Solução de Consulta COTRI nº 16 DE 24/09/2020

Norma Estadual - Distrito Federal - Publicado no DOE em 30 set 2020

PROCESSO Nº 00040-00036810/2019-73

ICMS. Princípio da não cumulatividade. Processo de industrialização. Apropriação de crédito: energia elétrica, óleo diesel, partes e peças de máquinas e equipamentos fabris. Possibilidade segregada. Observância aos prazos de início de vigência consignados no art. 33 da Lei Complementar nº 87/1996.

I - Relatório

1. A interessada, pessoa jurídica de direito privado, estabelecida em Brasília, Distrito Federal, informa que realiza extração e britamento de pedras e outros materiais para construção e beneficiamento, bem como realiza comércio varejista de cal, areia, pedra britada, tijolos e telhas.

2. Formula Consulta relativamente ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS.

3. Inicialmente, a Consulente, cita o art. 155, § 2º, inciso I, da Constituição da República do Brasil, de 1988, no qual encontra-se prevista a não cumulatividade do ICMS:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (.) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensandose o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

4. Valendo-se, assim, do argumento de que o valor do ICMS incidente sobre as operações de entrada deveria ser apropriado a título de crédito, indiscriminadamente quanto a insumos, ressalta que tal direito ao creditamento do ICMS pretendido estaria vinculado à atividade do estabelecimento.

5. Nesse nexo, entende dadas mercadorias que adquire - energia elétrica, óleo diesel e partes e peças de máquinas e equipamentos -, como "insumos e matérias-primas", vinculados à atividade essencial do estabelecimento. Tal hipótese satisfaria, conforme o próprio entendimento, o requisito ao creditamento do ICMS, à vista da legislação de regência do imposto.

6. Invoca ainda, a Consulente, os artigos 50 e 51 do Decreto nº 18.955 , de 22 de dezembro de 1997, Regulamento do ICMS (RICMS), para albergar sua tese, trazendo ainda ao processo Memorial das Atividades do Empreendimento, acompanhado de laudo de engenharia que descreve seu processo produtivo, segundo o qual, "para a consecução das suas atividades, ela adquire energia elétrica, óleo diesel e partes e peças de máquinas e equipamentos".

7. Colaciona, também, julgados de tribunais e cortes superiores, para fazer os seguintes questionamentos, in verbis:

1. Em virtude do seu CNAE (47.44-0-04 - Comércio varejista de cal, areia, pedra britada, tijolos e telhas), para a consecução das suas atividades, a Consulente adquire diversos insumos (matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem). Sendo assim, pode se creditar do ICMS relativo à entrada destes insumos, que são utilizados em seu processo produtivo?

2. Considerando a previsão contida no art. 20 da Lei Complementar nº 87/96 e nos arts. 50 e 51 do Decreto nº 18.955/1997 (Regulamento do ICMS no Distrito Federal), a Consulente pode se creditar do ICMS relativo à entrada de energia elétrica, óleo diesel e partes e peças de máquinas e equipamentos, não ativados, que sofrem desgaste na atividade de mineração, ensejando substituição em periodicidade inferior a 12 meses?

II - Análise

8. Inicialmente, cumpre-nos ressaltar que a matéria posta à análise (aproveitamento de crédito) já foi objeto de esclarecimentos desta Gerência de Esclarecimento de Normas, em diversas oportunidades, conforme abaixo, oportunamente, será ilustrado.

9. A Lei Complementar nº 87 , de 13 de setembro de 1996, chamada Lei Kandir , assim prevê, em seus artigos 20 e 33, quanto ao direito ao crédito do ICMS:

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

(.....)

Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

I - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2033; (Redação dada pela Lei Complementar nº 171, de 2019)

II - somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento:

a) quando for objeto de operação de saída de energia elétrica;

b) quando consumida no processo de industrialização;

c) quando seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais;

d) a partir de 1º de janeiro de 2033, nas demais hipóteses;

III - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao ativo permanente do estabelecimento, nele entradas a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor.

(.....)

10. Conforme ressaltado, sobre matéria similar, sugerimos a leitura do inteiro teor dos pareceres emanados nas Declarações de Ineficácia de Consulta nº 10/2017 e 10/2019, publicadas no Diário Oficial do Distrito Federal-DODF, de 12 de abril de 2017, e DODF, de 21 de março de 2019, respectivamente, com as seguintes ementas:

Declaração de Ineficácia de Consulta nº 10/2017

ICMS. Princípio da não cumulatividade. 1- Apropriação de crédito. Combustíveis utilizados no processo fabril. Gás Liquefeito de Petróleo - GLP. Não se enquadra no conceito de matéria-prima se não se agregar direta ou indiretamente ao produto final.

Crédito vedado. 2- Apropriação do crédito na entrada de mercadorias destinadas a uso ou consumo. Possibilidade: efeitos para entradas ocorridas a partir de 1º de janeiro de 2020, salvo alteração futura."

Declarações de Ineficácia de Consulta nº 10/2019

ICMS. Princípio da não cumulatividade. Apropriação de crédito decorrente da aquisição de óleo diesel utilizado para abastecer frota de veículos de transportadora de cargas. Possibilidade futura. Previsão de entrada em vigor somente para entradas ocorridas a partir de 1º de janeiro de 2020, nos termos da atual redação da Alínea "b" do Inciso V do Artigo 79 da Lei 1.254/1996 .

11. Quanto ao aproveitamento de energia elétrica no processo de industrialização, cabe transcrever o que diz o artigo 79 da Lei nº 1.254, de 1996, que instituiu o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS no Distrito Federal, vejamos:

Art. 79. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de:

(.....)

IV - 1º de janeiro de 2001:

a) o crédito relativo à entrada de energia elétrica no estabelecimento, quando:

1- for objeto de operação de saída de energia elétrica;

2- consumida no processo de industrialização;

3 - seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais;

b) o crédito relativo ao recebimento de serviços de comunicação (.....)

(.....)

V - 1º de janeiro de 2020:

a) o crédito relativo à entrada de energia elétrica no estabelecimento e o relativo ao recebimento de serviços de comunicação utilizados pelo estabelecimento, nas demais hipóteses não previstas nas alíneas "a" e "b" do inciso anterior, respectivamente;

b) o crédito fiscal relativo à entrada dos demais bens destinados ao uso ou consumo do estabelecimento, a que se refere o art. 32.

NOTA: VIDE ART. 33, INCISO I DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 87/1996.

12. De notar, a nota remissiva ao fim da alínea "b" do inciso V do art. 79, acima transcrita, constitui medida obrigatória e de prudência a ser observada, vez que o legislador federal tem, em reiteradas oportunidades, alterado o termo inicial da possibilidade de apropriação dos créditos fiscais ali tratados. Nesse nexo, cumpre informar sobre a recente publicação da Lei Complementar federal nº 171, de dezembro de 2019, que alterou a LC nº 87/1996 , para liberar o aproveitamento do crédito relativo às entradas de energia elétrica no estabelecimento, não destinadas à industrialização, somente a partir de 1º de janeiro de 2033 (alínea "d" do inciso II do art. 33 da LC nº 87/1996 ).

13. É assim, vez que a Constituição Federal de 1988 impõe a retirada da eficácia de lei estadual na parte que, eventualmente, colida com lei federal sobre normas gerais em matéria tributária. Vide o parágrafo quarto do art. 24:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

(.....)

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

14. Sobre o tema, ainda deve ser observada a orientação contida no Parecer de Inadmissibilidade nº 021/2006:

(.....) No Distrito Federal é licito aproveitar o crédito de ICMS, relativo à entrada de energia elétrica no estabelecimento, quando consumida no processo de industrialização. Observamos que a energia, quando da sua entrada no estabelecimento, já tem que ser destinada à industrialização, não sendo permitido qualquer artifício para apurar o que foi consumido na industrialização e em outras destinações. Portanto, é imprescindível a instalação de medidor separado para as atividades industriais. (grifo nosso)

15. Sobre a dúvida levantada pela Consulente, aproveitamento de crédito de partes e peças de máquinas e equipamentos, não ativados, que sofrem desgaste na atividade de mineração, ensejando substituição em periodicidade inferior a 12 meses, deve ser observado o que dispõe a Solução de Consulta nº 1/2020, publicada no DODF, de 14 de fevereiro de 2020, a qual assim encontra-se ementada:

ICMS. Reconhecimento de crédito nas aquisições para o ativo imobilizado. Gera direito a crédito as aquisições de peças de reposição que tenham uma vida útil esperada superior a 12 meses, ou, na forma como explicitado nesta consulta, somente puderem ser utilizados em conexão com itens do ativo imobilizado; sendo também necessário ser provável que futuros benefícios econômicos associados ao item fluirão para a entidade e que o custo do item possa ser mensurado confiavelmente; observado não haver restrição para que uma peça de reposição seja classificada no imobilizado apenas em virtude de seu valor.

16. As partes e peças que se enquadram, portanto, como bens do ativo imobilizado e que geram direito a crédito fiscal são aquelas com vida útil estimada superior a 12 meses.

17. Os produtos enquadrados no conceito de partes e peças de máquina, aparelho ou equipamento, tendo sua substituição em período inferior a 12 meses, por não aumentarem a vida útil do bem, não ensejarão apropriação do crédito fiscal pelas correspondentes aquisições. Contudo, também, não são considerados insumos, por não ocorrer seu consumo na forma de ingredientes da produção ou integrativa ao produto final, caracterizando-se, portanto, como materiais de uso ou consumo, e, como tais, devem observar as datas de início da possibilidade de aproveitamento de crédito previstas na Lei Kandir (a partir de 1º de janeiro de 2033 - na redação dada pela Lei Complementar nº 171 , de 27 de dezembro de 2019).

III - Resposta

18. Diante do exposto, responde-se:

1. É legal o aproveitamento de crédito do ICMS relativo à entrada de insumos, utilizados em processo produtivo, observados os prazos e condições estabelecidos em Lei. Todavia, não se enquadra no conceito de insumo o bem que não se integrar ao produto final.

2. O aproveitamento de crédito nas situações evidenciadas à inicial é possível, desde que atendidos os requisitos da legislação tributária, in casu, sistemicamente interpretada:

2.1. O aproveitamento do crédito decorrente da entrada da energia elétrica utilizada no processo de industrialização é possível desde 1º de janeiro de 2001, observadas as condições de apuração individualizada desse consumo.

2.1.1. Cumpre lembrar, o crédito relativo à entrada de energia elétrica no estabelecimento, nas hipóteses não previstas na alínea "a" do inciso IV do art. 79 da Lei distrital nº 1.254/1996, será admissível somente a partir de 1º de janeiro de 2033, por força do disposto na alínea "d" do inciso II do art. 33 da LC federal nº 87/1996, combinada ao parágrafo quarto do art. 24 da Constituição Federal de 1988 , salvo alterações futuras.

2.2. O aproveitamento do crédito relativo às entradas do óleo diesel que não se integra ao produto final, caso sob comento destes autos, será admissível a partir de 1º de janeiro de 2033, salvo alteração futura.

2.3. O mesmo nexo se aplica para partes e peças de máquinas fabris, com substituição inferior a doze meses, que ensejam a mesma possibilidade de creditamento futuro, qual seja, 1º de janeiro de 2033.

19. Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

20. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal - RPAF), a presente Consulta é eficaz, aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do PAF.

À consideração de V.Sª.

Brasília-DF, 24 de setembro de 2020.

MÁRCIA WANZOFF ROBALINHO CAVALCANTI

Auditor(a)-fiscal da Receita do DF

Mat. 46.200-4

Ao Coordenador de Tributação da COTRI.

De acordo.

Encaminhamos à análise da Coordenação de Tributação o Parecer supra.

Brasília-DF, 24 de setembro de 2020.

ANTONIO BARBOSA JÚNIOR

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea a do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 1, de 10 de janeiro de 2018 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 8, de 11 de janeiro de 2018, pp. 5 e 6).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269 , de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do artigo 89 do Decreto nº 35.565 , de 25 de junho de 2014.

Brasília-DF, 28 de setembro de 2020.

ARISVALDO MARINHO CUNHA

Coordenação de Tributação

Coordenador