Consulta SEFAZ nº 27 DE 01/03/1999

Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 05 mar 1999

Regime Estimativa - Exigibilidade do Tributo

Senhor Secretário:

Por solicitação da Coordenadoria de Arrecadação, o processo epigrafado foi remetido para análise e parecer da Gerência de Legislação Tributária desta Coordenadoria de Tributação (v. despacho de fl. 17).

Cuida o requerimento de fls. 02 a 09 de impugnação ao enquadramento no regime de estimativa fiscal, apresentado pela contribuinte acima nominada, formulada sob os seguintes fatos e fundamentos: I - inconstitucionalidade do regime de estimativa fiscal

1. sustenta que o método – que rotula de anacrônico – de estimar as operações do contribuinte e o valor antecipado de circulações imaginárias de mercadorias, emitindo-se carnê de ICMS para recolhimento do tributo, independentemente de ter ocorrido ou não a circulação que gere saldo devedor na conta corrente fiscal, alheando-se ao valor real da operação, bem como à base de cálculo e desprezando o princípio constitucional da não-cumulatividade, não mais encontra guarida, a partir 01.03.89, com a entrada em vigor do novo sistema tributário nacional, decorrente da Constituição de 1988;

2. dizendo que vários vícios de inconstitucionalidade maculam o regime de estimativa fiscal, aponta, de plano, os ideais e princípios adotados pela Constituição e o seu espírito de redemocratização são incompatíveis com o regime de estimativa fiscal, que chama de arbitrário e ilegítimo; soma, ainda, ofensa ao princípio da não-cumulatividade do ICMS (artigo 155, § 2º, inciso I, da CF/88), posto impedir a compensação, impondo quantum mensal a ser recolhido, haja ou não circulação no mês, sem considerar qualquer crédito pelas entradas com imposto;

3. subscreve que a compensação é instituto jurídico-constitucional que confere efetividade ao princípio da não-cumulatividade, sendo estabelecido pela própria Constituição como se opera essa compensação: compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores (artigo 155, § 2º, inciso I, da CF/88);

4. aduz ser direito público subjetivo constitucionalmente assegurado a compensação do ICMS devido em cada operação com o cobrado nas anteriores; no entanto, suscita, o regime de estimativa determina o pagamento de quantum mensal de ICMS, sem considerar qualquer crédito pelas entradas, desprezando o mandamento constitucional que lhe confere o direito de compensação;

5. reclama também de afronta aos princípios da isonomia tributária, do contraditório e da capacidade contributiva, além de mencionar que a Carta Magna não contém previsão alguma autorizando o fisco a exigir ICMS mensal, sem que se prove a materialização do fato gerador do ICMS; acrescenta que o artigo 150, em todos os seus incisos, elenca as limitações ao poder de tributar, não prevendo nenhuma exceção que permitisse a manutenção do regime de estimativa fiscal;

6. desfecha que a Lei Complementar nº 44/83, que autoriza o citado regime não foi recepcionada pela nova ordem constitucional vigente, estando definitivamente derrogada frente à Constituição de 1988;

7. transcreve entendimento do Exmo. Desembargador Dr. Ernani Vieira de Souza, do TJMT, que, concedeu liminar no MS nº 1.453, Capital, Classe II (DJMT nº 4888, de 15.03.96, p. 06), afirmando que a "lei veda a cobrança de ICMS sem que antes tenha ocorrido o fato gerador";

II - inconstitucionalidade do regime de estimativa fiscal

8. a empresa discorda também do cálculo do ICMS estimado mensal, comentando que o fisco utilizou-se de um período de 07 (sete) meses, fixando o valor de R$ 3.331,86, mas efetuou a divisão por 06 (seis) meses;

III – suspensão da exigibilidade do crédito
9. a impugnante afirma considerar inadmissível o estatuído no § 3º do artigo 6º da Portaria nº 076/98 por entender que este viola frontalmente o disposto no inciso III do artigo 151 do Código Tributário Nacional;10. anota que o inciso III do artigo 146 da Constituição Federal prescreve a necessidade da haver uma lei complementar estabelecendo normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre fatos geradores, base de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; daí comentar que o preceito constitucional deixou clara que três são as funções da lei complementar:

dispor sobre conflitos de competência entre os entes político-constitucionais;

regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

estabelecer normas gerais de Direito Tributário;

11. reforça que, em função do preceito, devem os créditos tributários ser regulados por legislação complementar, devendo os entes tributantes obedecer rigorosamente os parâmetros nela fixados;

12. alinhava que a matéria acerca das hipóteses de suspensão do crédito tributário devem ser, necessariamente, disciplinada por lei complementar, o que foi feito pelo CTN que as elencou no seu artigo 151, dentre as quais encontram-se as reclamações e recursos administrativos;

13. registra, então, não poder a lei ordinária, federal estadual ou municipal, vedar a suspensividade do crédito tributário, quando houver reclamações ou recursos administrativos, muito menos, pode fazê-lo mera Portaria;

14. brada, por isso, que o protocolo da impugnação resultará na suspensão da exigibilidade dos valores constantes da NERE nº ..., nos termos do artigo 151, inciso III, do CTN;

15. encerra, requerendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como o desenquadramento do referido regime.

É a impugnação.

O enquadramento de contribuinte no regime de estimativa não é medida que se impõe ao arrepio da legislação tributária. Ao contrário, o procedimento tem seus contornos nitidamente nela insculpidos, como se demonstra.

Ao construir os princípios delineadores do ICMS, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, inciso II, c/c o § 2º, inciso XII, alínea g, asseverou:
"Art. 155 Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
......................................................................................................
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
.....................................................................................................

§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:
......................................................................................................
XII – cabe à lei complementar:
......................................................................................................
c) disciplinar o regime de compensação do imposto; ..................................................................................................".
Abrigadas pelo disposto no artigo 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à Constituição Federal de 1988, as unidades federadas, de início, celebraram o Convênio ICM 66/88, que vigorou com status de lei complementar, cujo Anexo Único destinou-se a regular provisoriamente a instituição do ICMS. Reproduzem-se seus artigos 18 e 29:
"Art. 18 A lei poderá estabelecer que o montante do imposto devido pelo contribuinte, em determinado período, seja calculado por estimativa, observado o disposto no parágrafo 2º do artigo 29."

"Art. 29 ........................................................................................
.....................................................................................................

§ 2º Na hipótese do artigo 18, a lei disporá sobre a complementação ou a restituição das quantias pagas com insuficiência ou em excesso, respectivamente.
..................................................................................................".
No artigo 18 mencionado, encontrava-se, então, a regra com força de lei complementar, autorizativa da exigência do imposto por estimativa. O § 2º do artigo 29 oferecia o suporte para a cobrança da diferença, se insuficientes os valores recolhidos por estimativa, ou, quando fosse o caso, para restituição do excesso.

A Lei nº 5.419, de 27 de dezembro de 1988, editada para instituir o ICMS no Estado de Mato Grosso, respaldada no Convênio ICM 66/88, também previu a faculdade de se estabelecer o cálculo do imposto por estimativa, dispondo sobre o recolhimento de eventual diferença apurada no período e sobre a compensação, em recolhimentos futuros, quando verificada diferença favorável ao contribuinte.

Eis o preconizado em seu artigo 21 e nos §§ 2º e 3º do artigo 34:

"Art. 21 O montante do imposto devido pelo contribuinte, em determinado período, poderá ser calculado por estimativa, observado o disposto no parágrafo 2º do artigo 34."

"Art. 34 ........................................................................................
.....................................................................................................

§ 2º Na hipótese do artigo 21, a diferença do imposto verificada entre o montante recolhido e o apurado será:

1) se favorável ao fisco, recolhida independentemente de qualquer iniciativa fiscal;

2) se favorável ao contribuinte, compensada em recolhimentos futuros, mediante requerimento.

§ 3º Na apuração do imposto em determinado período, o saldo verificado a favor do contribuinte será transferido para o período ou períodos seguintes.
..................................................................................................".
Coube, porém, ao Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 06 de outubro de 1989, disciplinar o regime de estimativa, reservando ao fisco o critério de enquadramento do estabelecimento. Sem a pretensão de esgotar o tratamento regulamentar sobre a matéria, convém trazer à baila os artigos 80 e 83:

"Art. 80 O estabelecimento enquadrado no regime de estimativa terá o valor do imposto a recolher, em cada mês, determinado pelo fisco.

§ 1º O imposto será estimado por período certo e prevalecerá enquanto não revisto pelo fisco.

§ 2º O enquadramento do estabelecimento no regime de estimativa obedecerá a critério do fisco, que poderá ter em conta categorias, grupos ou setores de atividades econômicas.

§ 3º Com base em dados declarados pelos contribuintes e em outros de que dispuser o fisco, serão estimados os valores das operações e/ou prestações e o montante do imposto a recolher no período considerado." (Foi destacado).
"Art. 83 O fisco poderá a qualquer tempo e a seu critério:

I - promover o enquadramento de qualquer estabelecimento no regime de estimativa;

II - rever os valores estimados e reajustar as parcelas mensais subseqüentes à revisão, mesmo no curso do período considerado;

III - promover o desenquadramento de qualquer estabelecimento do regime de estimativa."
A NERE atacada (ausente do processo), segundo a contribuinte, teria sido emitida em 10.12.98, por conseguinte, ainda sob a vigência da invocada Lei nº 5.419/88, porém, já durante a vigência da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que veio dispor sobre o ICMS. Tratando da matéria, contudo, a Lei especial não inovou, mantendo-se no caminho já existente no Convênio ICM 66/88.
"Art. 24 A legislação tributária estadual disporá sobre o período de apuração do imposto. (...)".

"Art. 26 Em substituição ao regime de apuração mencionado nos arts. 24 e 25, a lei estadual poderá estabelecer:
.......................................................................................................................

III – que, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, o imposto seja pago em parcelas periódicas e calculado por estimativa, por um determinado período, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugná-la e instaurar processo contraditório.

§ 1º Na hipótese do inciso III, ao fim do período, será feito o ajuste com base na escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva; caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período ou períodos imediatamente seguintes.

§ 2º A inclusão de estabelecimento no regime de que trata o inciso III não dispensa o sujeito passivo do cumprimento de obrigações acessórias.
Registre-se que dispositivos com teor semelhante estão encartados na nova Lei do ICMS mato-grossense, (Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998):
"Art. 28 O regulamento desta lei disporá sobre o período de apuração do imposto.
.....................................................................................................

"Art. 30 Em substituição ao regime mencionado nos arts. 28 e 29, a apuração do imposto poderá ser efetuada, também, através:
.....................................................................................................

III – do regime de estimativa, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, no qual o imposto será pago em parcelas periódicas, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugnação e de instauração do processo contraditório.
.....................................................................................................

§ 1º Na hipótese do inciso III, ao fim do período, será feito o ajuste com base na escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva; caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período ou períodos imediatamente seguintes.

§ 2º A inclusão de estabelecimento no regime de que trata o inciso III não dispensa o sujeito passivo do cumprimento de obrigações acessórias." Inf. nº 027/99-CTVIII
Infere-se, portanto, não haver dissonância entre os dispositivos regulamentares e os ditames da LC 87/96 e da Lei nº 7.098/98, ainda que lhe sejam posteriores.

A exaustiva reprodução dos preceitos acima revela que o regime de estimativa está perfeitamente conformado com o ordenamento jurídico, emanando de lei complementar (propriamente dita, como a vigente – LC nº 87/96; ou equiparada, como anteriormente – Convênio ICM 66/88), com esteio na Constituição Federal.

Resta claro, por conseguinte, ser inverdade que a matéria carece de protetivo em lei complementar.

Desta forma, denota-se que é a própria legislação que autoriza o fisco a estimar o valor do imposto a ser recolhido, ainda que o faça em caráter temporário, já que prevê, dentro de prazo certo, o cotejo com o montante efetivamente apurado, através do confronto entre créditos e débitos verificados nesse mesmo intervalo de tempo, homenageando o princípio da não-cumulatividade.

Também os princípios da capacidade contributiva e isonomia foram respeitados, conquanto serem as próprias informações prestadas pela contribuinte pertinentes ao seu movimento econômico que instruem os cálculos do imposto estimado (v. Portaria nº 076/98-SEFAZ, de 09.11.98, e Instrução Normativa nº 016/98-CGSIAT, de 11.11.98).

Sobre as questões relativas à inconstitucionalidade, vale destacar que a esfera administrativa não é a seara competente para apreciar a matéria, reservada à Suprema Corte, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea a, da Carta de 1988.

Quanto à reportada concessão de liminar em Mandado de Segurança, além de sua eficácia limitada ao impetrante, noticia-se que o entendimento reinante no Tribunal de Justiça deste Estado tem sido pela admissibilidade do instituto. Transcrevem-se os seguintes julgados:

"EMENTA – RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ENQUADRAMENTO DE CONTRIBUINTE EM REGIME DE ESTIMATIVA PARA RECOLHIMENTO DE ICMS – PREVISÃO LEGAL (LEI 5.419/88 – ART. 21 E DECRETO 1.944/89 – ART. 43) – SEGURANÇA NEGADA – SENTENÇA MANTIDA.

Se há previsão na lei e respectivo regulamento, inexiste ilegalidade sanável via mandado de segurança no enquadramento de contribuinte em regime de estimativa para efeito de recolhimento do ICMS."
(Recurso de Apelação Cível nº 17.446, Classe II – 19 – 3ª Câmara Cível, j. 17.04.96, Relator Desembargador José Tadeu Cury).
"E M E N T A – ICMS – REGIME DE ESTIMATIVA – ALTERAÇÃO UNILATERAL PELO CONTRIBUINTE – INADMISSIBILIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO – APELAÇÃO IMPROVIDA.
Estando subordinado ao regime de estimativa, não pode o contribuinte, ao seu talante, contrariar a sujeição impingida, recolhendo imposto menor de que aquele aquilatado pelo Fisco para as operações ou prestação de serviços da atividade dele, ainda que, a posteriori, se verifique na apuração semestral que o recolhido excedeu o devido, caso em que proceder-se-á à devida compensação."
(Recurso de Apelação Cível nº 19.952, Relator Desembargador Orlando de Almeida Perri – DJ 04.05.98 – p. 7).
Também não assiste razão à empresa ao pretender a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ao amparo do artigo 151, inciso III, do CTN. No caso em comento, inexiste lançamento de crédito tributário. O fisco enquadrou a contribuinte em regime de estimativa fixa, indicando-lhe o valor de recolhimento do imposto, em substituição àquele que recolheria pelo regime normal.

Ratificando o entendimento, ressalta-se que, em havendo o recolhimento tempestivo, não há proposição de penalidades ou de qualquer outro acréscimo legal, não se falando em lançamento de crédito tributário.

Destarte, incabível à espécie a suspensão da exigibilidade do tributo.

Por fim, remanesce sem exame o ataque ao valor calculado para a estimativa, uma vez que não dispõe esta Gerência dos valores que orientaram o seu cálculo, sugerindo-se, por isso, a devolução do presente processo, acompanhado de cópia da presente, se acolhida, à Coordendoria de Arrecadação, que, de qualquer forma, é o Órgão fazendário incumbido do julgamento do pedido, nos termos do item 32 da Instrução Normativa nº 016/98-CGSIAT.

É a informação, ora submetida à consideração superior, ressalvados seus limites de orientação ao Órgão solicitante, reservado ao mesmo a deliberação final sobre a impugnação formulada.

Gerência de Legislação Tributária da Coordenadoria de Tributação da Secretaria de Estado de Fazenda, em Cuiabá – MT, 1º de março de 1999.

Yara Maria Stefano Sgrinholi
FTE
De acordo:José Carlos Pereira BuenoCoordenador de Tributação