sobre a nua propriedade, quando se tratar de bem imóvel;

A inserção do dispositivo acima na Lei nº 18.002/13 teve o objetivo de estabelecer um mecanismo de transição entre o previsto nas legislações anteriores e o previsto na referida Lei, especificamente, em relação à tributação da transmissão por doação com reserva de direito real pelo proprietário, que era estabelecida em dois momentos: no ato da transmissão da nua propriedade e na extinção do usufruto. Assim, na extinção do usufruto referente à transmissão de bem imóvel ocorrida anteriormente a Lei nº 18.002/13, na situação em que o ITCD tenha incidido apenas sobre a nua propriedade, o sujeito passivo deverá recolher o imposto de acordo com as normas vigentes à época da transmissão do bem.    

No caso em análise, considerando que a tributação foi efetuada de forma incorreta (o imposto não foi integralmente recolhido), que, na legislação vigente à época, havia a previsão de ocorrência de fato gerador do imposto quando da extinção do usufruto, entendemos ser aplicável o disposto no artigo 2º, inciso I, da Lei nº 18.0002/13, devendo a Coordenação do ITCD efetuar o cálculo do imposto devido conforme previsto no Decreto nº 3.514/90, que regulamentou a Lei nº 10.721/88.

É o parecer.

Goiânia, 05 de junho de 2017.

ÁLVARO CIRO SANTOS JUNIOR

Assessor Tributário

Aprovado:

MARISA SPEROTTO SALAMONI