Consulta de Contribuinte nº 71 DE 02/05/2023
Norma Estadual - Minas Gerais - Publicado no DOE em 02 mai 2023
ICMS – LEITE IN NATURA – TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITO – EMISSÃO INTEMPESTIVA DO DOCUMENTO FISCAL – Caso a nota fiscal prevista no § 1º do art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002 não seja emitida no prazo estabelecido em seu § 2º, para sanar a irregularidade o contribuinte deverá promover denúncia espontânea, consoante disposto no Capítulo XV do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), estabelecido pelo Decreto nº 44.747/2008, sob pena de, não o fazendo, se aplicar as penalidades previstas na Lei nº 6.763/1975.
EXPOSIÇÃO:
A Consulente apura o ICMS pela sistemática de débito e crédito e tem como atividade econômica principal informada no cadastro estadual a fabricação de laticínios (CNAE 1052-0/00).
Informa que o estabelecimento objeto da consulta é filial de um estabelecimento matriz localizado na zona rural, o qual opera como laticínio e nessa condição é fabricante de diversos derivados do leite.
Informa, ainda, que foi constituída com a finalidade básica de melhorar a logística da recepção e distribuição do leite in natura, operando unicamente como posto de recepção, resfriamento e distribuição do leite, tendo por destinatário principal o seu estabelecimento industrial matriz e, eventualmente, conforme melhor oportunidade do mercado, promove a revenda de parte desse mesmo leite in natura, destinando-o para outros estabelecimentos industriais localizados no Estado, para posterior industrialização.
Esclarece que referido estabelecimento filial vai recebendo leite in natura, adquirido/remetido pelos diversos produtores rurais e revendendo parte desse leite in natura para outros laticínios no transcurso de cada mês.
Explica que, para as operações de revenda do leite in natura, a granel, para fins de acompanhamento e transporte do produto, informa que são emitidas notas fiscais com diferimento do pagamento do ICMS, nos termos do art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002.
Explica ainda que, quando essas operações de revenda/remessa do leite acontecem, o preço a ser pago pelo produto ao produtor rural (base de cálculo para o creditamento) ainda não é conhecido, pois esse valor a ser pago pelo leite, que é determinado pelo mercado, notadamente pelos grandes compradores, somente será conhecido em torno dos dias 10, 12 do mês seguinte, quando então são emitidas as notas fiscais de entrada para fins de acobertamento do estoque e creditamento do ICMS, a partir das informações constantes do mapa de recebimento de leite.
Relata que, para fins de viabilizar o aproveitamento do crédito por parte do adquirente dentro do mês de ocorrência da operação, já vinha emitindo a nota fiscal de remessa do crédito para o laticínio comprador, por valor de venda estimado, ou no último dia de cada mês ou logo no início do mês seguinte, tendo em vista que o § 2º do art. 488 mencionado estabelece até o dia 15 do mês seguinte para tal providência.
Menciona que o que se pôde constatar na prática foi que, via de regra, o valor tomado como base de cálculo para fins da transferência do crédito para o industrial adquirente do leite in natura era quase sempre “menor” que o preço real praticado e posteriormente conhecido, utilizado para remunerar o produtor e também referenciado para definir a base de cálculo do ICMS a ser apropriado pelas entradas, ou seja, em uma boa parte das operações realizadas, o valor do crédito transferido e relativo à litragem do leite in natura revendido ficou menor que o valor do crédito do mesmo leite apropriado pelas entradas.
Ressalta que, como consequência, o estabelecimento consulente passou a acumular, mês a mês, um saldo credor indevido de ICMS.
Noticia que, em fevereiro de 2022, foi alertado pela contabilidade e indagado quanto à natureza desse crédito acumulado e que, com o alerta, foi feito um levantamento das operações com o objetivo de se identificar a causa, chegando-se à conclusão acima relatada, ou seja, o valor do crédito transferido havia sido inferior ao valor do crédito apropriado na entrada.
Aduz ainda que, constatado o equívoco no preço praticado nas operações de transferência dos créditos vinculadas ao leite anteriormente remetido com diferimento, foi feito um levantamento detalhado das operações pregressas, identificadas as operações e cada destinatário, apurada a diferença transferida a menor mês a mês e emitidas as notas fiscais complementares correspondentes em março de 2022, fazendo-se menção às notas fiscais anteriormente emitidas com o valor de transferência a menor.
Considera que com essa providência o saldo credor do ICMS do estabelecimento consulente foi restabelecido aos valores corretos, e os créditos do ICMS relativos à revenda do leite, até então retidos, foram devidamente encaminhados a quem de direito dentro da cadeia produtiva, acompanhando o produto, tal como estabelecido pela legislação e nos termos da política estadual de incentivo à pecuária leiteira.
Alega que transcorrido já algum tempo da providência tomada (março de 2022) de se emitir as mencionadas notas fiscais complementares, mesmo que extemporaneamente, surgiu dúvida com relação à correção desse procedimento e se ele poderia ter sido realizado tal como acontecido. Isso em razão da situação prevista pelo art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002 e, em especial, quanto à exceção e sanção de que trata o seu § 3º.
Expõe que a dúvida, no caso, reside em entender se o comando manifestado pelo art. 14 em seu § 3º deve ser aplicado ou não à situação narrada, consistente no fato de que as notas fiscais complementares emitidas para fins de regularização da transferência do crédito do leite foram emitidas após o prazo de até 15 dias do mês subsequente ao da saída da mercadoria estabelecido pelo art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002.
Manifesta-se no sentido de que, buscando entender preliminarmente a questão e para uma melhor compreensão do alcance do comando do art. 14 referido, ter-se-ia, de princípio, que o artigo em questão busca dar tratamento para algumas situações em que a nota fiscal deva também ser emitida e, em seu § 3º, prevê penalização caso essa mesma nota fiscal seja emitida fora do período de apuração.
Complementa a manifestação acima no sentido de que, já no caput do artigo temos a informação de que “a nota fiscal será também emitida nas hipóteses mencionadas e nos demais casos em que houver lançamento do imposto”.
Ainda em complemento a seu entendimento, considera que, partindo-se para uma análise específica do inciso III e § 3º, ambos do art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002, o texto do inciso trata de “período de apuração do imposto”, com o claro propósito de cuidar de situações em que o imposto deveria ter sido apurado pelo regime do débito e crédito e não o foi, impondo como consequência, o apenamento pela via do recolhimento da diferença do imposto em DAE distinto.
Manifesta-se no sentido de que o propósito do § 3º do art. 14 aludido afasta o princípio da não cumulatividade e exige do contribuinte que tenha incorrido em tal situação o recolhimento em separado do imposto não apurado no período próprio, em decorrência de um fato gerador efetivamente acontecido, de maneira que se a NF foi emitida dentro do período de apuração, nos termos do caput, faz-se o débito e crédito normal e, verificado saldo devedor, recolhe-se no prazo próprio.
Considera, ainda, que para a nota fiscal emitida fora desse período de apuração fica excluída a sistemática do débito e crédito e recolhe-se o imposto correspondente em DAE distinto, sendo essa a regra posta e ela se baseia na lógica de que o contribuinte “tira ou poderia tirar proveito” da emissão intempestiva, vez que com isso postergaria a data do recolhimento do imposto em caso de apuração de saldo devedor.
Entende que, para o caso concreto, tal como acontecido e narrado pela consulente, tem-se que a obrigação da emissão da nota fiscal decorre do dispositivo contido no art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002.
Diz que, conforme informado, temos que as notas fiscais de transferência dos créditos do leite foram emitidas dentro do prazo estabelecido, porém com valor de crédito de ICMS transferido a menor.
Diz ainda que, no caso, estamos tratando das notas fiscais complementares de transferência de créditos de ICMS emitidas em março de 2022, em razão da diferença de valor (base de cálculo) atribuído para o leite na operação de transferência do crédito e o preço efetivamente praticado na operação de compra junto ao produtor e que ensejou o creditamento do mesmo ICMS.
Infere que, nessa situação, a tipificação estabelecida pelo art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002 aparentemente não encontra respaldo no fato concreto ora abordado, de que trata o art. 488 mencionado.
Complementa seu raciocínio no sentido de que, enquanto o art. 14 e seu inciso III e § 3º dispõem em lançamento do imposto, período de apuração do imposto e consequente aplicação da sistemática do D/C, temos que o art. 488 trata da transferência de crédito de imposto – apropriado por ocasião do recebimento do leite – com o simples propósito de, cumprindo as diretrizes do programa de incentivo à pecuária leiteira, fazer com que o crédito correspondente siga junto com a mercadoria remetida para um outro industrializador.
Entende que, pela sistemática estabelecida, temos que o valor do imposto não será calculado e não será informado no campo próprio da apuração da nota e sim lançado no campo valor total da nota, meramente como informativo.
Reafirma que, enquanto o propósito do § 3º do art. 14 é o de exigir do contribuinte o recolhimento em separado do imposto não apurado no período próprio, em decorrência de um fato gerador efetivamente acontecido, o propósito do art. 488 é o de que se transfira o mesmo crédito apropriado por ocasião da entrada do leite juntamente com o produto, quando remetido para um outro industrial mineiro, em um contexto em que não se apura imposto pelo regime do débito e crédito, sem possibilidade portanto de se apurar diferença de imposto a que se refere o § 3º para essa operação, uma vez que credita-se pela entrada do leite e debita-se, igualmente, pelo mesmo valor, pela operação de saída do mesmo leite.
Conclui que a situação de que trata o art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002 não contempla o comando de emissão da nota fiscal para fins de remessa do crédito de que trata o art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002, vez que este não cuida de lançamento e não depende de apuração do imposto.
Com dúvida sobre a interpretação da legislação tributária, formula a presente consulta.
CONSULTA:
1 – A nota fiscal para fins de transferência de crédito de ICMS decorrente de operação de saída de leite cru para industrialização no Estado de que trata o § 2º do art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002 poderá, eventualmente, ser emitida após o prazo de até 15 dias do mês subsequente ao da saída da mercadoria?
2 – A nota fiscal complementar que eventualmente se faça necessária à operação de transferência do crédito de ICMS de que trata a pergunta anterior poderá ser emitida após o mês subsequente ao da saída da mercadoria?
3 – Sendo afirmativas as respostas para as questões 1 e 2, far-se-á necessário comunicar o fato ao fisco?
4 – É procedente o entendimento de que a emissão de nota fiscal complementar à nota fiscal de que trata o art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002 e seu § 2º, caso ocorra após o mês subsequente ao da saída do produto estará sujeita às regras do art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002 e, portanto, à sanção de que trata o seu § 3° que obriga ao recolhimento da diferença de imposto em DAE distinto?
resposta:
1 a 4 – A nota fiscal de que trata o § 1º do art. 488 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002 possui finalidade específica de transferência de crédito relativo à aquisição do leite em estado natural, e não se confunde com a emissão de notas fiscais emitidas para acobertamento da operação com a mercadoria e/ou para lançamento de imposto, a qual se reporta o disposto no art. 14 da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002.
Caso a referida nota fiscal não seja emitida no prazo estabelecido no § 2º do art. 488 mencionado, para sanar a irregularidade o contribuinte deverá promover denúncia espontânea, consoante disposto no Capítulo XV do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), estabelecido pelo Decreto nº 44.747/2008, sob pena de, não o fazendo, se aplicar as penalidades previstas na Lei nº 6.763/1975.
Por fim, se da solução dada à presente consulta resultar imposto a pagar, este poderá ser recolhido sem a incidência de penalidades, observando-se o prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que a Consulente tiver ciência da resposta, desde que o prazo normal para seu pagamento tenha vencido posteriormente à protocolização desta Consulta, observado o disposto no art. 42 do RPTA.
DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 2 de maio de 2023.
Alípio Pereira da Silva Filho |
Ricardo Wagner Lucas Cardoso |
De acordo.
Ricardo Luiz Oliveira de Souza
Diretor de Orientação e Legislação Tributária
De acordo.
Marcelo Hipólito Rodrigues
Superintendente de Tributação