Consulta nº 72 DE 29/10/2023

Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 29 out 2023

Aplicação e efeitos da publicação da Lei 10.061/2023.

I. RELATÓRIO

A Consulente informa que, "como concessionária de distribuição de gás natural no Estado do Rio de Janeiro, desenvolve esta atividade essencial a diversos segmentos da população fluminense. Neste contexto, destaca-se, inicialmente, a Lei Estadual nº. 9.721/2022, a qual reestabeleceu o benefício fiscal originalmente previsto na Lei nº. 3.266/1999, proibindo a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos – incluindo o fornecimento de gás natural - emitidas em face de determinadas entidades religiosas e filantrópicas".

Informa ainda que "para cumprir adequadamente o regime de não tributação do ICMS, nos moldes da Lei nº 9.721/2022 (que espelhava a Lei nº 3.266/1999), devia observar as condições, requisitos e diretrizes previstas no próprio normativo legal. Caso contrário, estaria sujeita ao recolhimento do ICMS não destacado nos documentos fiscais emitidos em favor das respectivas entidades.

Ocorre que, em 11 de julho de 2023, foi promulgada a Lei nº 10.061/2023, estabelecendo novo regime de desoneração do ICMS para as operações realizadas por concessionárias de atividades essenciais, assegurando a aplicação da regra de imunidade de impostos a igrejas e templos, conforme o determinado pelos artigos 150, IV, alínea “b” e 196, alínea VI, b, ambos da Constituição Estadual.

Além disso, a nova lei promulgada em 2023 estendeu a isenção de ICMS, em linha com as disposições da Lei Federal nº 9.532/1997, a entidades como Santas Casas, ABBRs, AFR, APAEs e Associações Pestalozzi.

Importante destacar que a nova Lei de 2023 revogou, de maneira expressa, as Leis nºs 3.266/1999 e 9.721/2022, estabelecendo que sua eficácia teria início imediatamente após a data de sua publicação.

Ocorre que a nova Lei nº 10.061/2023 apresenta requisitos e condições menos detalhados em comparação à regra de não tributação agora revogada, gerando motivada dúvida para a Consulente em relação ao cumprimento de suas disposições de forma imediata, ou somente a partir de uma ulterior regulamentação, a qual, diga-se de passagem, sequer é prevista neste novo diploma legal.

Diante deste cenário, a Consulente se encontra em uma posição de incerteza jurídica. A revogação das leis anteriores e a ausência de disposições regulamentares mais detalhadas no próprio corpo da Lei nº 10.061/2023, ou em ato normativo regulamentar, geram fundadas dúvidas sobre como deve proceder a Consulente em relação à aplicação ou não, e, sob quais condições, da regra de não tributação do ICMS no fornecimento do gás natural.

Neste contexto, a Consulente entende que a manutenção da aplicação da regra de não tributação, agora sob a égide da Lei nº 10.061/2023, deve ser mantida, ao menos em relação aos clientes/destinatários já atendidos pela imunidade/isenção do ICMS, salvo se a respectiva operação conflitar expressamente com a novel legislação, no intuito de se garantir a previsibilidade jurídica, estabilidade econômica e finalidade constitucional do regime de desoneração do imposto.

Ademais, a Consulente acredita que o devido esclarecimento à presente consulta possibilitará uma transição transparente entre os regimes de desoneração fiscal para todas as partes envolvidas, garantindo a manutenção das regulares atividades de fornecimento de gás natural no Estado, bem como evitando-se potenciais contendas judiciais em prejuízo aos partícipes da operação".

Isto posto, consulta:

1) É correto afirmar que a Lei nº 10.061/2023 constitui norma de eficácia plena, isto é, não depende de posterior regulamentação para produção de seus regulares efeitos?

2) A Consulente pode manter a aplicação da regra de desoneração do ICMS prevista na Lei nº 10.061/2023 aos clientes/destinatários do gás natural anteriormente abrangidos pela regra da Lei nº 3.266/1999, repristinada pela Lei nº 9.721/2022, ou deve a Consulente cessar imediatamente a aplicação do benefício fiscal para todos os clientes/destinatários, até que sobrevenha a regulamentação do novo diploma legal?

3) É correto afirmar que a aplicação imediata da regra de desoneração prevista na Lei nº 10.061/2023, mesmo enquanto não regulamentada esta norma, afasta da Consulente qualquer responsabilidade tributária pelo não destaque e pagamento do ICMS nas respectivas operações?

II. ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

O processo encontra-se instruído com o original do DARJ de pagamento da TSE (doc 58815902), bem como cópia dos Atos Constitutivos da mesma e da procuração com os poderes necessários para representação no presente processo (doc 58815904), além das informações previstas pelo art. 3º da Resolução nº 109/76 (doc 60409894).

Inicialmente, cabe fazer uma pequena diferenciação sobre a classificação das normas, com base na eficácia da mesmas:

1- Normas de eficácia plena

As normas de eficácia plena são aquelas que passam a produzir todos os seus efeitos imediatamente. Tais normas só podem deixar de ser aplicadas caso sejam modificadas ou revogadas.

São características das normas de eficácia plena:

Autoaplicáveis: as normas de eficácia plena não precisam que seja editada uma lei regulamentando o alcance e o sentido de seus efeitos, pois estes são produzidos de imediato;

Não restringíveis: caso haja a criação de uma lei que trate de norma de eficácia plena, os efeitos dessa não podem ser limitados;

Possuem aplicabilidade direta, imediata e ilimitada: ou seja, não precisam que uma norma seja criada para regular seus efeitos; produzem efeitos a partir de sua publicação; e não podem ter seus efeitos limitados ou restringidos.

2-Normas de eficácia contida

As normas de eficácia contida, são muito parecidas com as normas de eficácia plena. Contudo, os efeitos das normas de eficácia contida podem ser restringidos pela legislação.

Logo, as normas de eficácia contida são:

Autoaplicáveis: produzem seus efeitos imediatamente com a entrada em vigor;

Restringíveis: suas normas podem sofrer restrições por outras normas legais;

Aplicabilidade direta, imediata e não integral: ou seja, não precisam que uma norma seja criada para regular seus efeitos; produzem efeitos a partir de sua publicação; mas estão sujeitas a restrições ou limitações.

3-Normas de eficácia limitada

As normas de eficácia limitada são aquelas que dependem de uma regulamentação futura para que possam produzir todos os efeitos que pretendem. Ou seja, elas possuem eficácia, mas não aptidão para produção geral de seus efeitos.

Portanto, pode-se dizer que as normas de eficácia limitada possuem as seguintes características:

Não-autoaplicáveis: estas normas dependem de regulamentação pela legislação para que produzam seus efeitos;

Aplicabilidade indireta, mediata e reduzida: ou seja, mesmo com a entrada em vigor, dependem de regulamentação para produzirem seus plenos efeitos, e possuem um baixíssimo grau de eficácia (a chamada "eficácia mínima").

Dito isto, é importante mencionar a publicação da novel Resolução SEFAZ 567/23, que regulamenta os procedimentos para fruição do regime tributário de que trata a Lei nº 10.061/23, com as alterações promovidas pela Lei nº 10.112/23, que "proíbe a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais de energia elétrica e gás de igrejas, templos de qualquer culto e outras entidades".

A mencionada Resolução, em seu artigo 1º, prevê a formulação de comunicação à Secretaria de Estado de Fazenda, demonstrando a destinação institucional do imóvel compatível com suas finalidades essenciais, acompanhada de um rol de documentos ali previstos, para que se faça jus à fruição do citado regime tributário.

Em seguida, o artigo 2º da mesma Resolução SEFAZ 567/23 informa que o formulário previsto no artigo 1º, bem como a anexação dos respectivos documentos, deverão ser realizados de forma eletrônica no sítio da SEFAZ/RJ, na forma estabelecida em ato do Subsecretário de Estado de Receita, não sendo aceita comunicação apresentada por outro meio.

Adicionalmente, o Parágrafo único do mesmo artigo 2º informa que caso haja comunicações protocoladas de forma diversa perante a Secretaria de Estado de Fazenda o requerente será orientado a proceder na forma do caput do citado artigo.

Isto posto, é possível concluir que para fruição do regime tributário de que trata a Lei nº 10.061/23 é necessária a realização de comunicação à Secretaria de Estado de Fazenda na forma estabelecida em ato do Subsecretário de Estado de Receita, não sendo aceita comunicação por outro meio.

Por fim, considerando a publicação da Portaria SSER 339/23, que altera a Portaria SSER 224/20, tendo em vista o disposto no artigo 2ºda Resolução SEFAZ 567/23, os interessados na fruição do citado regime tributário deverão observar o procedimento nela previsto.

III. CONCLUSÃO E RESPOSTA

1) É correto afirmar que a Lei nº 10.061/2023 constitui norma de eficácia plena, isto é, não depende de posterior regulamentação para produção de seus regulares efeitos?

R: Não, devendo ser observado o previsto pela Resolução SEFAZ 567/23 e pela Portaria SSER 339/23.

2) A Consulente pode manter a aplicação da regra de desoneração do ICMS prevista na Lei nº 10.061/2023 aos clientes/destinatários do gás natural anteriormente abrangidos pela regra da Lei nº 3.266/1999, repristinada pela Lei nº 9.721/2022, ou deve a Consulente cessar imediatamente a aplicação do benefício fiscal para todos os clientes/destinatários, até que sobrevenha a regulamentação do novo diploma legal?

R: A Resolução SEFAZ 567/23 exige, para fruição do regime tributário de que trata a Lei nº 10.061/23, a realização de comunicação à Secretaria de Estado de Fazenda na forma estabelecida em ato do Subsecretário de Estado de Receita, não sendo ainda aceita comunicação por outro meio, devendo assim os interessados na fruição do citado regime tributário observarem o procedimento previsto pela Portaria SSER 339/23.

3) É correto afirmar que a aplicação imediata da regra de desoneração prevista na Lei nº 10.061/2023, mesmo enquanto não regulamentada esta norma, afasta da Consulente qualquer responsabilidade tributária pelo não destaque e pagamento do ICMS nas respectivas operações?

R: Não. Conforme já respondido nos questionamentos anteriores, para fruição do regime tributário de que trata a Lei nº 10.061/23 é necessária a realização de comunicação à Secretaria de Estado de Fazenda na forma estabelecida em ato do Subsecretário de Estado de Receita, não sendo aceita comunicação por outro meio.

Dito isto, considerando que foi publicada a Portaria SSER 339/23, os interessados na fruição do citado regime tributário deverão observar o procedimento nela previsto.

Encaminhamos o Parecer 126 (61670753), cujo teor manifestamos concordância.

Submetemos à vossa senhoria para decisão de encaminhamento à Subsecretaria de Estado de Receita , tendo em vista o disposto no §2º do artigo 37 do Anexo à Resolução n.º 414/22[1]

Em seguida, caso aplicável e com apreciação favorável ao parecer por parte do Sr. Subsecretário da Receita, sugerimos o encaminhamento à repartição fiscal de circunscrição do estabelecimento requerente, para dar ciência ao interessado, na forma preconizada pelo Art. 154[2] do Decreto nº 2473/1979.

[1] 2º As decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos.

[2] Art. 154. Respondida a consulta, o processo será devolvido à repartição de origem, para que esta cientifique o consulente, intimando-o, quando for o caso, a adotar o entendimento da administração e recolher o tributo porventura devido em prazo não inferior a 15 (quinze) dias.