Recomendação MPDFT nº 7 de 18/06/2002

Norma Federal - Publicado no DO em 25 jun 2002

Dispõe sobre a adaptação de editais de concursos públicos do Tribunal de Contas do Distrito Federal - TCDF à legislação sobre reserva de vagas para portadores de deficiência.

2002

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio do Promotor de Justiça signatário, em exercício na Promotoria de Defesa do Idoso e do Portador de Deficiência - PRODIDE, no uso das atribuições de defesa dos direitos dos portadores de deficiência, previstas na Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, e na Lei nº 7.853, de 24.10.1989, e com base na justificação anexa que integra o presente ato, recomenda ao TCDF - Tribunal de Contas do Distrito Federal - e ao CESPE - Centro de Seleção e de Promoção de Eventos - que, em relação ao Edital nº 1/2002 - TCDF-2, de 10 de junho de 2002, para o provimento de vagas do cargo de Analista de Finanças e Controle Externo e ao Edital nº 1/2002 - TCDF-3, de 10 de junho de 2002, para o provimento vagas do cargo de Auditor, promovam as seguintes adaptações nos textos respectivos:

1. a inclusão de item prevendo, expressamente, o conceito de pessoa portadora de deficiência para o efeito de concorrer às vagas reservadas, adotando como parâmetro as definições constantes do art. 4º do Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999;

2. a inclusão de item prevendo, expressamente, que se o resultado da aplicação do percentual de 20% (vinte por cento) for fração de número inteiro, o número de vagas reservado para portadores de deficiência deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente, ainda que seja apenas um, substituindo-se os itens 1.2.1 e 2.2.1 dos editais, respectivamente;

3. a inclusão de item definindo equipe multiprofissional, na forma prevista no art. 1º da Lei Distrital nº 160, de 01.09.1991, ou no art. 43 do Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999, para efeito de opinar sobre a compatibilidade da deficiência do candidato aprovado ao cargo a ser exercido, com previsão de fase recursal contra suas decisões;

4. a inclusão de item estabelecendo expressamente a composição e a competência das Juntas Médicas previstas, respectivamente, nos itens 1.2.2 e 2.2.2, alterando-se sua competência apenas para definir se o candidato é, ou não, portador de deficiência, com previsão de fase recursal contra suas decisões, ou atribuindo essa tarefa à equipe multiprofissional, instituída na forma do item 3 desta Recomendação inclusive quanto à presença de fase recursal.

Caso, no prazo de 3 (três) dias úteis, a PRODIDE não receber comunicação do TCDF e do CESPE a respeito das providências tomadas, ou se estas não corresponderem, infundadamente, aos termos da presente Recomendação, será imediatamente proposta a correspondente ação civil pública.

Envie-se cópia aos órgãos e entidades envolvidos na defesa das pessoas portadoras de deficiência.

VANDIR DA SILVA FERREIRA

ANEXO ÚNICO

O TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL (TCDF), tornou público que realizará concursos públicos a serem executados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília (UnB), a saber:

- EDITAL Nº 1/2002 - TCDF-2, DE 10 DE JUNHO DE 2002, para o provimento de 26 (vinte e seis) vagas do cargo de Analista de Finanças e Controle Externo, 3ª Classe, Padrão I, da Carreira de Finanças e Controle Externo, integrante do Quadro de Pessoal dos Serviços Auxiliares, com inscrições previstas para os dias 24 de junho de 2002 a 20 23 de julho de 2002 (item 3.2.1);

- EDITAL Nº 1/2002 - TCDF-3, DE 10 DE JUNHO DE 2002, para o provimento de 2 (duas) vagas do cargo de Auditor, com inscrições previstas para os dias 24 de junho a 23 de julho de 2002 (item 3.2.1).

O C.V.I.-Bsb/DF - Centro de Vida Independente de Brasília enviou representação a esta Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso e do Portador de Deficiência - PRODIDE, alegando que referidos editais prejudicam os candidatos portadores de deficiência no que se refere à reserva de vagas.

Examinando os editais, do ponto de vista da reserva de vagas para portadores de deficiência, dois pontos merecem realce como se demonstrará.

Comprovação da deficiência - é da responsabilidade do candidato, no ato da inscrição, declarar se pretende concorrer às vagas reservadas para portadores de deficiência. Somente quando da convocação para nomeação é que se exigirá prova da deficiência, devendo o aprovado submeter-se ao crivo de Junta Médica designada pelo TCDF (itens 1.2.2 e 2.2.2).

Reserva de vagas - há previsão de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas para portadores de deficiência, de acordo com art. 1º da Lei (DF) nº 160, de 2 de setembro de 1991 (cláusulas 1.2 e 2.2 respectivamente).

Ressalva-se, no entanto, que na hipótese de resultar fração de número inteiro quando da aplicação de referido percentual, considerar-se-á inexistente a reserva da vaga referente àquela fração (itens 1.2.1 e 2.2.1 respectivamente).

Assim, no caso do cargo de Analista de Finanças e Controle Externo, estando previstas 26 (vinte e seis) vagas, aplicado o percentual de 20% (vinte por cento), o resultado implicaria na reserva de 5,2 (cinco e dois décimos) vagas, mas com o desprezo da fração, a cota em questão será de apenas 5 (cinco) vagas.

Na hipótese do cargo de Auditor, com dois cargos, a reserva corresponderia a 0,4 (quatro décimos), o que torna inexistente a possibilidade de reserva da vagas em referido concurso para portadores de deficiência.

Confrontando os pontos realçados com a legislação sobre a matéria, notam-se algumas importantes discrepâncias.

Comprovação da deficiência - sob esse aspecto cabem algumas considerações.

O Decreto nº 13.897, de 14.04.1992, que regulamentou a Lei Distrital nº 160, de 02.09.1991, estabelece, no art. 2º, § 2º, que "a pessoa portadora de deficiência deverá apresentar, no ato da inscrição do concurso público, laudo técnico que comprove sua deficiência.

Na área federal, o Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24.10.1989, também determina, em seu art. 39, inciso IV, que a comprovação da deficiência se faça, no ato da inscrição.

Apesar dessa exigência, tanto no âmbito federal quanto distrital, não se vislumbra prejuízo para o candidato o fato de prever-se no edital a comprovação da deficiência apenas na época da nomeação. Há razões de ordem prática a indicar até mesmo o acerto da inversão, tendo em vista a elevada quantidade de candidatos e a facilitação dos meios de inscrição, como a internet.

O incorreto é a falta de previsão nos editais do conceito de deficiência para efeito dos concursos.

A omissão transmite ao candidato a falsa noção de que cabe a ele definir se é portador de deficiência. Sabendo o candidato, nos termos dos editais, que, quando da nomeação, terá de apresentar, para efeito de perícia, "laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível de deficiência" (itens 1.2.2 e 2.2.2), a única cautela que deverá ter é a de se munir desse laudo antes da inscrição.

Mas o fato de munir-se desse atestado não lhe dá qualquer segurança de ter o direito de ser admitido no concurso como portador de deficiência, pois também, neste aspecto, o edital é omisso ao não conceituar deficiência para efeito dos concursos. Assim, se o candidato portar determinada deficiência atestada por laudo médico, por leve que seja, sentir-se-á no direito de inscrever-se nessa condição e, quando da perícia médica, poderá amargar a decepção de ser desclassificado por Junta Médica designada pelo TCDF, que, igualmente, não dispõe de qualquer parâmetro expresso no edital para aferir a deficiência.

Dessa forma, ainda que os editais não estabeleçam a obrigatoriedade da apresentação da definição médica quanto à deficiência no ato da inscrição, é indispensável que estabeleçam claramente o conceito de deficiência para fins dos concursos.

E para concretizar essa previsão conceitual, à falta de definição na lei local, basta buscar-se os parâmetros legais instituídos no art. 4º do referido Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999.

Havendo essa previsão no edital, o candidato que se declarar portador de deficiência terá ciência prévia das condições objetivas que lhe serão exigidas na futura perícia e tanto candidatos como organizadores dos concursos poupar-se-ão de expectativas e de procedimentos injustificáveis, podendo evitar-se até mesmo pendências judiciais a respeito.

Ainda sobre comprovação da deficiência, outro aspecto chama a atenção.

Os editais sob exame conferem poder incontrastável a uma Junta Médica, designada a posteriori pelo TCDF, para definir o futuro do candidato aprovado, deliberando sobre sua deficiência e a compatibilidade da deficiência com as funções a serem exercidas (itens 1.2.2/1.2.2.1 e 2.2.2/2.2.2.1, respectivamente, grifamos).

Em primeiro lugar, verifica-se contrariedade ao art. 1º da Lei Distrital nº 160, de 02.09.1991, pela omissão quanto ao procedimento e a possibilidade de recurso sobre as decisões a respeito da adequação e aptidão da pessoa portadora de deficiência para ocupar o cargo.

Ou seja, a Junta Médica até poderia definir se a pessoa é portadora de deficiência, desde que haja previsão de recurso de suas deliberações. Jamais poderá definir isoladamente, sem o concurso dos departamentos de recursos humanos, a adequação do candidato ao trabalho a ser executado.

Para melhor orientar essa matéria, o Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999, estabeleceu que, durante a realização do concurso e também para efeito de nomeação do candidato portador de deficiência, será obrigatória a assistência de equipe multiprofissional, composta por três profissionais capacitados e atuantes nas áreas de deficiências envolvidas, pelo menos um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato.

Com a regulamentação em pauta, sequer se avalia a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato antes da posse. A avaliação em causa deverá se dar no curso do estágio probatório.

Afora isso, caberá à equipe multiprofissional opinar sobre as condições especiais requeridas pelos candidatos portadores de deficiência, não deixando também esse aspecto ao sabor da subjetividade dos organizadores e/ou aplicadores do concurso.

Diante disso, faz-se mister que os editais sob enfoque contenham previsão expressa sobre a composição e a competência de eventual Junta Médica e a possibilidade de revisão de suas deliberações bem como a respeito da presença de equipe multiprofissional para os fins previstos na legislação, podendo esta substituir a primeira na definição da existência, ou não, da deficiência para efeito de ser o candidato contemplado com a reserva de vagas.

Reserva de vagas - este é o aspecto mais grave dos editais do TCDF.

A prevalecer o critério de desprezar a fração quando da aplicação do percentual de 20% (vinte por cento) sobre o total das vagas oferecidas, há discriminação e negativa de acesso do portador de deficiência ao trabalho, parcial no caso do cargo de analista e total no caso do cargo de auditor, em desrespeito aos princípios constitucionais consagrados no art. 7º, inciso XXI, e no art. 37, inciso VIII, e no art. 19, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

A fórmula de cálculo do percentual de cargos a serem reservados para as pessoas portadoras de deficiência encontra-se muito bem estabelecido no art. 37, § 2º do Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.1999, onde se prevê que "Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente." (grifamos).

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, interpretando as disposições do art. 37, inciso VIII, não deixa dúvida quanto ao acerto da orientação contida no decreto em referência, quando do julgamento do RE 227.299 - MG, cujo acórdão foi publicado no DJ de 14.06.2000:

"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. ARTIGO 37, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada.

Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado. Recurso extraordinário conhecido e provido."

Tratando do mesmo tema, assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

"CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE FÍSICO. RESERVA DE VAGAS (CF, art. 37, VII). PRETERIÇÃO.

1. Na nomeação de candidatos aprovados em concurso público, não se pode considerar que as primeiras vagas se destinam a candidatos não-deficientes e apenas as últimas a candidatos deficientes. Essa orientação representaria forma de discriminação expressamente vedada pela Constituição (art. 7º, XXXI). Para atender aos valores consagrados na Constituição é exatamente o raciocínio contrário que deve ser adotado. É manifesta a preocupação do constituinte em estabelecer cuidados especiais em favor dos deficientes: além da proibição de discriminá-los negativamente, a Constituição confere-lhes "discriminações positivas", como meio para compensar a deficiência e criar, assim, condições mínimas de igualdade material com as demais pessoas (art. 24, XIV; art. 203, V; art. 227, § 2º; art. 244).

2. Segundo a orientação do STF, o artigo 37, VII da Constituição deve ser aplicado de forma que, na definição das vagas reservadas a deficientes, se o cálculo percentual resultar em número fracionado, impõe-se, sempre, o arredondamento para cima, mesmo que a fração seja inferior a meio (RE 227.299, Pleno, Min. Ilmar Galvão, julgado em 14.06.2000).

3. No caso concreto, o edital destinou 5% das vagas a deficientes físicos. Sendo dez as vagas, o provimento delas mediante a NOMEAÇÃO de dez candidatos todos não-deficientes importou preterição de um DEFICIENTE."(AC 248783; TRF 4ª Região; 3a Turma; DJ 18.10.2000) (grifamos).

À vista do posicionamento cristalino do STF, acompanhado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ainda que a lei local dispusesse de modo diferente, há de prevalecer o princípio consagrado no Decreto Federal nº 3.298/99: a fração resultante da aplicação do percentual legal para reserva de vagas deve ser arredondada para o primeiro número inteiro, ainda que este número seja 1 (um), sob pena de não se concretizar o direito constitucionalmente garantido.

Com efeito, se assim não fosse, seria muito fácil burlar o comando constitucional, seja desconsiderando a fração como faz os editais do TCDF, seja colocando em disputa número de vagas que gere reserva fracionária para pessoas portadoras de deficiência.

Essas as razões da recomendação.