Parecer Normativo CONJUR/MMA nº 2 de 04/08/2004

Norma Federal - Publicado no DO em 13 dez 2004

Dispõe sobre os procedimentos para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a imposição das sanções, a defesa ou impugnação, o sistema recursal e a cobrança de créditos de natureza tributária e não tributária para com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA.

ASSUNTO: Aplicação do art. 17 da Instrução Normativa nº 8, de 18 de setembro de 2003, que regula os procedimentos para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a imposição das sanções, a defesa ou impugnação, o sistema recursal e a cobrança de créditos de natureza tributária e não tributária para com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA

1. O presente Parecer Normativo visa estabelecer uma interpretação unificada para a aplicação dos dispositivos da Instrução Normativa/IBAMA nº 8, de 18 de setembro de 2003 (doravante, Instrução Normativa nº 08/03), que dizem respeito às competências deste Ministério.

2. A Instrução Normativa nº 08/03 disciplina o procedimento para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a imposição de sanções, a defesa ou impugnação, e o respectivo sistema recursal, entre outras matérias.

3. No âmbito do sistema recursal, o art. 17 trata das competências do Ministro de Estado do Meio Ambiente no processamento dos recursos interpostos contra decisões do Presidente do IBAMA, in verbis:

"Art. 17. Da decisão proferida pelo Presidente do IBAMA caberá recurso administrativo hierárquico ao Ministro de Estado do Meio Ambiente, e deste, em última instância, ao Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA.

§ 1º Somente será admitida interposição de recurso administrativo da decisão recorrida proferida pelo Presidente do IBAMA ao Ministro de Estado do Meio Ambiente nos procedimentos, cujo valor da multa seja superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 2º A competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, para apreciar recurso administrativo hierárquico, contra decisão do Ministro de Estado do Meio Ambiente está prevista no art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981."

4. Em outras palavras, o dispositivo transcrito restringe as possibilidades de interposição de recurso à Ministra, contra decisão do Presidente do IBAMA, aos procedimentos que envolvam multa de valor superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Ou seja, com relação ao sistema recursal instituído pela Instrução Normativa nº 7, de 25 de abril de 2002 (revogada pela Instrução Normativa nº 08/03), a terceira instância administrativa julgadora de processos decorrentes de infrações ambientais seria, diretamente, o CONAMA, face ao disposto no art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.938/81:

"Art. 8º Compete ao CONAMA: (...)

III - decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pelo IBAMA; (...)"

5. Esta conclusão, além de estar refletida no § 2º do art. 17 da Instrução Normativa nº 08/03 (acima transcrito), é a única possível face ao art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.938, de 1981, que, por ter o status de lei ordinária, não poderia ter sido revogado pela Instrução Normativa nº 08/03.

6. Do mesmo modo, a Instrução Normativa nº 08/03 (art. 16) determinou que não caberia recurso à Presidência do IBAMA de decisões da Gerência Executiva proferidas em processos cujo valor da multa não ultrapasse cinqüenta mil reais.

7. Até aqui, empreendemos uma interpretação literal do ato normativo em tela, acerca das conseqüências do mesmo sobre o sistema recursal até então vigente. Resta-nos averiguar a aplicabilidade destas regras às decisões do Presidente do IBAMA prolatadas anteriormente ao início da vigência da Instrução Normativa nº 08/03, ou seja, cuidar do Direito intertemporal.

8. Acerca da validade temporal de seus dispositivos processuais, a Instrução Normativa nº 08/03, em seu art. 48, determina:

"Art. 48. O disciplinamento previsto na presente Instrução Normativa se aplica aos processos em andamento."

9. De fato, há um princípio geral de Direito Processual que reza que as normas processuais aplicam-se indistintamente aos processos em trâmite na data de sua entrada em vigor, ou seja, têm incidência imediata.

10. Tal princípio reflete-se no dispositivo recém-transcrito da Instrução Normativa nº 08/03 e consta do art. 1.211, do Código de Processo Civil, segundo o qual, ao entrarem em vigor, as disposições daquele código "aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".

11. Conclui-se, assim, que, com sua publicação, passou-se a aplicar a Instrução Normativa nº 08/03 imediatamente, não somente aos processos referentes a infrações administrativas formados a partir daquela data, mas também àqueles em trâmite, naquele momento, no IBAMA ou nas instâncias recursais subseqüentes.

12. Ocorre que, ainda assim, subsiste uma dúvida quanto à aplicação da Instrução Normativa nº 08/03 àqueles processos nos quais já havia uma decisão proferida pelo Presidente da autarquia, anteriormente à entrada em vigor da referida Instrução Normativa, evento que se deu em 19 de setembro de 2003 (data de sua publicação).

13. A complexidade da questão reside em que, se considerarmos a aplicação imediata da Instrução Normativa nº a todos os procedimentos em curso, independentemente de sua fase processual, deparamo-nos inevitavelmente com uma colisão de princípios suscetível de gerar indesejável situação de iniqüidade, conforme passamos a discorrer.

14. Tenhamos, por exemplo, uma decisão proferida pelo Presidente do IBAMA no primeiro semestre de 2003, portanto, em data anterior à vigência da Instrução Normativa nº 08/03. Essa decisão, uma vez prolatada e juntada aos autos (sendo, portanto, passível de consulta por qualquer interessado), ainda que não comunicada à parte prejudicada, conferiria imediatamente a esta o direito a percorrer mais duas instâncias recursais, a saber: o Ministério do Meio Ambiente e, caso seu recurso a este não lograsse ser deferido, o CONAMA, face ao disposto na Instrução Normativa nº 07/02 (vigente à época). Por conseguinte, o art. 17 da Instrução Normativa nº 08/03, se considerado como de aplicação imediata sobre o processo hipotético em questão, representaria uma supressão injustificável, à parte prejudicada, deste direito que já havia sido por ela adquirido, no momento da prolação da decisão do Presidente do IBAMA.

15. Assim, estaríamos diante de uma violação a outro princípio, este garantido pela Constituição Federal, que protege, contra os efeitos de Lei nova, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (CF/88, art. 5º, inciso XXXVI, e art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil).

16. Em outras palavras, a regra segundo a qual a lei processual é de aplicação imediata deve ser analisada com o devido temperamento, a fim de não prejudicar direito adquirido, cuja garantia encontra arrimo na Constituição Federal.

17. Neste sentido, veja-se ensinamento de Nelson Nery Jr., acerca do art. 1211 do CPC (acima mencionado):

"Lei processual sobre recursos: no que tange aos recursos, mister se faz salientar que duas são as situações:

a) rege o cabimento e admissibilidade a lei vigente à época da prolação da decisão da qual se pretende recorrer;

b) rege o procedimento a lei vigente à época da efetiva interposição do recurso."

"Decisão já proferida. Recurso ainda não interposto: quanto ao cabimento, o recurso é regido pela lei do tempo em que tiver sido proferida a decisão. Se cabia apelação da sentença quando proferida a decisão e, por exemplo, vier a ser extinto este recurso, a parte ou interessado poderia interpor apelação mesmo que não coubesse mais este recurso contra a sentença. O que importa é se, na data da prolação da decisão, o sistema previa apelação contra a sentença."

18. Este posicionamento encontra guarida também junto à jurisprudência nacional, conforme demonstram os dois julgados do STJ que se seguem:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREPARO. DIREITO INTERTEMPORAL. DOUTRINA. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO PROVIDO.

I - Segundo regra concernente à aplicação da lei processual no tempo, esta aplica-se de imediato aos processos em caso. No entanto, em face do direito adquirido, não se aplicam as modificações introduzidas pela Lei nº 8.950/94, no que toca ao preparo, se a apelação fora interposta na vigência da legislação anterior.

II - Diversa é a hipótese de incidência da regra de direito transitório segundo a qual o recurso próprio é aquele previsto à época em que publicada a decisão.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL RETIDO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. LEI Nº 9.756/98. INCIDÊNCIA IMEDIATA. SOBRESTAMENTO DOS RECURSOS, AINDA QUE JÁ ADMITIDOS. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS Á ORIGEM. RESOLUÇÃO Nº 01/99 DO TRIBUNAL. CASO CONCRETO. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA. AGRAVO PROVIDO PARCIALMENTE.

I - Como assinalado em sede doutrinária, "tendo entrado a lei [Lei nº 9.756/98] em vigor na data de sua publicação (DOU de 18.12.1998), por força do seu art. 4º, é de observar-se a regra de direito intertemporal que disciplina o sistema jurídico brasileiro no concernente à aplicação da lei processual no tempo, segundo a qual as normas processuais civis têm incidência imediata, salvo expressa dicção legal em contrário. Ademais, não se deve confundir incidência imediata de leis processuais, de natureza recursal procedimental, com a regra segundo a qual o recurso próprio é o existente à época em que publicada a decisão, como acentuaram, dentre outros, Roubier e Galeno, este citando aquele em seu belo estudo 'o novo direito processual civil e os feitos pendentes', Forense, 1.974. Se não se suprimiu o recurso, não há razão para que prevaleçam as regras anteriores do seu procedimento. Daí a justificativa da sustação dos recursos interpostos, mesmo que já admitidos, devendo eles ficar apensados aos autos da "causa". [sem destaques no original]

19. Isto posto, temos que o direito ao recurso adquire-se no momento da prolação da decisão e, uma vez adquirido, não pode ser prejudicado por ato normativo novel, que venha, posteriormente, a reger a matéria. Assim, se a decisão do Presidente do IBAMA fora proferida antes da edição da Instrução Normativa nº 08/03, à parte prejudicada não pode ser negado o trâmite recursal previsto pela Instrução Normativa nº 07/02, que incluía este Ministério como instância recursal intermediária entre o IBAMA e o CONAMA. Quanto ao procedimento aplicável a este recurso, contudo, prevalece o regime da Instrução Normativa nº 08/03, conforme esclareceu Nelson Nery no excerto acima transcrito.

20. Face a todo o exposto, concluímos que:

a) incumbe à titular deste Ministério decidir sobre os recursos interpostos tempestivamente contra decisão do IBAMA prolatada em data anterior a 19 de setembro de 2003, independentemente do valor da multa em causa;

b) nos procedimentos cujo valor da multa seja inferior a cem mil reais, os recursos interpostos contra decisão do Presidente do IBAMA prolatada em data posterior a 19 de setembro de 2003 deverão ser encaminhados diretamente ao CONAMA; e

c) em processos cujo valor da multa ultrapasse a quantia de cem mil reais, os recursos interpostos contra decisão do Presidente do IBAMA serão analisados pela Ministra de Estado do Meio Ambiente e, em último grau recursal, pelo CONAMA, independentemente da data em que prolatada a decisão.

21. É o que temos a esclarecer acerca das competências da titular deste Ministério face à edição da Instrução Normativa nº 08/03, do IBAMA. À apreciação superior.

Brasília, 4 de agosto de 2004

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

De acordo. Data supra.

TÂNIA MARIA PESSOA DE DEUS FONSECA

Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos

Acolho o Parecer acima, pelas razões de fato e de direito nele expendidas.

Encaminhe-se ao Gabinete da Ministra para homologação e comunicação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, na forma do art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e do art. 7º, inciso III, do Decreto nº 4.755, de 20 de junho de 2003.

Brasília, 4 de agosto de 2004

GUSTAVO TRINDADE

Consultor Jurídico

DESPACHO DA MINISTRA

Com supedâneo no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, Aprovo o Parecer Normativo nº 02/CGAJ/CONJUR/MMA/2004, datado de 6 de agosto de 2004, exarado pela Consultoria Jurídica deste Ministério.

MARINA SILVA