Parecer Normativo CST nº 70 de 10/02/1972

Norma Federal - Publicado no DO em 22 mar 1972

Nos termos da lei, o ICM tem por base de cálculo "o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria", integrando este valor o montante do próprio tributo; conseqüentemente, este integra o preço da mercadoria ou o seu custo e dele não pode ser destacado na avaliação dos estoques, quando da apuração dos resultados. Portanto, o inventário deve ser feito sem a redução da parcela do ICM, incidente nas compras, embora possa esta figurar em conta destacada do ativo. É admissível a dedução como despesa da importância relativa ao ICM, incidente sobre o valor agregado às mercadorias saídas ou, ainda, decorrendo de incidência de maior alíquota sobre as mesmas, porém, não recolhida em virtude do mecanismo da conta-corrente deste tributo.

02 - Imposto Sobre a Renda e Proventos
02.02 - Pessoa Jurídica
02.02.02 - Lucro Tributável

1. Pretende-se que o montante do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), constante da nota fiscal relativa à aquisição das mercadorias lançado destacadamente, não seja computado no seu valor de aquisição e, conseqüentemente, no valor do estoque das citadas mercadorias, com reflexo nos resultados da empresa e, pois, no imposto de renda devido. Tal prática, segundo se alega, encontraria apoio jurídico nas normas gerais relativas àquele tributo por onde se conclui, em síntese: a) que o seu montante não integra o "preço", da mercadoria mas o "valor da operação", o que seria diferente; b) que o estabelecimento que promove a saída da mercadoria (fato gerador) recolhe o tributo apenas a título de "antecipação", que seria "ajustada" apenas na saída para o consumidor final; c) que é cobrado do adquirente da mercadoria a título de imposto e não de preço, conseqüentemente; d) que compõe o valor do estoque como imposto e que, portanto, deve ser destacado daquele valor.

2. Invocam-se, ainda, razões de ordem econômica e outras, tais como: a) que o ICM não constitui custo do intermediário mas do consumidor final; b) que não se incorpora no preço a não ser na hipótese de compra para uso ou consumo, quando não mais existe o direito do crédito; c) que se assim não fosse (não computado no valor do estoque), estaria havendo uma valorização inexistente no estoque; d) que no balanço haveria uma parcela deste imposto afetando o resultado, enfim; e) que nas aquisições para o consumo o ICM é custo, ao passo que nas aquisições para revenda ou industrialização é imposto e não deve ser computado no valor do estoque.

3. Segundo o Decreto-lei número 406, de 31 de dezembro de 1968, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM):

a) tem como fato gerador (artigo 1º):

I - a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor;

II - a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento; (Grifamos)

III - omissis;

b) tem como contribuinte (artigo 6º): o comerciante industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em leilão ou adquire em concorrência promovida pelo Poder Público, mercadoria importada e apreendida.

c) tem por base de cálculo (artigo 2º):

I - o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;

II - omissis;

III - idem;

IV - idem;

d) o seu montante integra a base de cálculo, constituindo o respectivo destaque, mera indicação para fins de controle (artigo 2º, § 7º) (os grifos não são do original).

e) incide sobre o valor acrescido, isto é, não é cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado (artigo 3º), cabendo à lei estadual dispor de forma que o montante devido resulte da diferença a maior em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias saídas do estabelecimento e o pago relativamente às mercadorias nele entradas (artigo 3º, § 1º), podendo os Estados, em substituição a este sistema, dispor que o imposto devido resulte da diferença a maior entre o montante do imposto relativo à operação a tributar e o pago na incidência anterior sobre a mesma mercadoria, nos seguintes casos (art. 4º):

"I - saída, de estabelecimentos comerciais atacadistas ou de cooperativas de beneficiamento e venda em comum, de produtos agrícolas in natura ou simplesmente beneficiadas;
II - omissis."

4. Dos dispositivos do Decreto-lei número 406 de 1968, parcialmente transcritos, constata-se, preliminarmente, que a base de cálculo do imposto, como regra geral, é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, portanto, o preço da mercadoria; que o montante do imposto "integra a base de cálculo", portanto, está incluído no referido preço; que o destaque do imposto na nota fiscal constitui "mera indicação para fins de controle"; que esse controle visa a facilitar, e mesmo a possibilitar na prática a aplicação do princípio constitucional da não cumulatividade, que determina seja abatido, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores.

5. Outra conclusão facilmente perceptível é que o comprador é ente estranho à relação jurídico-tributária na ocorrência do fato gerador do ICM; seu contribuinte de direito é o vendedor "que promove a saída da mercadoria" e, portanto, o único responsável perante o Fisco pelo pagamento do tributo, não interessando a este a figura do chamado "contribuinte de fato", ou seja, aquele que pelo fenômeno econômico da translação do tributo venha a suportar-lhe o ônus. Juridicamente, a cada fato gerador corresponde uma obrigação autônoma que se extingue com o pagamento, ou pelas outras modalidades previstas em lei, sendo o contribuinte de direito o único responsável pelo seu cumprimento.

6. É verdade que na importação - e somente aí - a mesma pessoa poderá tornar-se, mais de uma vez, sujeito passivo da obrigação tributária em decorrência de operações realizadas com a mesma mercadoria: ao importar e, posteriormente, se vier a vender no mercado interno. Então, poder-se-ia, aparentemente, cogitar de "antecipação", relativamente ao imposto pago na importação, pelo fato de ser o seu ônus suportado pelo importador, enquanto não seja o produto comercializado no mercado interno. Mas nem mesmo aí há que falar de antecipação, porque tal ônus passará a integrar o custo do produto; tanto que será definitivamente suportado pelo importador, a título de custo, caso o referido produto não mais deva sair do estabelecimento em operação tributável. Todavia, ocorrido o novo fato gerador, quando da saída do estabelecimento, sobre aquela parcela (ICM pago na importação) será também calculado o novo imposto devido, como componente que passou a ser do custo da mercadoria importada.

7. Despida, pois, de qualquer juridicidade a assertiva de que o ICM seja recolhido a título de "antecipação" e que somente se "ajustará" na saída para o consumidor final. Reitere-se que o conceito jurídico de incidência tributária não se confunde com o sentido econômico desse fenômeno: aquele corresponde ao momento em que se instaura a respectiva obrigação para uma determinada pessoa pela ocorrência do fato gerador (CF. Amílcar de Araújo Falcão, "Fato Gerador da Obrigação Tributária").

8. Se nos impostos indiretos em geral, o contribuinte percutido pela incidência jurídica transfere a carga tributária para terceiros (incidência econômica) incluindo-a no preço, no ICM em particular, essa incursão se opera também em termos jurídicos, por determinação da lei. Assim já era na redação dada ao dispositivo pertinente pelo Ato Complementar número 27 ("o montante do imposto... integra o valor ou o preço" - artigo 1º); assim está expresso na redação atual, antes mencionada, do Decreto-lei número 406 (a base de cálculo do imposto é: I - o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria" - artigo 53 e "o montante do imposto... integra a base de cálculo"... - idem, § 7º).

9. Puro sofisma que não resiste à mais superficial análise, o atribuir-se propósito diverso na redação da lei nova, no sentido de que nesta já não se fala mais de "preço", eis que "o valor da operação de que decorrer a saída", expresso na lei nova outra coisa não é senão o preço em sua acepção ampla, nele incluídas "todas as despesas acessórias debitadas ao comprador ou destinatário", como bem se esclarece na legislação do IPI, que vale como elemento subsidiário (v. RIPI, Decreto número 61.514, de 12 de outubro de 1967, artigo 20, inciso III; CTN, artigo 103). Reitere-se assim que o montante do ICM, como expresso na lei, "integra a base de cálculo", que, também por definição legal, "é o valor da operação" e, pois, o preço. Assim, a partir de sua incidência, o ICM integra a base de cálculo e passa a ser preço, sendo a esse título, cobrado do comprador.

10. Improcedente, ainda, a invocação da chamada "conta-corrente fiscal", onde se credita o ICM constante das notas fiscais relativas à aquisição de produtos , debitando-se pelas saídas, sob alegação de que aí o ICM das compras está escriturado separadamente, como imposto. Já se disse que a conta corrente fiscal foi o sistema adotado pela lei para facilitar, na prática, a execução do mandamento constitucional da não cumulatividade do imposto: preliminarmente, pelo seu destaque na nota fiscal "para mero controle", depois, pelo crédito, pelo adquirente da mercadoria da parcela assim destacada, o que não impede (antes, como se viu obriga que ela, paralelamente, se integre no custo da mercadoria adquirida).

11. Se assim não fosse (isto é, se a parcela de ICM não integrasse o custo da compra, mas dele fosse destacável, como se pretende) então teria o adquirente que aumentar o valor do custo das compras sempre que a lei determinasse a anulação do crédito de imposto lançado na conta corrente. E isso ocorre, por exemplo, quanto ao ICM incidente sobre mercadorias adquiridas e não mais saiam do estabelecimento em operação tributada, como no caso de consumo próprio e caso fortuito ou força maior (incêndio, furto, deterioração, etc.); então é anulado o crédito do imposto lançado na conta corrente quando da aquisição da mercadoria, mas não a importância correspondente que se diz desmembrada do custo da mercadoria, a título de imposto; isso porque tal importância, como se viu, compõe o custo e neste está definitivamente integrada.

12. É oportuno esclarecer, a propósito, que o lançamento do ICM na conta corrente nenhum direito gera contra o Estado, senão o de oponibilidade à exigência de recolhimento do imposto enquanto houver crédito suficiente; em outras palavras, o montante do crédito não pode ser exigido do Estado, é inalienável e até mesmo intransferível para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, permitindo apenas que o seu titular deixe de recolher a parcela do ICM devida, em decorrência da incidência sobre o valor agregado ou diferença de alíquota nas vendas de outras mercadorias, enquanto o débito não superar o crédito na referida conta-corrente fiscal.

13. Enfim, o ICM é indestacável do preço até mesmo para efeitos de contribuição para o Fundo de Participação para Execução do Programa de Integração Social (Lei Complementar número 7, de 07 de setembro de 1970). Com efeito, uma das parcelas do Fundo é calculada sobre o faturamento das empresas, entendendo-se como "faturamento", "o produto da venda dos bens e serviços, nas transações ou operações de conta própria" (v. regulamento anexo à Resolução número 174, de 25 de fevereiro de 1971, do Banco Central do Brasil, artigo 7º, § 2º). E nesse cálculo não se cogita - e nem se pode (disp. cit., in fine) - de deduzir do faturamento, isto é, do "produto da venda dos bens", ou seja, do preço, a parcela de ICM que nele se integra nos termos da lei.

14. Integrando, então, o ICM o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, ele representa para o adquirente uma parcela definitiva do preço do produto, onerando o custo e deste não pode ser destacado no inventário do estoque de mercadorias. Tal prática, aliás, não se ajusta à lei das Sociedades por Ações (Decreto-lei número 2.627, de 26 de setembro de 1940), cujo artigo 129, alínea b, determina que "os valores mobiliários, matérias-primas, bens destinados à alienação ou que constituem produtos ou artigos da indústria ou comércio da sociedade podem ser estimados pelo custo de aquisição ou de fabricação, ou pelo preço corrente no mercado ou Bolsa". E como custo de aquisição se entende, como foi dito, o montante pago pelo adquirente, aí incluído o ICM que o integra para todos os efeitos legais, inclusive para débito de Lucros e Perdas, no caso de incêndio, furto, deterioração, etc.

15. Isso não impede, entretanto - uma vez observado o que foi dito no item precedente - que haja desmembramentos contábeis dos valores constantes das notas fiscais para efeitos de controle interno da empresa. Aliás, o Fisco tem-se pronunciado reiteradamente no sentido de que ele não interfere no sistema contábil adotado pela empresa, desde que tal sistema não venha a desfigurar os resultados; contudo, se por via desses desmembramentos for diminuído o valor das compras durante o exercício, na parcela correspondente ao ICM, destacado daquele valor, tal prática não será aceita porque afetará os resultados Isto, todavia, só não chegará a se concretizar se a nova conta de ativo, criada com a transferência desses valores (ICM incidente nas compras): a) for creditada, por ocasião das vendas, na importância correspondente daquele valor do ICM integrante do custo das mercadorias negociadas; ou ainda: b) se creditada por valor superior, seja efetuado um reajuste no final do exercício social, restabelecendo o Ativo ao valor equivalente ao custo das mercadorias inventariadas antes do desmembramento da parcela do ICM. Se assim não se fizer, estará havendo redução do valor do estoque não autorizada e, mesmo, vedada por lei, como já foi visto.

16. Em face do sistema de conta-corrente fiscal, como igualmente já foi visto, pode ocorrer que embora o contribuinte em determinado período efetue transações com lucro, não seja compelido ao recolhimento de qualquer parcela a título de ICM; isto em virtude de o ICM das compras do período superar o débito referente ao ICM incidente sobre o valor agregado às mercadorias negociadas e, quando for o caso, à diferença de alíquota. Todavia, se outro fosse o sistema, digamos a de crédito vinculado a cada mercadoria, a venda desta, quando sofresse incidência de alíquota maior ou fosse negociada por valor superior ao da compra, determinaria a obrigação de recolher a diferença de imposto.

17. Nessas circunstâncias, caso não fosse permitido levar a Lucros e Perdas o valor do ICM incidente sobre o valor agregado às vendas - no período, poderia haver uma distorção nos resultados operacionais. Tal lance, porém, não se materializa, dado que o atual Resultado do Imposto de Renda (RIR), aprovado pelo Decreto número 58.400, de 10 de maio de 1966, em seu artigo 162, § 1º, considera operacionais "as despesas pagas ou INCORRIDAS para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa, (destaque nosso) parecendo-nos no caso sob exame que se trata, de fato, de uma despesa incorrida, somente não efetivada em decorrência de autorização legal, sendo, em conseqüência, passível de apropriação os Lucros e Perdas e dedutível do lucro tributável, nos termos do mencionado dispositivo do RIR, combinado com o artigo 104, seguinte.

18. De todo o exposto concluímos: a) nos termos da legislação vigente, o ICM integra o custo da mercadoria, devendo os estoques, quando inventariados para fins de apuração de resultados, ser considerados sem a redução daquela parcela, embora esta possa figurar em conta destacada do Ativo;

b) para fins contábeis, a empresa poderá, a seu juízo, contabilizar a parcela do ICM em conta destacada do Ativo desde que, pelo sistema adotado, o inventário de mercadorias não seja reduzido do ICM pago na aquisição;

c) no caso de a empresa, durante o exercício, adotar a prática de contabilizar as compras, registrando em separado a parcela do ICM destacando nas notas fiscais a conta que representar a parcela com a despesa (efetiva ou incorridas) do ICM levado a Lucros e Perdas, não poderá apresentar valor superior ao montante do tributo incidente sobre a diferença entre o valor da venda e compra dos produtos saídos do estabelecimento durante o exercício (o ICM pago na aquisição de mercadoria é considerado no montante da compra) ou decorrente de diferença de alíquotas se for o caso;

d) na hipótese de o contribuinte contabilizar suas compras pelo valor constante da nota fiscal, sem destacar a parcela do ICM controlando o imposto a recolher através de contas de compensação ou simplesmente por meio de livro fiscal próprio, poderá, na data de levantamento de inventário para fins de balanço, levar a Lucros e Perdas, além do ICM, efetivamente recolhido durante o exercício:

I - a diferença entre o valor do ICM que esteja integrando os estoques inventariados e o crédito (saldo credor) do ICM, existente no bem se esclarece na legislação do IPI, livro de controle daquele tributo; ou II - a parcela que corresponde à soma do ICM dos aludidos estoques e do saldo devedor do referido livro. A retificação citada nos itens I e II supra poderá ser efetuada de acordo com o seguinte lançamento, aqui colocado exclusivamente a título exemplificativo:

Impostos (ICM)... (conta de Despesa) a Provisão para ICM.... (Passivo Exigível). Importância deixada de recolher em razão do saldo credor da c/c do tributo (ou, também, do prazo legal de recolhimento) ora objeto de reajuste, a fim de reconciliar o saldo da c/c e o tributo incorporado ao valor dos estoques.

Observações: 1º) O valor da conta "Provisão para ICM " não deverá ser adicionado ao lucro tributável e o saldo da provisão poderá, no exercício seguinte, a critério da empresa: a) ser objeto de reversão, à medida que o saldo da conta corrente se for tornando devedor e, conseqüentemente, obrigar o contribuinte a recolher ao Estado o ICM objeto de provisão;

b) ser movimentado somente nas datas de balanço, funcionando exclusivamente como conta de ajuste. Esclarece-se, todavia, que tanto no caso de ser adotado o sistema preconizado na letra a como na letra b destas observações dever-se-á, no final do exercício, encerrar a conta de Provisão, levando-se o seu saldo a crédito da conta de Lucros e Perdas e constituindo-se nova Provisão nos moldes estabelecidos no parágrafo 18, letra d, itens I e II;

2) Tanto a Provisão constituída em decorrência a do ajuste da alternativa b objeto do item 15, como a resultante do procedimento previsto no item 18 letra d, incisos I e II, deverá ser levada para o grupo do Passivo Exigível, tendo em vista que tais valores serviram de oponibilidade a outros créditos do Estado e, portanto, tornar-se-ão exigíveis à medida que as mercadorias que lhe deram origem sejam objeto de baixa do Ativo, qualquer que seja a causa desta: venda consumo, ou qualquer evento de força maior (roubos, furtos, incêndio) etc.