Instrução CVM nº 346 DE 29/09/2000

Norma Federal - Publicado no DO em 03 out 2000

Dispõe sobre a contabilização e a divulgação de informações, pelas companhias abertas, dos efeitos decorrentes da adesão ao Programa de Recuperação Fiscal - REFIS.

(Revogado pela Resolução CVM Nº 2 DE 06/08/2020, efeitos a partir de 01/09/2020):

O Presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM torna público que o Colegiado, em reunião realizada nesta data, com fundamento no disposto nos incisos I, II e IV do artigo 22 da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, e no § 3º do artigo 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, resolveu baixar a seguinte Instrução:

Art. 1º As companhias abertas que aderiram ao Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, aprovado pela Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, devem contabilizar os efeitos decorrentes dessa adesão da seguinte forma:

I - devem ser registrados em conta destacada do resultado do exercício, que revele a sua natureza, e apresentados como item extraordinário os seguintes itens:

a) os ajustes decorrentes das diferenças de alíquotas adotadas para determinação do montante dos prejuízos fiscais e da base negativa de contribuição social utilizado para liquidação de juros ou multas;

b) os montantes decorrentes de créditos tributários anteriormente não reconhecidos;

c) as diferenças entre o valor pago e o valor de utilização dos créditos adquiridos de terceiros e as diferenças entre o valor contábil e o valor de venda dos créditos a terceiros; e

d) os ajustes decorrentes da consolidação e reconhecimento dos débitos, inclusive em razão da desistência de processos judiciais em curso.

II - o montante da dívida consolidada, sujeita à liquidação com base em percentual da receita bruta, poderá ser registrado pelo seu valor presente, quando relevante e desde que:

a) seja demonstrado que a companhia possui capacidade operacional para geração, em bases contínuas, de receitas e de fluxos positivos de caixa, em montante suficiente para o cumprimento das suas obrigações perante ao REFIS;

b) as projeções, prazos, taxas, montantes e demais premissas utilizadas para determinação do valor presente sejam aprovados pelo Conselho de Administração e submetidos à apreciação dos auditores independentes; e

c) seja utilizada, para desconto, taxa de juros reais compatível com a natureza, o prazo e os riscos relacionados à dívida.

III - por caracterizar ganho cuja realização depende de eventos futuros incertos, a contrapartida do ajuste a valor presente referido no inciso II deve ser registrada como Receita Diferida e apresentada, de forma destacada, no grupo do Exigível a Longo Prazo.

IV - a receita referida no inciso III deve ser reconhecida no resultado do exercício, no grupo operacional, na proporção e nos prazos em que a dívida for sendo liquidada.

Art. 2º As projeções realizadas para determinação do ajuste a valor presente devem ser revisadas, no mínimo, anualmente ou quando houver alteração relevante nas premissas utilizadas.

Art. 3º Sem prejuízo do disposto na Instrução CVM nº 31, de 08 de fevereiro de 1984, as companhias abertas deverão divulgar, relativamente aos exercícios sociais em que permaneçam no programa REFIS, em nota explicativa às suas demonstrações contábeis e informações trimestrais, as seguintes informações:

a) o montante das dívidas incluídas no REFIS, segregado por tipo de tributo e natureza (principal, multas e juros);

b) o valor presente das dívidas sujeitas à liquidação com base na receita bruta, bem como os valores, prazos, taxas e demais premissas utilizadas para determinação desse valor presente;

c) o montante dos créditos fiscais, incluindo aqueles decorrentes de prejuízos fiscais e de bases negativas de contribuição social, utilizado para liquidação de juros e multas;

d) o montante pago no período para amortização das dívidas sujeitas à liquidação com base na receita bruta;

e) o detalhamento dos itens referidos no inciso I do artigo 1º;

f) as garantias prestadas ou bens arrolados e respectivos montantes;

g) a menção sobre a obrigatoriedade do pagamento regular dos impostos, contribuições e demais obrigações como condição essencial para a manutenção das condições de pagamento previstas no REFIS; e

h) todo e qualquer risco iminente associado a perda do regime especial de pagamento.

Art. 4º As projeções realizadas para determinação do ajuste a valor presente devem ser inseridas no Quadro de Outras Informações Relevantes do Formulário IAN - Informações Anuais, e o acompanhamento e as revisões referidas no artigo 2º devem ser inseridas no Quadro Acompanhamento das Projeções Empresariais do Formulário ITR - Informações Trimestrais.

Art. 5º A contabilização dos efeitos decorrentes da adesão ao Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, referido no artigo 1º, deve ser efetuada no trimestre em que a adesão for formalizada, devendo ser objeto de inserção no Formulário ITR - Informações Trimestrais e divulgação de Aviso de Fato Relevante, nos termos da Instrução CVM nº 31/84.

Art. 6º Esta Instrução entra em vigor na data da sua publicação no Diário Oficial da União.

JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO

ANEXO

Ref.: Instrução CVM nº 346, de 29 de setembro de 2000, que dispõe sobre a contabilização e a divulgação de informações, pelas companhias abertas, dos efeitos decorrentes da adesão ao Programa de Recuperação Fiscal - REFIS.

O Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, aprovado pela Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, veio permitir às empresas a oportunidade de regularizar, mediante um sistema especial de pagamento e de parcelamento, as suas obrigações fiscais e previdenciárias existentes até 29 de fevereiro de 2000.

2. Por outro lado, a adesão a esse Programa tem implicações importantes na vida dessas empresas, com reflexos no perfil das suas dívidas e nas condições de acesso às diversas fontes de financiamento. Dentre as características e implicações mais relevantes, destacamos:

a) consolidação e confissão irretratável de todos os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, com abdicação de processos judiciais em curso;

b) possibilidade de pagamento da dívida consolidada com base em percentual da receita bruta mensal ou com parcelamento em até sessenta meses;

c) possibilidade de liquidação dos valores correspondentes a juros e multas de mora ou de ofício, mediante utilização de créditos, próprios ou de terceiros, relativos a tributo ou contribuição no âmbito do REFIS e mediante utilização de prejuízos fiscais e bases negativas de contribuição social, próprios ou de terceiros;

d) prestação de garantia ou, a critério da empresa, arrolamento dos bens integrantes do seu patrimônio; e

e) regularidade no pagamento do REFIS e demais tributos e contribuições federais e no cumprimento das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e para com o Imposto Territorial Rural - ITR.

ASPECTOS CONTÁBEIS

3. A Lei nº 9.964/2000 possibilita a liquidação dos valores correspondentes a juros e multas de mora ou de ofício, mediante a utilização de créditos próprios ou de terceiros, relativos a tributos e contribuições incluídos no âmbito do REFIS e mediante a utilização de prejuízos fiscais e bases negativas de contribuição social, também próprios ou de terceiros, com base nas alíquotas de quinze por cento e oito por cento, respectivamente. Em decorrência, poderão surgir ajustes em função das alíquotas que foram originalmente utilizadas para contabilização de ativos fiscais diferidos, bem como em função da contabilização de ativos fiscais diferidos que não vinham sendo reconhecidos.

4. Por outro lado, a adesão ao REFIS implica, ainda, a apuração e confissão irretratável e irrevogável de todos os débitos consolidados, incluindo processos judiciais em curso. Em conseqüência, poderão surgir também diferenças entre os saldos consolidados e os valores que estavam registrados na contabilidade. Além disso, em decorrência da possibilidade de utilização de créditos tributários, prejuízos fiscais e base negativa de contribuição social de terceiros, poderão surgir diferenças entre o valor de aquisição e o valor de utilização desses créditos e, também, entre o valor contábil e o valor de venda a terceiros.

5. Esses ajustes e diferenças, devido à sua natureza inusitada e por apresentarem características de não recorrência, devem ser apresentados na demonstração do resultado do exercício como um item extraordinário (artigo 1º, inciso I). Deve ser destacado, ainda, que por não se tratar de mudança de critério contábil nem de correção de erro involuntário do passado, as eventuais diferenças surgidas no processo de adesão ao REFIS, em observância ao disposto no § 1º do artigo 186 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não podem ser tratadas como ajustes de exercícios anteriores.

6. Relativamente à possibilidade de reconhecimento contábil da dívida incluída no REFIS ao seu valor presente, cabe esclarecer que:

a) Passivos monetários são obrigações que, normalmente, envolvem o pagamento de quantias predeterminadas, baseadas em contrato, acordo ou declaração. Conceitualmente, a avaliação corrente de um passivo monetário, assim como de um ativo monetário, é o valor presente das quantias a serem pagas (ou recebidas) no futuro. Se um passivo puder efetivamente ser liquidado por mais de uma alternativa, o seu valor corrente será o valor presente da menor dessas alternativas. Normalmente, no caso de passivos circulantes, a magnitude do desconto tende a não ser significativo, permitindo a sua apresentação pelo valor de face, ou seja, pelo valor a ser pago no vencimento. Entretanto, o mesmo não ocorre com passivos (e ativos) de longo prazo, podendo ser o seu valor presente extremamente relevante.

b) Embora a argumentação teórica possa ser considerada bastante sólida, existem diversas dificuldades de ordem prática associadas a essa questão, como a escolha da taxa e do prazo para desconto, que têm levado os reguladores, inclusive em âmbito internacional, a não aceitarem, ainda, a sua utilização generalizada. A própria CVM, ao emitir a Deliberação CVM nº 273, de 20 de agosto de 1998 sobre a Contabilização do Imposto de Renda e Contribuição Social, em linha com as normas internacionais, não determinou que os ativos e passivos fiscais fossem descontados a valor presente. Cabe ressaltar que no caso do REFIS ainda existem dois componentes adicionais de incerteza, que são: os montantes do faturamento futuro, que tem implicação direta no prazo para liquidação da dívida, e o risco da inadimplência ou do não cumprimento das condições do REFIS, que elimina a possibilidade de liquidação nas condições utilizadas no cálculo do valor presente.

c) A convenção do Conservadorismo (também denominada princípio da Prudência) estipula que entre conjuntos alternativos de avaliação para o patrimônio igualmente válidos, a Contabilidade escolherá o que apresentar o menor valor atual para o ativo e o maior para as obrigações. Esse entendimento, evidentemente, não deve ser confundido nem desvirtuado com os efeitos da manipulação de resultados contábeis, mas encarado à luz da vocação de resguardo, cuidado e neutralidade que a Contabilidade precisa ter, mormente perante os excessos de entusiasmo e de valorização por parte da administração e dos proprietários da entidade (ver item 6.3 do pronunciamento anexo à Deliberação CVM nº 29, de 05 de fevereiro de 1986).

d) Pela convenção do Conservadorismo ou da Prudência, as contingências ativas ou os ganhos contingentes não devem ser registrados, somente quando estiver efetivamente assegurada a sua obtenção ou recuperação é que devem ser reconhecidos contabilmente. Contingência é uma condição ou situação cujo resultado final, favorável ou desfavorável, somente será confirmado caso ocorram, ou não ocorram, um ou mais eventos futuros incertos. A incerteza quanto aos eventos futuros pode ser expressa por uma variedade de desfechos que, embora sejam estatisticamente quantificáveis, pode, em muitas circunstâncias, não refletir um grau de precisão adequado, considerando-se as informações disponíveis. Nesse sentido, uma possível redução da dívida incluída no REFIS, em função do seu valor presente, pelas condições de incerteza envolvendo esse ganho, pode caracterizar um ganho contingente.

e) Além disso, a convenção da Objetividade estabelece que "para procedimentos igualmente relevantes, resultantes da aplicação dos Princípios, preferir-se-ão, em ordem decrescente: a) os que puderem ser comprovados por documentos e critérios objetivos; b) os que puderem ser corroborados por consenso de pessoas qualificadas da profissão, reunidas em comitês de pesquisa ou em entidades que têm autoridade sobre princípios contábeis" (item 6.1 da referida Deliberação CVM nº 29/86). A CVM, tendo discutido essa matéria em fóruns qualificados, concluiu que esses dois requisitos não estão sendo plenamente atendidos.

f) Nas demonstrações contábeis elaboradas na forma da legislação societária, o ajuste a valor presente de ativos e passivos não é uma prática contábil de utilização generalizada. No entanto, ele se constitui em procedimento adicional, aplicável a todos os ativos e passivos monetários nas demonstrações elaboradas em moeda de capacidade aquisitiva constante. Além disso, o Parecer de Orientação CVM nº 27, de 27 de janeiro de 1994 manifesta o entendimento de que não existe vedação na lei societária para adoção do ajuste a valor presente, devendo, no entanto, a sua aplicação ser feita de maneira uniforme, abrangendo todos os itens de ativo e de passivo, sujeitos a esse ajuste.

7. Portanto, considerando os aspectos acima referidos, a CVM entendeu que não deveria vedar a adoção do conceito do ajuste a valor presente, desde que a companhia aberta evidencie possuir condições para o cumprimento de todas as obrigações previstas no Programa. Dessa forma, o inciso II do artigo 1º estabelece que a companhia deverá apresentar o montante do seu passivo fiscal pelo seu valor possível de realização (valor presente). Entretanto, dadas as condições e restrições impostas pelo Programa, e tendo em vista que os reflexos econômicos positivos decorrentes da adesão não se processam necessariamente a curto prazo, não é prudente o reconhecimento imediato e integral de um ganho em virtude da possibilidade de redução da dívida ao seu valor presente. Nesse caso, para atendimento das convenções do Conservadorismo e da Objetividade, a Instrução estabelece um critério mais prudente de reconhecimento desses ganhos. De acordo com os incisos III e IV do artigo 1º, esses ganhos deverão ser diferidos, para reconhecimento no resultado do exercício à medida em que a companhia estiver gerando os recursos necessários para liquidação da dívida e cumprindo todas as obrigações assumidas ao aderir ao REFIS.

8. A Instrução CVM nº 31, de 08 de fevereiro de 1984 obriga a divulgação de qualquer ato ou fato relevante de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro que possa influir de modo ponderável: i) na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta; ii) na decisão dos investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ou iii) na determinação de os investidores exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia.

9. Além disso, a lei societária e as normas desta CVM determinam que as demonstrações contábeis, inclusive as informações trimestrais, devem ser divulgadas acompanhadas de nota explicativa ou quadro demonstrativo necessários para o esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício. A Deliberação CVM nº 29/86 esclarece que o objetivo principal da Contabilidade é "permitir, a cada grupo principal de usuários, a avaliação da situação econômica e financeira da entidade, num sentido estático, bem como fazer inferências sobre suas tendências futuras" e que esse objetivo deve ser aderente, de alguma forma explícita ou implícita, àquilo que o usuário considera como elementos importantes para seu processo decisório. Menciona, ainda que, "para a consecução desse objetivo, é preciso as empresas dar ênfase à evidenciação de todas as informações que permitem não só a avaliação da sua situação patrimonial e das mutações desse patrimônio mas, além disso, que possibilitem a realização de inferências sobre o seu futuro".

10. Portanto, o adequado atendimento às normas acima referidas implica a revelação de todos os efeitos presentes e futuros decorrentes da adesão ao Programa de Recuperação Fiscal. O artigo 2º estabelece uma relação mínima dos itens que devem ser divulgados juntamente com as demonstrações contábeis e informações trimestrais. Ressaltamos, no entanto, que, para atendimento à Instrução CVM nº 31/84 cumpre aos administradores da companhia aberta comunicar, imediatamente, à CVM e ao mercado qualquer ato ou o fato relevante ocorrido em relação ao REFIS.