Instrução Normativa FUNAI nº 2 de 21/03/2007

Norma Federal

Estabelece normas sobre a participação da FUNAI no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades potencialmente causadoras de impacto no meio ambiente das Terras Indígenas, na cultura e povos indígenas.

Notas:

1) Revogada pela Instrução Normativa FUNAI nº 3, de 27.04.2007, DOU 08.05.2007 .

2) Assim dispunha a Instrução Normativa revogada:

"O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo Estatuto, aprovado pelo Decreto nº 4.645, de 25 de março de 2003 , e

Considerando que o art. 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe ser dever do Poder Público defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações;

Considerando que o § 1º do art. 225 prevê como atribuição do Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Considerando que o art. 231 da Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre suas terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens;

Considerando que o § 2º do art. 231 da Constituição Federal de 1988 garante o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes na Terra Indígena;

Considerando que a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 , principalmente quando dispõe que deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos indígenas;

Considerando que, de acordo com a Convenção nº 169 da OIT, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, toda vez que forem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

Considerando que, ainda de acordo com a Convenção nº 169 da OIT, deverão ser especialmente protegidos os direitos dos povos indígenas aos recursos naturais existentes nas suas terras, abrangendo o direito desses povos a participarem da sua utilização, administração e conservação;

Considerando que o art. 22 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 , prevê o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades das Terras Indígenas tradicionalmente ocupadas;

Considerando que a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 , que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe sobre as diretrizes, os objetivos, os fins, os mecanismos, o sistema e os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, entre eles a regulamentação da avaliação de impacto ambiental prevista constitucionalmente;

Considerando que a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, é o órgão da União legalmente responsável por garantir a posse permanente das Terras Indígenas e o usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes, de acordo com a Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967 ;

Considerando que a FUNAI deve ser enquadrada como órgão setorial, integrante do SISNAMA, de acordo com inciso III, do art. 6º, da Lei nº 6.938/81 , pois é órgão da Administração total ou parcialmente associada às atividades de preservação da qualidade ambiental ou de disciplinamento do uso de recursos naturais;

Considerando, que é conferido à FUNAI o exercício do poder de polícia nas Terras Indígenas e nas matérias atinentes à proteção do índio, de acordo com o inciso VII, art. 1º da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967 ; e

Considerando, por fim, que as ações voltadas à proteção ambiental das Terras Indígenas e seu entorno destinam-se a garantir a manutenção do equilíbrio necessário à sobrevivência física e cultural das comunidades indígenas devem contemplar, de acordo com o art. 9º do Decreto nº 1.141, de 5 de maio de 1994 , o controle ambiental das atividades potencial ou efetivamente modificadoras do meio ambiente, mesmo daquelas desenvolvidas no entorno das Terras Indígenas, RESOLVE:

Art. 1º Estabelecer normas sobre a participação da FUNAI no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades potencialmente causadoras de impacto no meio ambiente das Terras Indígenas, na cultura e povos indígenas.

Art. 2º Para efeito da presente instrução normativa os empreendimentos ou atividades efetiva ou potencialmente causadora de impacto ou degradação do meio ambiente das Terras Indígenas, da cultura e dos povos indígenas são aquelas:

I - Localizadas em Terras Indígenas;

II - Listadas com tal pela Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997 , destacando-se:

a) Os aproveitamentos de recursos hídricos, inclusive os potenciais energéticos, hidrovias, fontes de lazer, irrigação, os utilizados para escoamento final de produção industrial, agrícola e exploração pesqueira nas bacias hidrográficas cujas Terras Indígenas estão localizadas;

b) estradas de rodagem e acesso, que cortam ou estão localizadas no entorno das Terras Indígenas e aquelas utilizadas pelos povos indígenas;

c) mineração nas Terras Indígenas e entorno, em qualquer situação (em escala industrial ou não);

d) Transmissão de energia (dutos e linhas de transmissão);

e) Atividades de turismo e lazer.

Art. 3º A FUNAI deverá ter como princípios na análise dos procedimentos de licenciamento ambiental a que se refere esta instrução normativa:

I - a precaução pela sociobiodiversidade;

II - a autonomia dos povos indígenas;

III - o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições;

IV - os direitos originários sobre as terras que os índios tradicionalmente ocupam;

V - o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas Terras Indígenas;

VI - a inalienabilidade, indisponibilidade das Terras Indígenas e imprescritibilidade dos direitos sobre elas;

VII - a vedação da remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo nas hipóteses previstas constitucionalmente;

VIII - a participação livre dos povos indígenas interessados, mediante procedimentos apropriados, respeitando suas tradições e instituições representativas;

IX - a cooperação com os povos indígenas; e

X - a prevenção, mitigação e compensação dos impactos ambientais e sócio-culturais.

Art. 4º À Coordenação-Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente, CGPIMA/FUNAI, é atribuída a responsabilidade pelo acompanhamento dos empreendimentos e atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente das Terras Indígenas, da cultura e dos povos indígenas, conforme Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997 , e o respectivo procedimento de licenciamento ambiental.

§ 1º Qualquer documento recebido pelas Administrações Executivas Regionais, Núcleos de Apoio Local ou Posto Indígena sobre licenciamento ambiental deverá ser imediatamente encaminhado à CGPIMA.

§ 2º A Diretoria de Assuntos Fundiários/FUNAI deverá encaminhar à Diretoria de Assistência, que por sua vez encaminhará à CGPIMA, as solicitações de atestados administrativos ou outros requerimentos cuja finalidade seja a instauração de empreendimentos ou atividades de que trate o art. 2º desta Instrução.

§ 3º A CGPIMA deverá receber petições e solicitações de acompanhamento de empreendimentos ou atividades potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente das Terras Indígenas, da cultura e dos povos indígenas de:

a) comunidades indígenas;

b) organizações indígenas;

c) organizações constituídas legalmente no Brasil cujo objetivo social tenha pertinência com a defesa dos povos indígenas ou a proteção do meio ambiente.

d) Órgãos licenciadores;

e) Ministério Público Federal; e

f) Demais interessados.

Art. 5º Recebida comunicação ou solicitação de acompanhamento de obra ou atividade de que trata a presente Instrução, a CGPIMA fará o processamento de admissibilidade, pelo qual será constatada a correspondência com os critérios elencados no art. 2º e a natureza do impacto ambiental e social, ainda que preliminarmente.

Art. 6º Compete ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, de acordo com o art. 4º da Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997 , o licenciamento de empreendimentos ou atividades com impacto ambiental e sócio-cultural em Terras Indígenas.

Art. 7º Entendendo a FUNAI que a obra ou atividade analisada é potencialmente causadora de degradação do meio ambiente das Terras Indígenas, cultura e populações indígenas, deverá ser requerida a imediata transferência do procedimento de licenciamento instaurado nos órgãos licenciadores ambientais estaduais e municipais ao Ibama.

Art. 8º A FUNAI, por solicitação do órgão licenciador, deverá participar do processo de licenciamento ambiental desde seu início, a partir do cadastro do projeto de empreendimento ou atividade a ser licenciada.

Art. 9º A FUNAI deve agir em colaboração e parceria com os órgãos licenciadores e responsáveis pelo componente indígena em todas as fases do processo de licenciamento ambiental.

Art. 10. A CGPIMA informará às comunidades indígenas potencialmente afetadas, diretamente ou através das Unidades Locais da FUNAI e às administrações executivas regionais responsáveis a instauração de procedimento interno de acompanhamento de processo de licenciamento ambiental.

Art. 11. Analisados os documentos do processo de licenciamento a CGPIMA, com o apoio e colaboração das Unidades Locais da FUNAI, elaborará, com a participação das comunidades indígenas potencialmente afetadas, Termo de Referência para elaboração do componente indígena do Estudo de Impacto Ambiental.

Art. 12. O Termo de Referência deve necessariamente prever:

I - os possíveis impactos ambientais e sociais do empreendimento, bem como a relação dos povos potencialmente afetados com a obra;

II - os impactos causados por outros empreendimentos que surgem em decorrência do efeito multiplicador do empreendimento estudado;

III - a contextualização da área de influência do empreendimento, com relação às terras e povos indígenas, baseada nas particularidades técnicas das obras, dos povos potencialmente afetados e do contexto ambiental e regional;

IV - a participação efetiva das comunidades indígenas em todo o processo de levantamento de dados, reflexão e discussão dos impactos;

V - as relações interétnicas e históricas entre os povos indígenas envolvidos e outros grupos sociais, analisando, de forma de dinâmica as relações dinâmicas entre esses grupos sócio-econômicos ao longo do tempo, de forma a estabelecer tendências e cenários;

VI - a garantia de que os conhecimentos e práticas tradicionais e conhecimento imaterial dos povos indígenas sejam incluídos no processo de avaliação dos impactos ambientais e sócio-culturais, respeitando seus direitos sobre o território, o uso sustentável dos recursos naturais e a necessidade de se proteger e salvaguardar as práticas tradicionais.

Art. 13. A equipe que realizará os estudos de impacto ambiental deverá ser apresentada à CGPIMA e às comunidades indígenas potencialmente afetadas, podendo ser recusadas fundamentadamente.

§ 1º A CGPIMA fará um cadastro de técnicos e instituições que estarão credenciados a realizar os estudos do componente indígena.

§ 2º Poderão se cadastrar pessoas físicas ou jurídicas que se dediquem à prestação de serviços de consultoria sobre problemas ecológicos, ambientais e indígenas, bem como a elaboração do projeto, fabricação, comercialização, instalação ou manutenção de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras.

Art. 14. A CGPIMA acompanhará, diretamente ou através das Unidades Locais da FUNAI, a realização dos estudos junto às comunidades potencialmente afetadas.

Art. 15. A equipe que realizará os estudos de impacto ambiental não poderá utilizar os conhecimentos e práticas tradicionais e os conhecimentos da biodiversidade e imateriais dos povos indígenas estudados para outros fins que não de análise dos possíveis impactos ambientais, sociais e culturais.

Parágrafo único. A utilização dos conhecimentos e práticas tradicionais e os conhecimentos imateriais dos povos indígenas estudados em finalidade diversa da regulamentada na presente Instrução deverá seguir as normas e procedimentos legais.

Art. 16. O empreendedor deverá apresentar o componente indígena do EIA à CGPIMA, que o encaminhará às comunidade indígenas afetadas para considerações e manifestação.

Parágrafo único. Às comunidades indígenas afetadas serão encaminhados o componente indígena em sua versão integral e um Relatório em linguagem acessível.

Art. 17. A FUNAI, após a análise do componente indígena e ouvidas as comunidades indígenas, decidirá:

a) Considerar insatisfatório, justificadamente, solicitando novo estudo;

b) Solicitar complementação dos estudos;

c) Aprovar os estudos.

Art. 18. A CGPIMA poderá solicitar a análise do componente indígena por outras coordenações diretamente envolvidas.

Art. 19. A FUNAI poderá contratar especialistas de notório saber para auxiliar a análise do componente indígena.

Art. 20. A FUNAI se manifestará conclusivamente, após a necessária manifestação das comunidades potencialmente afetadas, através de análise técnica encaminhada oficialmente aos órgãos licenciadores.

Parágrafo único. Nos casos em que índios isolados sejam potencialmente afetados a Coordenação-geral de Índios Isolados deverá necessariamente se manifestar.

Art. 21. Correrão por conta do empreendedor todas as despesas relacionadas à análise do componente indígena, dentre elas:

I - Vistorias;

II - Deslocamentos dos servidores e dos indígenas;

III - Diárias;

IV - Reuniões e audiências públicas;

V - Fortalecimento institucional;

VI - Despesas eventuais.

§ 1º A estimativa de despesas deverá ser apresentada pela FUNAI ao empreendedor no início do procedimento, que recolherá os valores através da Renda do Patrimônio Indígena para início da análise.

§ 2º A análise do componente indígena terá início até quinze dias após do depósito do valor, podendo ser prorrogado a critério da FUNAI.

Art. 22. Os atestados administrativos e certidões emitidas pela FUNAI não poderão ser considerados para fins de licenciamento ambiental, devendo constar em seu conteúdo ressalva nesse sentido.

Art. 23. Em complementação a presente instrução normativa fica instituído o Manual de Procedimentos da FUNAI para os Processos de Licenciamento Ambiental.

§ 1º O Manual de deverá ser constantemente atualizado pela Coordenação-Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente.

§ 2º O Manual deverá ser divulgado através da internet e de sua distribuição aos interessados.

Art. 24. Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Ficam revogadas todas as disposições em contrário.

MÉRCIO PEREIRA GOMES"