Parecer Normativo CST nº 78 de 30/10/1986

Norma Federal - Publicado no DO em 03 nov 1986

A consulta formulada por ente integrante da administração pública na condição de sujeito passivo submete-se a julgamento em duplo grau de jurisdição.Nas demais hipóteses de consulta formulada por órgão da administração pública, caberá o julgamento em duplo grau de jurisdição ou em instância única, conforme o consulente seja órgão local ou central na estrutura da pessoa jurídica que integra.

0.45.00.00 - Processo de Consulta
0.45.25.00 - Competência para Decidir

1. Dúvidas têm sido suscitadas relativamente ao que se deve entender por "órgãos centrais da administração pública" para os fins do disposto no artigo 54, inciso III, alínea b, do Decreto nº 70.235, de 06.03.72, que estabelece ser de competência do Coordenador do Sistema de Tributação o julgamento, em instância única, das consultas relativas aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal - SRF, quando formuladas por órgãos daquele nível e espécie.

2. Parece-nos que a análise da matéria terá maior sentido prático se realizada de modo mais amplo, com a preocupação primordial de esclarecer, em relação a consultas de autoria de órgãos da administração pública, acerca do cabimento do julgamento em duplo grau de jurisdição, ou em instância única.

3. Em princípio, a faculdade de formular consulta é atribuída ao sujeito passivo da obrigação tributária, conforme dispõe o caput do artigo 46 do supracitado Decreto nº 70.235/72, cujo parágrafo único, entretanto, admite que também o façam os órgãos da administração pública e as entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais.

4. Como regra geral, no que diz respeito aos tributos administrados pela SRF, o julgamento da consulta compete, em primeira instância, aos Superintendentes da Receita Federal (artigo 54, inciso I, do Decreto) e, em grau de recurso, ao Coordenador do Sistema de Tributação (inciso II do mesmo artigo), enquanto que, em alguns casos, expressamente previstos no inciso III, deixa de prevalecer o duplo grau de jurisdição para que tenha lugar o julgamento em instância única.

5. Já em diversas oportunidades, tem sido levantada dúvida relativamente ao caso em que certos entes públicos (pessoas jurídicas), que, por força do estabelecido no Decreto-Lei nº 200, de 25.02.67, alterado pelo Decreto-Lei nº 900, de 29.09.69, integram a administração pública, manifestam sua vontade no sentido de esclarecer-se sobre a aplicação da legislação tributária a determinados fatos ou situações, fazendo-o, como não poderia deixar de ser, por intermédio de um de seus órgãos, de nível central ou não.

6. Neste ponto, cumpre lembrar, por oportuno, que pessoa e órgão constituem conceitos distintos e que, por isto mesmo, não podem ser confundidos um com o outro, residindo uma das principais diferenças entre eles em que o órgão é desprovido de personalidade jurídica, caracterizando-se como instrumento através do qual, necessariamente, a pessoa jurídica faz exprimir sua vontade. A propósito, vejamos o ensinamento do ilustre administrativista Hely Lopes Meirelles:

"Os Órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas como partes desses corpos vivos dotados de vontade e capazes de exercer direitos e contrair obrigações para a consecução de seus fins institucionais. Por isso mesmo, os órgãos não têm personalidade jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes, mas na área de suas atribuições e nos limites de sua competência funcional expressam a vontade da entidade a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifestados através de seus agentes (pessoas físicas). Como partes das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação dessas pessoas jurídicas, preordenados ao desempenho das funções que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento." (o grifo e do original)
(in ''Direito Administrativo Brasileiro''. 4ª edição, pág. 46 - Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo).

7. Em muitos casos, ocorre que a indagação é feita por um ente (pessoa) integrante da administração pública, na condição de sujeito passivo, através de um dos órgãos que fazem parte do seu aparelhamento, o qual, por isto mesmo, é de considerar-se como órgão da administração pública. Em tal situação, encontrando-nos diante de consulta de um sujeito passivo, formulada por um órgão da administração pública.

8. Caberia, então, explicitar se, em tais casos, para efeito de definição da competência para julgamento, a consulta deve ser encarada como de iniciativa do sujeito passivo ou de órgão da administração pública.

9. Ao formular consulta, o ente integrante da administração pública o faz no tocante a situações decorrentes do exercício de atividade geradora de obrigação tributária, ou a outras em que é de seu interesse obter esclarecimentos relativos a aspectos e implicações tributárias de atos por eles celebrados, ou por celebrar, com outras pessoas, físicas ou jurídicas, estas, sim, sujeitas àquela espécie de obrigação, sendo evidente que, na primeira hipótese, assume, ele, o papel de sujeito passivo, tal não se verificando, entretanto, na segunda.

10. A nosso ver, uma vez que ocorrendo a primeira das hipóteses a que alude o item anterior, o ente da administração pública, mais apropriadamente, enquadra se no disposto no caput do artigo 46 do Decreto nº 70.235/ 72, pois sua posição é de sujeito passivo e, assim sendo, o tratamento a ser-lhe dispensado, em matéria de consulta, há de ser o mesmo a que estão sujeitos os consulentes em geral, com a prevalência, portanto, da condição de sujeito passivo da pessoa jurídica sobre a de integrante da administração pública por parte do órgão consulente, sujeitando-se, assim, sua consulta ao duplo grau de jurisdição. Este entendimento, aliás, ao que se nos afigura, está em harmonia com o espírito do disposto na própria Constituição Federal em seu artigo 170, §§ 2º e 3º.

11. Já na hipótese em que a consulta verse sobre situação em que o consulente não figura como sujeito passivo, seu enquadramento se dará no parágrafo único do mesmo artigo 46, cabendo, então, verificar se o órgão consulente, na estrutura da pessoa jurídica de que faz parte, seja ele da administração direta ou indireta, da esfera federal, estadual ou municipal, é local ou central, para efeito de determinar se o julgamento está sujeito ao duplo grau de jurisdição ou deverá ter lugar em instância única.

12. Quanto ao critério a adotar na verificação de se o órgão é central ou local, julgamos oportuno aqui transcrever a lição de J. Cretella Júnior, que, ao estudar os órgãos da administração pública segundo sua esfera de ação, preleciona:

"Órgãos administrativos centrais são aqueles que exercem atividades sobre todo o território subordinado ao aparelhamento de que fazem parte, como, por exemplo, o Ministro da Educação, que atua sobre todo o território nacional, em matéria de sua pasta."

"Órgãos administrativos locais são aqueles que exercem atividades que se projetam sobre uma parcela apenas do território subordinado ao aparelhamento de que fazem parte, como, por exemplo, um delegado de polícia, que, embora pertencendo ao aparelhamento administrativo do Estado, atua, tão-somente, sobre a porção territorial que lhe foi confiada."
(in "Curso de Direito Administrativo", 3ª edição, 1971, págs. 63-64, Forense, São Paulo).

13. Concluindo, entende-se, em síntese, que:

a) quando um ente integrante da administração pública - em especial, empresa pública ou sociedade de economia mista - formular consulta na condição de sujeito passivo, o julgamento respectivo submete-se ao duplo grau de jurisdição, não importando o nível, central ou local, do órgão integrante de sua estrutura através do qual tenha sido feita aquela formulação;

b) nas demais hipóteses de consulta formulada por órgão da administração pública, caberá o julgamento em duplo grau de jurisdição ou em instância única, conforme o consulente, na estrutura da pessoa jurídica que integra, seja órgão local ou central.