Consulta de Contribuinte nº 121 DE 31/07/2019
Norma Estadual - Minas Gerais - Publicado no DOE em 31 jul 2019
Rep. - ICMS - INCIDÊNCIA - MATA EM PÉ - As operações envolvendo árvores destinadas ao corte (mata em pé) se encontram inseridas no âmbito de incidência do ICMS, tendo em vista tratar-se de bens móveis por antecipação, do que decorre a sua caracterização como mercadoria.
EXPOSIÇÃO:
A Consulente, com apuração de ICMS pelo regime de débito e crédito, tem como objeto social a fabricação de celulose e outras pastas para produção de papel, exploração de florestas plantadas, dentre outros.
Aduz que, eventualmente, vende florestas plantadas mediante instrumento particular de compra e venda de árvores em pé, cuja retirada, na época oportuna, fica sob responsabilidade do adquirente.
Afirma que, com base em seu entendimento da Consulta de Contribuinte 284/1993, não emite nota fiscal pelas razões abaixo:
- o objeto da venda é floresta plantada;
- floresta plantada é bem imóvel, não circula;
- na há transmissão de posse, não há como emitir nota fiscal de transferência do bem;
- existe a transferência de propriedade da floresta plantada, formalizada pelo instrumento contratual de compra e venda; e
- cabe ao comprador cumprir com o suporte fiscal para transporte da madeira (tora ou toretes resultantes do corte das árvores de sua propriedade).
Observa que a competência atribuída pela Constituição Federal ao Distrito Federal e aos Estados, para instituírem o ICMS, não contempla sua incidência sobre bens imóveis, como é o caso da mata em pé.
Com dúvidas sobre a legislação tributária, formula a presente consulta.
CONSULTA:
1 - Tendo em vista que o comprador emite nota fiscal para circulação de sua madeira, deveríamos também emitir uma nota fiscal referente venda da árvore em pé, mesmo considerando que a árvore não circula?
2 - Deve o comprador emitir nota fiscal de entrada da madeira transportada? Qual o CFOP deverá utilizar?
3 - A Consulente tem algum tipo de responsabilidade sobre a operação fiscal do comprador? Qual?
4 - Se a venda for feita para outro estado, o procedimento será o mesmo?
RESPOSTA:
Preliminarmente, deve-se buscar o conceito adequado do bem “mata em pé”, se imóvel ou móvel, pela relevância deste atributo nos desdobramentos conclusivos dos questionamentos propostos.
Dispõe o art. 79 do Código Civil, que “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.”
O art. 81 do Código Civil dispõe que não perdem o caráter de imóveis, as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local e os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
Por outro lado, o art. 82 do mesmo diploma legal dispõe que “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.
Segundo afirma o Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, Carlos Roberto Gonçalves, na página 248 do vol. I da 6ª edição de sua obra, Direito Civil Brasileiro - 2008, “as árvores e os frutos pendentes são bens imóveis por acessão natural e podem ainda ser bens imóveis por acessão artificial ou industrial, entretanto, se forem destinadas ao corte, serão consideradas bens móveis por antecipação”.
Quanto aos “bens móveis por antecipação” referenciados no parágrafo anterior, o autor aponta outros doutrinadores que compartilham igual entendimento, tais como Washington de Barros Monteiro, Caio Mário da Silva Pereira, Francisco Amaral e Silvio Rodrigues.
Assim, pode-se inferir do art. 82 do Código Civil e da pertinente doutrina, que os bens móveis podem ser semoventes, móveis por natureza, móveis propriamente ditos, móveis por determinação legal e móveis por antecipação.
Estes últimos são os que mais se prestam ao esclarecimento que se busca, sendo assim têm-se por esclarecedoras as palavras do Mestre da PUC/SP, Carlos Roberto Gonçalves, na pág. 253 da obra citada:
Móveis por antecipação - A doutrina refere-se, ainda, a esta terceira categoria de bens móveis. São bens incorporados ao solo, mas com a intenção de separá-los oportunamente e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte e os frutos ainda não colhidos. Observa-se, nesses casos, aos quais podem somar-se as safras não colhidas, a vontade humana atuando no sentido de mobilizar bens imóveis, em função da finalidade econômica. Podem ainda ser incluídos nessa categoria os imóveis que, por sua finalidade, são vendidos para fins de demolição.
Na mesma obra, o autor cita Agostinho Alvim: “as árvores e frutos só aderem ao imóvel, enquanto não sejam “objeto de negócio autônomo” (Comentários ao Código Civil, v. 1, p. 223, n. 4).
Com a mesma orientação, pode-se citar, dos trabalhos doutrinários, os autores Maria Helena Diniz, Fabrício Zamprogna Matiello e Ricardo Fiúza, entre outros.
Cita-se, para sólido esclarecimento, ementa do STJ, Agravo Regimental no AG nº. 174.406 SP (1998.0003457-9):
“Venda de safra futura. Bens móveis por antecipação. A venda de frutos, de molde a manifestar o intuito de separação do objeto da venda em relação ao solo a que se adere, impõe a consideração de que tais coisas tenham sido, antecipadamente mobilizadas”. (...). RELATOR: Ministro Eduardo Ribeiro.
Também, neste mesmo vetor e de forma conclusiva, têm-se as palavras de Nestor Duarte, em obra coordenada pelo Ministro Cezar Peluso, Código Civil Comentado (2009), 3ª edição, página 83, onde explica: “As árvores destinadas ao corte e os frutos que devem ser colhidos consideram-se móveis por antecipação, do que decorre a desnecessidade de outorga uxória e a incidência de imposto sobre circulação de mercadorias e não de transmissão de bens imóveis”.
Nesse contexto, a mata em pé está devidamente enquadrada no conceito de mercadoria disposto no inciso I do caput do art. 222 do RICMS/2002, tendo em vista que, desde sempre, é cultivada visando a sua exploração comercial, ou seja, comércio dos subprodutos resultantes de sua supressão, podendo ela própria ser objeto de revenda ou cessão de direitos de exploração a terceiros pelo adquirente originário.
Portanto, não se está tratando aqui de comercialização para fins de outras atividades voltadas à gestão de recursos ambientais, tais como manejo florestal sustentado (reservas legais), pecuária extensiva, fixação de populações florestais/rurais, manutenção da cobertura florestal, sustentabilidade de recursos florestais, etc., que estão inequivocamente fora do campo de incidência do ICMS.
Importa destacar que a comercialização da mata em pé não é anterior à cadeia de circulação econômica, pelo contrário, nela está inserida como uma de suas etapas e, como qualquer outra mercadoria, a sua venda com habitualidade e intuito comercial caracteriza o alienante como contribuinte do ICMS, nos termos do art. 4º da Lei Complementar nº 86/1996 c/c art. 14 da Lei nº 6.763/1975 c/c art. 55 do RICMS/2002.
Em suma, a mata em pé é mercadoria e a operação relativa à sua circulação econômica configura-se como fato gerador do ICMS previsto no inciso I do art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996 c/c item 1 do § 1º do art. 5º da Lei nº 6.763/1975 c/c inciso I do art. 1º do RICMS/2002.
Por se tratar de bem móvel por antecipação, ou seja, mesmo antes do corte e sua separação do solo, a mata em pé já assume a condição de bem móvel, considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da tradição simbólica da mata em pé decorrente da transferência de propriedade da mercadoria, nos termos do inciso VII do art. 3º do RICMS/2002.
Feitos esses esclarecimentos, responde-se aos questionamentos formulados.
1 - Sim. Tratando-se a mata em pé de mercadoria, a sua circulação econômica deverá ser acobertada por documento fiscal, conforme estabelecido no § 1º do art. 39 da Lei nº 6.763/1975 c/c inciso I do art. 1º da Parte 1 do Anexo V do RICMS/2002, a ser emitida pela Consulente.
Para tanto, a Consulente deverá observar a alíquota interna prevista na alínea “e” do inciso I ou a interestadual prevista no nas alíneas “b” e “c” do inciso II, todos do art. 42 do RICMS/2002, dependendo de qual será a unidade federada de destino, e considerar como base de cálculo o valor da operação, conforme previsto na alínea “a” do inciso IV do art. 43 do mesmo Regulamento.
Tratando-se de transferência interestadual para estabelecimento do mesmo titular localizado em outra unidade da Federação, a base de cálculo será a indicada na subalínea “b.3” do inciso IV do referido art. 43.
2 - As hipóteses de emissão de nota fiscal de entrada encontram-se arroladas no art. 20 do Anexo V do RICMS/2002, no âmbito das quais não se insere a situação objeto da presente consulta.
Como a posterior saída da madeira, também fato gerador do ICMS, é realizada pelo adquirente e, nos termos do art. 58 do RICMS/2002, o local onde se encontra a mata em pé é considerado seu estabelecimento, mesmo que em caráter temporário, deverá providenciar a sua inscrição no Cadastro de Contribuinte do ICMS.
Considerando que o adquirente é quem irá efetuar a exploração da atividade, ou seja, a extração da madeira ficará sob sua responsabilidade, estando, inclusive, obrigado a inscrever o estabelecimento no Cadastro de Contribuintes do ICMS, esta deverá emitir nota fiscal a cada operação de saída de madeira/lenha, ainda que para seu estabelecimento filial ou matriz.
Cabe ressaltar que o diferimento previsto no item 58 da Parte 1 do Anexo II do RICMS/2002, na redação vigente até 11/06/2019, alcança a saída de produtos decorrentes do corte da floresta plantada (lenha e madeira em toras) de estabelecimento de produtor rural com destino a estabelecimento industrial ou a estabelecimento produtor de carvão vegetal.
Saliente-se que, a partir de 12/06/2019, o diferimento referido está previsto no item 52 da Parte 1 do Anexo II do RICMS/2002.
Portanto, a referida técnica de tributação refere-se à saída interna de madeira e não à venda da mata em pé.
Dessa forma, a nota fiscal emitida na saída dos produtos decorrentes do corte da floresta plantada (lenha e madeira em toras) não conterá destaque do ICMS, em face da aplicação do diferimento previsto nos itens 58 ou 52, conforme a época, do Anexo II do RICMS/2002.
Se não for o caso de aplicação do diferimento, como, por exemplo, na hipótese de o adquirente não ser estabelecimento industrial ou produtor de carvão vegetal, a nota fiscal terá o destaque do imposto normalmente.
Cabe destacar que o produtor inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS poderá ser dispensado de inscrever estabelecimento localizado em imóvel de terceiro, no qual exerça a atividade rural em face de contrato firmado por prazo de até um ano, inclusive nos casos de parceria rural ou de aquisição de mata em pé, mediante regime especial concedido pelo diretor da Superintendência de Tributação, conforme previsto no parágrafo único do art. 98 do RICMS/2002.
3 - Não, uma vez que com a tradição simbólica da mata em pé decorrente da transferência de sua propriedade, a responsabilidade pelo imposto incidente nas operações subsequentes com a própria mata em pé e/ou com os subprodutos resultantes de sua supressão será do adquirente.
4 - Como não há previsão de benefício fiscal ou diferimento na hipótese, caso a Consulente venha a promover operação interestadual tendo como objeto a mata em pé ou os subprodutos resultantes de sua supressão, o imposto incidirá normalmente.
DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 31 de julho de 2019.
Nilson Moreira
Assessor
Divisão de Orientação Tributária
Ricardo Wagner Lucas Cardoso
Coordenador
Divisão de Orientação Tributária
De acordo.
Ricardo Luiz Oliveira de Souza
Diretor de Orientação e Legislação Tributária
De acordo.
Itamar Peixoto de Melo
Superintendente de Tributação em exercício
(*) Consulta reformulada para melhor elucidação da matéria nela versada.